O TEATRO VICENTINO
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Estudos Literários
Não tenho dificuldade em afirmar que antes de Gil Vicente, no século XVI, o teatro propriamente dito não era conhecido em Portugal.
O teatro vicentino tem como característica principal a sátira (de fundo moralista). Por meio dela Gil Vicente criticou todas as camadas sociais: a nobreza, o clero e o povo. Apesar de sua extrema religiosidade o alvo das sátiras de Gil era o clérigo que se entregava enlouquecidamente aos amores proibidos, a venda de indulgências, à depravação dos costumes, ao misticismo e ao mundanismo.
Gil não fez exceção à hierarquia clerical; criticou desde o frade de aldeia até o papa. No âmbito dos fiéis, criticou aqueles que rezavam mecanicamente; os que solicitavam, a Deus, favores pessoais e os que assistiam às missas por obrigação social:
Sapateiro: Quantas missas eu ouvi, / nom me hão elas de prestar?
Diabo: Ouvir missa, então roubar – / é caminho para aqui.
(diálogo entre um sapateiro e o Diabo; enxerto do Auto da Barca do Inferno)
Digno de observação é: no teatro de Gil Vicente, o diabo nunca força ninguém ao pecado. As próprias pessoas o cometem por si só. Por exemplo: na peça Auto da Feira, o Diabo, do mesmo modo que um camelô, monta sua banca para oferecer os pecados, quando é interpelado por um anjo que assim argumenta o Diabo:
Mas cada um veja o que faz, / porque eu não forço ninguém.
Se me vem comprar / qualquer clérigo, ou leigo, ou frade
falsas manhas (hábitos) de viver, / muito por sua vontade,
senhor, que lhe hei-de-fazer?
Outra classe social muito criticada por Gil foi a baixa nobreza, representada pelo fidalgo (nobre) decadente. Por outro lado, ele tinha especial carinho pelo "lavrador", que considerava o "verdadeiro povo", vítima da exploração de toda a estrutura social:
Sempre é morto quem do arado / há-de viver.
Nos somos a vida das gentes, / e morte de nossas;
a tiranos – pacientes. / Que a unhas e a dentes
nos tem as almas roídas. (excerto do Auto da Barca do Purgatório)
Dos outros tipos humanos que povoaram os textos de Gil Vicente temos: O judeu ganancioso; a velha beata, o médico incompetente, a mulher adúltera, o padre corrupto, o sapateiro que rouba o povo, a alcoviteira, o velho apaixonado que se deixa roubar. Gil Vicente não tem a preocupação de fixar tipos psicológicos, e sim sociais; pondo em relevo os vícios da época. Ridiculariza a imperícia dos médicos (físicos) na Farsa dos Físicos; as práticas da feitiçaria, no Auto das Fadas, o relaxamento dos costumes clericais, no Clérigo da Beira, no Auto da Barca do Inferno e na Farsa de Inês Pereira. Porém, a maior parte das personagens de seu teatro, não tem nome de batismo; são designados pela profissão ou pelo tipo humano que representam.
Quanto à forma (cenários e montagens) o teatro de Gil é extremamente simples. O texto apresenta estrutura poética, com predomínio da redondilha maior, havendo varias cantigas populares no corpo de sua peça, promovendo a participação da plateia.
A produção completa de Gil Vicente constitui-se de 44 peças, sendo 17 em português, 11 em castelhano e 16 bilíngues. Eis algumas delas:
Quem tem farelos? - História de um escudeiro pobretão que procura namorar certa moça mas é enxotado pela mãe dela.
Auto da Índia - História de uma mulher que engana o marido enquanto ele está engajado em expedições.
A Velha da Horta - Ridiculariza a paixão súbita de um velho por uma jovem.
O Auto da Alma - apresenta o drama da luta da alma na sua vida terrena.
Auto da Barca do Inferno, do Purgatório e da Glória - mostra as almas dos mortos à espera das embarcações que as levarão ao destino final. A acusação (diabo) e a defesa (anjo) das almas é o ponto central da peça.®Sérgio.
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Os excertos foram extraídos de: Vicente, Gil. Teatro de Gil Vicente. 5ª Ed. Lisboa, Portugália.
Algumas informações foram extraídas e adaptadas ao texto de: Nicola, José, Literatura. São Paulo, Scipione, 1998.
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