MARIO DE ANDRADE - PARA ENTENDER O MODERNISMO I

Mario atua na sua obra com sua inteligência ordenadora, diferenciando-se de Oswald onde a inventividade dá o toque, tão admirada e reconhecida mais à frente, quando então a figura de Mario parece desvanecer na análise do Movimento. O que os diferencia é um aspecto mais profundo, além das aparências do fazer poético: a visão de mundo peculiar a cada um, radicada na dualidade que vem marcando poetas de todos os tempos e que Marcel Raymond sintetizou em dois ramos:

- a dos artistas (na linhagem de Mallarmé) – Oswald de Andrade

- e a dos videntes (na linhagem de Rimbaud) – Mario de Andrade

Levando-se em conta a natureza do talento criador de cada um, podemos situar Mario na linhagem dos videntes, enquanto Oswald é o artista, o que o referencia em maior grau, num julgamento apressado, com as inovações requeridas de imediato pela reforma de então,

Mario aponta, ao falar na poesia modernista como sendo o resultado do que o subconsciente envia à inteligência do Poeta, Rimbaud como precursor, mas adverte: “Não imitamos Rimbaud, nós o desenvolvemos”. ESTUDAMOS A LIÇÃO DE RIMBAUD (grafado todo em maiúsculas).

Em Mario de Andrade (o vidente) atua uma consciência histórica e uma visão ordenadora do universo em fundo contraste com o espírito desagregador das vanguardas. Em Oswald (o inventivo) a consciência anti-histórica, a visão fragmentada do mundo, em maior sintonia com o espírito criador anárquico.

Nesse sentido, Mario afasta-se dos Manifestos teóricos (futuristas, dadaístas ou surrealistas), pois evidente que o Movimento Modernista trazia na raiz uma recusa aos princípios ordenadores. Recusa o tempo histórico para imergir no momento vivencial; prega uma visão total e globalizante do real-objetivo, o presente imediato.

As correntes vanguardistas exigiam uma consciência não ordenadora, que fixassem momentos sem nexos de tempo e espaço, como clarões que acendem e apagam à deriva.

“Pedia-se ao poeta que se despojasse da lógica ordenadora tradicional e fixasse a sua visão original do universo; que rompesse com o Tempo e com a História, para construir o novo mundo a partir do seu Eu, do Momento e da Atualidade” (1)

Por isso encontramos, nesse primeiro momento (primeiras décadas de do século findo – 10 e 20) as duas forças antagônicas exacerbando a poesia, objetivo x subjetivo, predominando estes aspectos ora num, ora noutra Corrente Modernista, como o cubismo e futurismo (objetivo); dadaístas e surrealistas (subjetivo), perpetuando assim a antiga dualidade da Arte: a dualidade eu x mundo.

É essa fragmentação que permite aproximar criadores díspares como Joyce, Marinetti, Tzara, Kafka, Breton, Artaud, Miller, etc. Um denominador os identifica: a quebra dos

- padrões lógicos, que oferece a visão tradicional de um mundo ordenado e claro;

- dos padrões éticos que velam pelos tabus sociais e religiosos;

- dos padrões estéticos, regidas pelas estruturas tradicionais, criadas por românticos e realistas e ainda vigentes no início do século.

Essencialmente, eram as exigências das vanguardas européias: quebrar os entraves da Lógica, da Moral e da Estética vigente.

Os nossos modernistas jamais poderiam dar uma reforma de tamanha amplitude, no Brasil de 22, diante do fator histórico-cultural-econômico, se cotejarmos os corajosos da República recém fundada com a situação da vanguarda européia.

Mario então, reage, pelo que se pode apreender das coordenadas estético-existenciais da sua poesia, aos reclamos vanguardistas europeus, com um movimento simultâneo de adesão e de repulsa.

- adesão ao Presente, à objetividade do mundo exterior em mutação, que a poesia devia revelar aos homens;

- adesão aos processos estilísticos exigidos pela nova atitude crítica da poesia

- repulsa pela poesia circunstancial do real-objetivo-imediato

- repulsa pela consciência anti-histórica e pela visão caótica do mundo

Não nos cabe dizer se as escolhas de Mario foram conscientes ou inconscientes, e sim que esses aspectos possuem registros na sua obra. O resto é assunto para psicanalista ou sociólogo. (2)

"Não era um místico. Nem um libertino. Tampouco um depravado. Bem diferente de Baudelaire, em quem a libertinagem se codificava em fórmulas, no cérebro...; não buscava o belo rilkeano, mas aquele recolhimento com sentido de quietude; a sua solidão era do solitário que nunca se encontrava só; Seu grande pecado ...consistiu no muito que amou a vida; ...desejaria transmitir a toda gente "o sabor" do próprio destino; e o exílio da preguiça elevada não passaria de breve fuga para o reino de Pasárgada"

...nesse ambiente, Mario, antigo congregado mariano, vicentino e irmão da Irmandade da Senhora do Carmelo, se formara e se informara.

...O celibato nele nada explica: não era um frustrado. Pode-se-lhe aplicar com segurança e propriedade o estudo de Gregório Madañon acerca de Amiel" (Nossos Clássicos - Mario de Andrade)

O TROVADOR

Sentimentos em mim do asperamente

Dos homens das primeiras eras

As primaveras de sarcasmo

Intermitentemente no meu coração arlequinal...

Outras vezes é um doente, um frio

Na minha alma doente como um longo som redondo

Cantabona! Cantabona!

Dlorom...

Sou um tupi tangendo um alaúde!

Mario de Andrade – Paulicéia Desvairada

***

A nova Arte se despia dos nobres e exclusivos implementos do eterno, para se tornar a arte do horizonte do precário, para incorporar a categoria do contingente (síntese de Haroldo de Campos)

Mario se esforçou para inserir sua poesia nessa Arte do contingente, o horizonte do precário, esforço de captar o mundo objetivo-concreto reivindicado pelo Momento.

Ele nega tal esforço, consciente de não ter se desligado dos “implementos do eterno”, como exigia a vanguarda; daí sua refutação ao rótulo de futurista.

“Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contato com o futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me de futurista, errou.

(...)

Marinetti foi grande quando redescobriu o

poder sugestivo, associativo, simbólico,

universal, musical da palavra em liberdade.

Aliás: velha como Adão. Marinetti errou: fez

dela sistema. É apenas auxiliar poderosíssimo.

Uso palavras em liberdade. Sinto que o meu copo

É grande demais para mim, e inda bebo no copo

dos outros.

(...)

Escrever arte moderna não significa jamais

para mim representar a vida atual no tem tem

exterior: automóveis, cinema, asfalto. Se

estas palavras freqüentam-me o livro não é porque pense com

elas escrever moderno, mas

porque sendo meu livro moderno, elas tem nele sua razão de ser”

Prefácio Interessantíssimo, pgs. 16/29

Fonte: Mario de Andrade para a jovem geração, Nelly Novaes Coelho, Escritores de Hoje

Bibliografia:

Mario de Andrade - Poesia - Nossos Clássico - E. Agir

Mario de Andrade para a jovem geração - Nelly Novaes Coelho, coleção Escritores de Hoje

1º.11.09

aconselhável que seja lido primeiro o texto II, por intercorrência na postagem.