CAPÍTULO 1
23 de dezembro de 2009
Encontrei Vasco e Luisa próximos à saída 111 da Via Dutra, em Taubaté, estado de São Paulo. Ele vestia um chapéu de aba, grande e surrado, olhando sempre para baixo, enquanto puxava uma carroça com caçamba um pouco menor que um fusca e duas traves com um travessão, por onde puxava o utilitário, distante um metro e meio dela, coisa que dava impressão de se tratar de um utensílio maior do que, na verdade, era, usava também uma bermuda feita de calça de brim cortada na altura do joelho, estava fechada apenas com o zíper, até próximo ao botão, que permaneceu fora da casa por todo o tempo em que Vasco esteve a vesti-la, o que não foi pouco. Sua barba grisalha, mais branca do que preta, parecia ter no mínimo uns seis meses de vida, contrastava com sua pele, também grisalha, mais negra do que branca: negra por mostrar descendência e branca por carregar sujidade. Ela vinha à sua direita atenta a tudo: ao tráfego, já que caminhavam no sentido oposto ao da estrada, no acostamento; ao lugar, já que se tratava de um trecho com algumas casas à margem da pista; aos passantes, que os miravam com certa estranheza, e não desviou seu olhar de mim e de Bruna, enquanto nos aproximávamos do valente casal.
Chegando mais perto, chamei o senhor pelo nome, pois ainda não nos tinha visto e sua companheira de jornada não o havia avisado de nossa presença. Ele nos olhou, primeiro pra mim, depois para Bruna, e sorriu como que espantado e surpreso, mas aberto a aproximação, parecendo tentando lembrar de onde nos conhecia, mas também parecia curioso: se não nos conhecesse, já era hora de fazê-lo. Confesso que esta reação me causou estranhamento, pois o que tinha lido sobre ele no jornal e as informações que me deram a seu respeito não correspondiam com esta cordialidade sutil e espontânea. Então, estanquei alguns segundos a analisar o que eu percebia e comparar com as informações que tinha, momento em que nosso Quixote passou a tomar iniciativa de abordagem, perguntando se também iríamos visitar a Santa. Quando iniciei a responder a indagação, com um aceno de cabeça, indicando negação, de forma lenta e ainda reflexiva, ele atropelou meu silêncio com uma segunda pergunta: “Tem cigarro?”. Disse que não.
Passado o choque, me aproximei de Luisa depois que ele passou a dirigir sua curiosidade a Bruna, também se aproximando dela, como se tivéssemos feito uma repentina e natural troca de casais. Minha conversa com Luisa não passou de um olá respondido por ela em um tom mais grave e seco, na verdade, continuei seguindo os movimentos de Vasco, que tentava parecer gentil e galante com Bruna, coisa que ela sabia, como ninguém, interromper sem ser indelicada ou esnobe: enquanto sorria, como se agradecesse o lisonjeio, desviava o olhar em minha direção, signo que o insólito galanteador percebeu rápido, apesar dos óculos escuros que Bruna usava, e, novamente, se pôs a caminhar em minha direção, mas sem deixar de, antes, perceber a expressão de Luisa a meu lado, que pouco mudara, mas que, para ele, deveria querer representar algo, pois seu sorriso diminuiu no mesmo instante, restando apenas um meio sorriso, quase forçado, no canto esquerdo da boca, e me dirigiu novamente aquela pergunta, mas sem tirar os olhos da patroa, desta vez com mais entusiasmo e firmeza no tom: “Então? Vocês não vão, também, ver a santa?”. Respondi que não.
23 de dezembro de 2009
Encontrei Vasco e Luisa próximos à saída 111 da Via Dutra, em Taubaté, estado de São Paulo. Ele vestia um chapéu de aba, grande e surrado, olhando sempre para baixo, enquanto puxava uma carroça com caçamba um pouco menor que um fusca e duas traves com um travessão, por onde puxava o utilitário, distante um metro e meio dela, coisa que dava impressão de se tratar de um utensílio maior do que, na verdade, era, usava também uma bermuda feita de calça de brim cortada na altura do joelho, estava fechada apenas com o zíper, até próximo ao botão, que permaneceu fora da casa por todo o tempo em que Vasco esteve a vesti-la, o que não foi pouco. Sua barba grisalha, mais branca do que preta, parecia ter no mínimo uns seis meses de vida, contrastava com sua pele, também grisalha, mais negra do que branca: negra por mostrar descendência e branca por carregar sujidade. Ela vinha à sua direita atenta a tudo: ao tráfego, já que caminhavam no sentido oposto ao da estrada, no acostamento; ao lugar, já que se tratava de um trecho com algumas casas à margem da pista; aos passantes, que os miravam com certa estranheza, e não desviou seu olhar de mim e de Bruna, enquanto nos aproximávamos do valente casal.
Chegando mais perto, chamei o senhor pelo nome, pois ainda não nos tinha visto e sua companheira de jornada não o havia avisado de nossa presença. Ele nos olhou, primeiro pra mim, depois para Bruna, e sorriu como que espantado e surpreso, mas aberto a aproximação, parecendo tentando lembrar de onde nos conhecia, mas também parecia curioso: se não nos conhecesse, já era hora de fazê-lo. Confesso que esta reação me causou estranhamento, pois o que tinha lido sobre ele no jornal e as informações que me deram a seu respeito não correspondiam com esta cordialidade sutil e espontânea. Então, estanquei alguns segundos a analisar o que eu percebia e comparar com as informações que tinha, momento em que nosso Quixote passou a tomar iniciativa de abordagem, perguntando se também iríamos visitar a Santa. Quando iniciei a responder a indagação, com um aceno de cabeça, indicando negação, de forma lenta e ainda reflexiva, ele atropelou meu silêncio com uma segunda pergunta: “Tem cigarro?”. Disse que não.
Passado o choque, me aproximei de Luisa depois que ele passou a dirigir sua curiosidade a Bruna, também se aproximando dela, como se tivéssemos feito uma repentina e natural troca de casais. Minha conversa com Luisa não passou de um olá respondido por ela em um tom mais grave e seco, na verdade, continuei seguindo os movimentos de Vasco, que tentava parecer gentil e galante com Bruna, coisa que ela sabia, como ninguém, interromper sem ser indelicada ou esnobe: enquanto sorria, como se agradecesse o lisonjeio, desviava o olhar em minha direção, signo que o insólito galanteador percebeu rápido, apesar dos óculos escuros que Bruna usava, e, novamente, se pôs a caminhar em minha direção, mas sem deixar de, antes, perceber a expressão de Luisa a meu lado, que pouco mudara, mas que, para ele, deveria querer representar algo, pois seu sorriso diminuiu no mesmo instante, restando apenas um meio sorriso, quase forçado, no canto esquerdo da boca, e me dirigiu novamente aquela pergunta, mas sem tirar os olhos da patroa, desta vez com mais entusiasmo e firmeza no tom: “Então? Vocês não vão, também, ver a santa?”. Respondi que não.