TEXTOS DA LITERATURA BRASILEIRA - POESIAS - BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES (Carlos Drummond de Andrade)
Eu te gosto, você me gosta Depois (tempos mais amenos)
desde tempos imemoriais. fui cortesão de Versailles,
Eu era grego, você troiana, espirituoso e devasso.
troiana mas não Helena. Você cismou de ser freira...
Saí do cavalo de pau Pulei muro de convento
para matar seu irmão. mas complicações políticas
Matei, brigamos, morremos. nos levaram a guilhotina.
Virei soldado romano, Hoje sou moço moderno,
Perseguidor de cristãos. remo, pulo, danço, boxo,
Na porta da catacumba tenho dinheiro no banco.
Encontrei-te novamente. Você é uma loura notável,
Mas quando vi você nua boxa, dança, pula, rema.
Caída na areia do circo Seu pai é que não faz gosto.
E o leão que vinha vindo, Mas depois de mil peripécias,
Dei um pulo desesperado eu, herói da Paramount,
e o leão comeu nós dois. te abraço, beijo e casamos.
Depois fui pirata mouro Poesia e prosa.
Flagelo da Tripolitânia. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1988.
Toquei fogo na fragata
Onde você se escondia
Da fúria do meu bergantim.
Mas quando eu ia te pegar
E te fazer minha escrava,
Você fez o sinal-da-cruz
E rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.
Podemos perceber através do poema de Carlos Drummond de Andrade (31/10/1902 – 17/08/1987 – natural de Itabira do Mato Dentro/MG - Modernismo Brasileiro) a intensidade do amor puro, que sobrevive a tudo, até mesmo ao poder destrutivo dos tempos (“idades”) e a essência (imortal) do texto literário (aquele que visa provocar emoções, sentimentos, ou seja, produzir beleza). A poesia em questão é objeto, em literatura, utilizada para mostrar a força expressiva do texto literário e os dois principais níveis de leitura de um texto (Primeiro: o nível literal, aquilo que está realmente escrito, em outras palavras, é a compreensão dos elementos iniciais e estáticos do texto. Segundo nível: é o da interpretação, ou seja, aquilo que o autor realmente quis dizer, nesse nível o texto apresenta vários sentidos) e está dividida em cinco estrofes (conjunto de versos, sendo entendido que, graficamente, cada linha do texto é um verso) que “contam”, “narram” uma historia de amor, com tempo (imemorial), lugares (diversos: Grécia, Roma, França, Brasil, etc.), personagens (um casal de namorados que, se encontra e separa em diversas “idades”). A poesia inicia-se muito além da imaginação (tempos desconhecidos), passa pela Grécia (a mítica Troia de Helena de Esparta, que passou para a História como Helena de Troia, e do espartano Paris), lembra-nos o episódio do cavalo de Ulisses e avança pelas “idades”, contando as “transformações” porque passam o aventureiro casal de namorados. Em seguida, vai para Roma, e novo final triste, comidos por um leão no Coliseu (“na areia do circo...”). Continuando as desventuras, o casal “reencontra-se” no Oriente, Ele, pirata mouro, Ela, a jovem donzela cristã indefesa, e entre, incêndios, fúrias e aventuras, acontece o duplo suicídio que, mais uma vez, separa o casal de amantes. Na quarta estrofe, tempos mais felizes (“tempos mais amenos”), os dois são cortesãos na Versailles dos nobres de França, até que surge a guilhotina de Guillotin (Joseph-Ignace Guillotin 1738-1814 – médico que sugeriu a utilização da mortífera máquina durante a Revolução Francesa) e, num salto para o presente, Ele é um moço moderno que rema, que pula, que dança, que joga, e que tem dinheiro no banco. Ela, “uma loura notável” que também joga, dança, pula e rema, e depois de mil desventuras, Ele (herói de cinema) faz filmes na Paramout (companhia americana de películas cinematográficas), encontra sua mocinha e temos um final feliz e, juntamente, a explicação do poema, que pode ser um filme, um sonho ou um relato verídico.