moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
vai vir o dia
quando tudo o que eu diga
seja poesia
(Paulo Leminski)
Este poema foi escrito por Paulo Leminski na década de 1980, poeta que, entre tantos temas, costumava discursar sobre o ato de fazer versos, a condição de ser poeta e boêmio (condição essencial para ser poeta, em sua opinião). Temas como esses são tão recorrentes na poética de Leminski, que se pode imaginar serem uma espécie de estranha obsessão, ou paixão, como diriam os mais metafóricos. Leminski, Curitibano por afeição, consumiu muita literatura clássica em sua juventude e por toda a vida, também devorava vorazmente tudo que se referisse à teoria e tendência literária, mas sempre dizia que não precisava perder tempo com literatura contemporânea, tudo já fora escrito pelos autores clássicos. Realmente, sua obsessão literária tinha como objeto principal inovações em linguagem, tanto que saiu de Curitiba rumo a São Paulo com o principal objetivo de conhecer os irmão Campos e Decio Pignatari, seu guru, e mergulhar no concretismo. Porém, não pensem que esse mergulho foi trágico, feito o de Narciso, mergulhou, sim, mergulhou fundo, mas sempre voltava à tona, renovado; saía úmido dessa lagoa concreta, localizada no sertão de Piratininga, e deixava seus odores, suores e sujidades nela. Quando se sentia, novamente/ incomodado com tanto sobejo de trabalho, voltava afoito ao movimento concreto.
O poema transcrito a cima faz parte da coletânea...* de 19...*. Ele revela muito sobre o poeta, Leminski, e sobre suas idéias a respeito de si e da poesia. Leminski inicia afirmando que é um "moinho de versos"; moinho nos lembra algo construído pelos homens, a fim de facilitar ou substituir seu trabalho (máquina). Ora, nada mais contraditório do que um poeta, como Leminski, afirmando ser uma máquina, mesmo que de versos, mas nada tão documental e lúcido, em se tratando de um poema composto nos anos oitenta do século passado, era em que o comunismo soviético dava seus últimos suspiros, vindo a sucumbir na década seguinte, deixando espaço livre para a dominação do neoliberalismo e sua máquina individualizante e globalizada. No entanto, o eu - lírico não era uma máquina qualquer: era "movida a vento". E vento, todos sabemos, pode ser bom ou ruim, tudo depende da estação e de sua intensidade, portanto essa máquina, apesar de construída pela mão dos homens, não dependia dele pra funcionar, mas do contexto climático, ou seja, totalmente fora de seu controle. Então, talvez, aqui Leminski expunha sua condição de rebeldia, não podia agir quando alguém precisasse, lhe pedisse ou pagasse, mas somente quando o "vento" soprava. Assim, o eu-lírico justificava a rebeldia, no entanto, logo em seguida completava a afirmação com um local e uma hora propícios para que o "moinho" girasse suas pás. para trabalhar no fabrico de versos: "em noites de boemia". Esse lugar era o frequentado por intelectuais, artistas, prostitutas, vagabundos e afins, a "boemia". Horário do expediente seria a noite, mas não uma única noite, reparem que o poeta diz "noites de boemia", ou seja, esse fabrico de "versos" poderia ser comparado a um aprendizado ou ruminação, pois carecia de muito tempo, muitas "noites" para ser concluído. Isso pode até parecer um elogio ao ócio e ao prazer, mas, na verdade, o eu - lírico mostra que onde havia prazer e descomprimisso lá estava ele, comprometido com seu fabrico, e se sacrificando, trabalhando. Talvez possa até ser considerado um elogio ao ócio e ao prazer, então, nesse caso, seria como objeto de observação, como musa inspiradora somente, pois se o poeta se entregasse ao ócio e ao prazer, na certa, não trabalharia em seus “versos”.
Então, até agora, podemos concluir que o eu-lírico fala de uma máquina independente de mãos humanas, ao menos para funcionar, que fabrica "versos" enquanto outros se comprazem, sendo que esse esforço se conclui apenas depois de algum tempo. Mas então o poeta avisa que "vai vir o dia". Assim, ele, novamente, provoca estranhamento se utilizando de mais uma antítese: primeiro estranhamos o fato de um "moinho" que fabrica "versos", que simboliza trabalho, estar funcionando na "boemia", significando prazer (antítese: prazer/trabalho). Agora o "moinho" se põe num futuro, futuro esse que seria "dia", ou seja, o momento em que a maioria os homens está ocupada (antítese: noite/dia). Logo, para esse "moinho", virá um momento em que ócio cessa. Mas, agora, não vários dias, e sim um único dia, talvez o derradeiro (antítese: singular/plural), e o poema termina dizendo que, nesse "dia" "tudo que" o eu-lírico "diga" será "poesia", mas num tom esperançoso: "vai vir o dia / quando tudo o que eu diga seja poesia", quer dizer, até aqui afirmou que era máquina e que trabalhava, enquanto outros se divertiam, mas que tinha esperança de um dia este cenário se inverter: muitos iriam trabalhar enquanto suas palavras (poesia) os inspirariam.
movido a vento
em noites de boemia
vai vir o dia
quando tudo o que eu diga
seja poesia
(Paulo Leminski)
Este poema foi escrito por Paulo Leminski na década de 1980, poeta que, entre tantos temas, costumava discursar sobre o ato de fazer versos, a condição de ser poeta e boêmio (condição essencial para ser poeta, em sua opinião). Temas como esses são tão recorrentes na poética de Leminski, que se pode imaginar serem uma espécie de estranha obsessão, ou paixão, como diriam os mais metafóricos. Leminski, Curitibano por afeição, consumiu muita literatura clássica em sua juventude e por toda a vida, também devorava vorazmente tudo que se referisse à teoria e tendência literária, mas sempre dizia que não precisava perder tempo com literatura contemporânea, tudo já fora escrito pelos autores clássicos. Realmente, sua obsessão literária tinha como objeto principal inovações em linguagem, tanto que saiu de Curitiba rumo a São Paulo com o principal objetivo de conhecer os irmão Campos e Decio Pignatari, seu guru, e mergulhar no concretismo. Porém, não pensem que esse mergulho foi trágico, feito o de Narciso, mergulhou, sim, mergulhou fundo, mas sempre voltava à tona, renovado; saía úmido dessa lagoa concreta, localizada no sertão de Piratininga, e deixava seus odores, suores e sujidades nela. Quando se sentia, novamente/ incomodado com tanto sobejo de trabalho, voltava afoito ao movimento concreto.
O poema transcrito a cima faz parte da coletânea...* de 19...*. Ele revela muito sobre o poeta, Leminski, e sobre suas idéias a respeito de si e da poesia. Leminski inicia afirmando que é um "moinho de versos"; moinho nos lembra algo construído pelos homens, a fim de facilitar ou substituir seu trabalho (máquina). Ora, nada mais contraditório do que um poeta, como Leminski, afirmando ser uma máquina, mesmo que de versos, mas nada tão documental e lúcido, em se tratando de um poema composto nos anos oitenta do século passado, era em que o comunismo soviético dava seus últimos suspiros, vindo a sucumbir na década seguinte, deixando espaço livre para a dominação do neoliberalismo e sua máquina individualizante e globalizada. No entanto, o eu - lírico não era uma máquina qualquer: era "movida a vento". E vento, todos sabemos, pode ser bom ou ruim, tudo depende da estação e de sua intensidade, portanto essa máquina, apesar de construída pela mão dos homens, não dependia dele pra funcionar, mas do contexto climático, ou seja, totalmente fora de seu controle. Então, talvez, aqui Leminski expunha sua condição de rebeldia, não podia agir quando alguém precisasse, lhe pedisse ou pagasse, mas somente quando o "vento" soprava. Assim, o eu-lírico justificava a rebeldia, no entanto, logo em seguida completava a afirmação com um local e uma hora propícios para que o "moinho" girasse suas pás. para trabalhar no fabrico de versos: "em noites de boemia". Esse lugar era o frequentado por intelectuais, artistas, prostitutas, vagabundos e afins, a "boemia". Horário do expediente seria a noite, mas não uma única noite, reparem que o poeta diz "noites de boemia", ou seja, esse fabrico de "versos" poderia ser comparado a um aprendizado ou ruminação, pois carecia de muito tempo, muitas "noites" para ser concluído. Isso pode até parecer um elogio ao ócio e ao prazer, mas, na verdade, o eu - lírico mostra que onde havia prazer e descomprimisso lá estava ele, comprometido com seu fabrico, e se sacrificando, trabalhando. Talvez possa até ser considerado um elogio ao ócio e ao prazer, então, nesse caso, seria como objeto de observação, como musa inspiradora somente, pois se o poeta se entregasse ao ócio e ao prazer, na certa, não trabalharia em seus “versos”.
Então, até agora, podemos concluir que o eu-lírico fala de uma máquina independente de mãos humanas, ao menos para funcionar, que fabrica "versos" enquanto outros se comprazem, sendo que esse esforço se conclui apenas depois de algum tempo. Mas então o poeta avisa que "vai vir o dia". Assim, ele, novamente, provoca estranhamento se utilizando de mais uma antítese: primeiro estranhamos o fato de um "moinho" que fabrica "versos", que simboliza trabalho, estar funcionando na "boemia", significando prazer (antítese: prazer/trabalho). Agora o "moinho" se põe num futuro, futuro esse que seria "dia", ou seja, o momento em que a maioria os homens está ocupada (antítese: noite/dia). Logo, para esse "moinho", virá um momento em que ócio cessa. Mas, agora, não vários dias, e sim um único dia, talvez o derradeiro (antítese: singular/plural), e o poema termina dizendo que, nesse "dia" "tudo que" o eu-lírico "diga" será "poesia", mas num tom esperançoso: "vai vir o dia / quando tudo o que eu diga seja poesia", quer dizer, até aqui afirmou que era máquina e que trabalhava, enquanto outros se divertiam, mas que tinha esperança de um dia este cenário se inverter: muitos iriam trabalhar enquanto suas palavras (poesia) os inspirariam.