• RETROSPECTIVA DO TEATRO BRASILEIRO •
                    (Do Quinhentismo ao Romantismo)



5 - A IMPLANTAÇÃO DA COMÉDIA BRASILEIRA

Martins Pena (1815-1848)
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[•] Meio ano depois de Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, a 4 de outubro de 1838, pela mesma companhia de João Caetano, estreava O Juiz de Paz na Roça ( a primeira redação é de 1833), sem alarde publicitário e sem pretensão histórica. Era o primeiro texto válido como comédia e o primeiro escrito por um dramaturgo nato, Luís Carlos Martins Pena, que desde a adolescência, compunha divertidas comédias de costume numa linguagem coloquial que, no gênero, não foi superada por nenhum comediógrafo do século XIX. Começava aí, uma carreira curta e fecunda, que o público não cessaria de aplaudir. 
      Martins Pena escreveu dos 22 aos 33 anos de idade, quando morreu. Nesse curto período de vida escreveu vinte comédias e seis dramas. Dezessete destas comédias foram escritas em dois anos, de 1844 a 1846. Dezenove pelo menos foram representadas. Martins Pena deu ao teatro brasileiro cunho nacional e, é o fundador de nossa Comédia de Costume, filão rico e responsável pela maioria das obras de sucesso que realmente contam na literatura teatral brasileira.
      Sobre sua obra, escreveu o crítico e ensaísta Sílvio Romero (1851-1914): "(...) se se perdessem todas as leis, escritos, memórias da história brasileira dos primeiros 50 anos desse século XIX, que está a findar, e nos ficassem somente as comédias de Martins Pena, era possível reconstruir por elas a fisionomia moral de toda esta época. (...) parece que o dramatista brasileiro está vivo entre nós e escreveu hoje as suas comédias”. E essa espantosa atualidade de Pena permanece sempre vitalizado pela comédia de costumes. 
      Admirável observador, debruçou-se sobre a vida do Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX e explorou, sobretudo, o povo comum da roça e das cidades. Construiu uma galeria de tipos que constitui um retrato realista do Brasil da época e compreende funcionários públicos, meirinhos, juízes, malandros, matutos, estrangeiros, falsos cultos e profissionais da intriga social. Estes aspectos da obra de Martins Pena se devem às característica do teatro da época. Quase sempre, após a representação de um drama, era encenada uma farsa, cuja função era aliviar a platéia das emoções causadas pela primeira apresentação. Na maioria das vezes, essas peças eram de origem estrangeira (comumente portuguesa). Martins Pena, então, percebeu que poderia dar ao teatro uma natureza mais brasileira a partir de tipos, situações e costumes, tanto rurais quanto urbanos, facilmente identificáveis pelo público do Rio de Janeiro. Às cenas rurais, reservou a comicidade e o humor, explorados por meio dos hábitos rústicos e maneiras broncas da curiosa gente rural, quase sempre pessoas ingênuas e de boa índole. Já às cenas urbanas, reservou a sátira e a ironia, compondo tipos maliciosos e escolhendo temas que representavam muitos dos problemas da época, como o casamento por interesse, a carestia, a exploração do sentimento religioso, a desonestidade dos comerciantes, a corrupção das autoridades públicas, o contrabando de escravos, a exploração do país por estrangeiros e o autoritarismo patriarcal, manifesto tanto na escolha de profissão para os filhos quanto de marido para as filhas. Tudo costurado a uma linguagem simples e popular. 
        Apesar disso, nada foi tratado do ponto de vista trágico e nunca um desfecho era funesto; pelo contrário, dada a finalidade destas comédias, que era a de opor-se aos dramas, a trama comum consiste na apresentação dos problemas, na resolução cômica dos empecilhos e no surgimento, muitas vezes com casamento ou namoro sério, de um final feliz.
       Enfim, mostra a província e a capital, o sertanejo e o metropolitano, em suas diferenças básicas. É certo que há nestes tipos, certo exagero, natural de quem deseja fazer rir, contudo Pena tinha o dom de surpreender com certas particularidades, reveladoras de traços reais destes tipos. Em O Usuário, para criticar as assembléias legislativas, um jovem se serve da brincadeira que tramaram, comentando: “... não seria mau que os presidentes de nossas câmaras fossem todos defuntos. Em vez de dizerem: Tem a palavra o ilustre próximo opinante, gritariam: silêncio!, e não se perderia tanto tempo com palavras inúteis".
      Depois de ter escrito três comédias baseadas neste esquema: O Juiz de Paz na Roça, Um Sertanejo na Corte e A Família e a Festa na Roça, Pena tentou o teatro histórico, gênero nobre no Romantismo Europeu. Mas sem êxito: peças como D. João Lira ou O Repto e D. Leonor Teles nem sequer foram representadas, e sua leitura hoje indica que na verdade não mereciam. De maneira que em 1844, o dramaturgo volta ao assunto das primeiras comédias.
      Para Martins o amor é um sentimento especialmente jovem, confundido com as delícias cheias de apreensão do namoro. Talvez uma prova de imaturidade sentimental do comediógrafo, morto tão jovem, tuberculoso, ou apenas porque o gênero é fácil pretexto para o riso. O estado civil do casamento nunca aparece, em suas peças, de maneira agradável. Mal se unem os casais de Os Irmãos das Almas, Quem quer Casar Casa e as Casadas Solteiras, aparecem as rusgas, e Júlia, da «Comédia sem Título, chega a dizer»: ... “se soubésseis o que é o casamento, nunca faria semelhante asneira...” 
       Não poupa Martins, também as viúvas, que se enfeitam com o objetivo de realizar um novo casamento, e os velhos que se dispõem a fazer uma conquista amorosa. A mãe de O Inglês Maquinista, que se julga viúva e tenta seduzir Gainer, só é perdoada pelo marido que retorna, em consideração as filhas. Situação parecida apresenta O Caixeiro da Taverna: a proprietária, viúva, quer casar-se com o empregado, que pela ambição de vir a ser seu sócio, mantém em segredo um casamento por amor. 
       Após sua morte, ainda vieram a público algumas de suas peças, como "O noviço" (1853) e "Os dois ou O inglês maquinista" (1871). Sua produção foi reunida em Comédias (1898), editado pela Editora Garnier, e em Teatro de Martins Pena (1965), 2 volumes, editado pelo Instituto Nacional do Livro. 

A OBRA
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• O Juiz de Paz na Roça  —  Representada pela primeira vez em 1838, publicada em 1842; trata-se de uma comédia em um ato de 23 cenas. A peça passa-se na roça e aborda com humor cenas em torno de uma  família da roça e do cotidiano de um juiz de paz (neste  ambiente) um pouco corrupto que usa a autoridade e inteligência para lidar com (e suportar) a  absurda inocência dos roceiros, que lhe trazem os mais cômicos casos. O escrivão aparece como servo mais próximo do juiz e viabiliza suas ordens; no entanto, não é intencionalmente corrupto e chega a surpreender-se com algumas decisões de seu superior. A família de Manoel João (incluindo o negro Agostinho)  mais José da Fonseca formam o núcleo mais importante da peça. Os outros personagens são roceiros que servem para apresentar  ao juiz de paz as esdrúxulas situações que ele deve resolver.
• Um Sertanejo na Corte – inacabada, não representada, só impressa  (1842);
• Fernando ou O Cinto Acusador (id.);
• D. João de Lira ou O Repto (id.);
• A Família e A Festa da Roça, comédia em um ato, 1840 - publicada em 1842;
• D. Leonor Teles (não representada)
• Itamina ou O Guerreiro de Tupã(drama) [id.];
• Vitiza ou O Nero de Espanha, 1841 – não publicada;
• Os Dous ou O Inglês Maquinista, 1845 – publicada em 1871;
• Judas em Sábado de Aleluia, comédia em um ato, representada em 1844, publicada em 1846;
• Os Irmãos das Almas, 1844 – publicada em 1846;
• O Diletante, 1845 — publicada em 1846;
• Os Três Médicos, 1845 (não publicada) — O Cigano (id.);
• O Namorador ou A Noite de São João, comédia em um ato, representada em 1855;
• O Caixeiro da Taverna, 1845 — publicada em 1847;
As Casadas Solteiras, 1845 — não publicada;
O Noviço, comédia em três atos (única), 1845;
Os Mineirinhos, 1846 — não publicada;
Quem Casa quer Casa, provérbio em um ato, 1845 – publicada em 1847;
Os Ciúmes de um Pedestre ou O Terrível Capitão do Mato, 1846 — não publicada;
O Usuário — não representada, nem publicada;
• O Jogo das Prendas (id.);
Um Segredo de Estado, 1846 (não publicada);
•  A Barriga de Meu Tio (id.);
As Desgraças de Uma Criança ou O Soldado e O Sacristão ,1846 — É uma das comédias de costumes mais encenadas por grupos de estudantes ou iniciantes de teatro. Explora, com bom humor, temas recorrentes dos folhetins: triângulo amoroso, amores proibidos e casamento por interesse.
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Ajudaram na elaboração deste texto:
História do Teatro Brasileiro, de Carlos Mendonça.
O Teatro no Brasil, de Múcio da Paixão.
Panorama do Teatro Brasileiro, de Sábato Magaldi. 
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