A Essência do Teatro.
Um quadro, uma estátua, um romance, um poema são sempre intermediários entre uma ação vivida ou imaginada e aquele que vê ou lê; eles são sempre monumentos, monumenta ou monimenta, recordações de um encontro entre o artista e o ato do qual ele quer realizar uma forma. Quando Eugène Delacroix desenha ou pinta Hamlet no cemitério de Elsinore, empunhando o crânio daquele que foi o bufão do rei - Ah, pobre Yorick! - ele fixa uma cena, uma alma, uma filosofia em preto e branco, testemunho imóvel de seu encontro com esse pensamento de Shakespeare que se chama Hamlet. A Tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca, corresponde a uma intenção completamente diferente: esses cinco atos são ações em busca de atores que as atualizem.
Atualização de ação através de atores... A música, também ela, é um texto sobre o papel que aguarda do músico ou do cantor uma atualização que lhe restitua sua matéria sonora. Mas, como o quadro ou o poema, a música continua sendo um intermediário: o canto não é o ato, o executante não é o ator. A Sinfonia Fantástica, "episódio da vida de um artista", é apenas o "reflexo melódico" (4) do drama em que Berlioz se envolveu tomando Harriett Smithson por Ofélia. Por mais alucinante que seja o lied do Rei das almas, Schubert continua sendo um contista, e seu intérprete um narrador. No teatro, é a própria ação que se deve repetir. Não se trata de executar mas de ressuscitar. Imaginemos um concerto onde se executa a partitura do segundo ato de Tristão; os cantores levantam-se no momento exigido por seu papel; eles dizem suas falas olhando para o público ou para o caderno; a música é realizada, não a ação; e assim a música diz muito mais do que a cena pode mostrar. O concerto faz renascer uma música e, através dela, evoca um drama: ele não ressuscita os seres com seu drama. [veja o que foi dito na nota 3]
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Representar é tornar presente através de presenças.
O "fato dramático" é portanto o ator. Não há teatro sem poeta, mas há poesia sem teatro: a arte do ator e o texto teatral vem um para o outro e um do outro. O autor está em tudo aquilo onde criar não é representar: somente o ator está sobre a cena, e ele não pode estar em nenhum outro lugar.
Com o ator, o mistério do teatro é o da presença real, antes mesmo de ser o da metamorfose. Mistério profano do qual uma experiência cotidiana revela-nos os efeitos, pois ela justifica a superioridade ou a inferioridade, segundo os casos, da conversação sobre a correspondência, da questão oral sobre o exame escrito.
Estou diante de um homem. Afirmo que ele é alto, magro e moreno; mas eu quase não intervenho para afirmar que ele está lá: sua presença afirma-se em mim. Eu o conheço como alto, magro e moreno; eu o conheço também como existente e presente: mas os dois conhecimentos são bem diferentes. O primeiro é um saber detalhado e progressivo; descubro pouco a pouco o que é esse homem, e depois quem é esse homem. O segundo é uno e instantâneo: esse homem está lá, nada mais, nada menos. Eu posso consignar um saber: descrevo o homem que está diante de mim; posso transmitir meu saber: as memórias estão cheias de "retratos". Esse homem está lá: que mais dizer? Sua presença será simplesmente o objeto de uma informação.
O pensamento não passa de um conhecimento de um outro por graus, mas por uma inversão é preciso voltar-se para o concreto cru. A inteligência abstrai do real suas qualidades, que ela restituir-lhe-á sob a forma de atributos no julgamento. Quando ela o tenha esvaziado de todas as suas qualidades, ela não poderia separar a existência do existente: a abstração não pode mais abocanhar. (5) A existência não pode ser atributo, pois ela é o lugar dos atributos; ela não pode ser uma propriedade, pois ela é o proprietário: resta apenas sofrer sua presença.
Tal conhecimento não é uma sensação, pois ele não é especificamente nem visual, nem tátil, nem auditivo: ele não é próprio de nenhum sentido, embora cada percepção lhe deva sua consistência. Ele também não é um sentimento, se com essa palavra designamos uma afeição do sujeito que se sente feliz, descontente ou triste. "Intuição" também não convém (6): uma intuição que não se refere ao eu do sujeito visa um objeto; ora, a existência não é jamais um objeto; ela é aquilo que há de objetivo no objeto: uma espessura sem contornos, uma opacidade sem formas, uma música sem linhas, são abstrações desesperadas para designar aquilo que o objeto não deixará jamais que se colha nele. O melhor termo é sem dúvida o que propôs um dia M. Gabriel Marcel: a realidade nos é dada em uma certeza (7), certeza contínua e potente como o baixo que sustenta um canto, certeza que me permite avançar sem medo de cair no vazio.
O dado imediato da presença é também um dom. Uma vez que ele está lá, eu sei que desse homem aquilo que nenhum documento, nenhuma descrição e nenhuma fotografia me dirá. Um conhecimento à distância freqüentemente é mais completo e mais exato; o biógrafo às vezes compreende seu herói melhor do que o fizeram os mais sutis de seus contemporâneos. Mas o recuo aproveita ao saber e, ainda uma vez, da presença não emana nenhum saber: ela cria antes uma espécie de cumplicidade propícia aos olhares indiscretos. Esse homem está em meu universo; eu estou no seu: a vida obriga-me a simplificar e eu concluo logo que nós estamos no mesmo; ei-nos aqui, por um instante, juntos no mesmo barco e é preciso que façamos um acordo entre nossas prudências. Ora, essa familiaridade gera uma sagacidade mais viva e mais perspicaz que a reflexão, senão mais justa, sagacidade que dispensa de terminar as frases, que permite comunicar sem palavras, que lê nos olhos e corrige as mentiras da boca através do imperceptível tremor de uma mão.
Graça da presença... Graça da adivinhação e não graça da luz, socorro do diretor de consciência, fina seta do diagnóstico médico, força dos verdadeiros chefes. Captá-la, este é o milagre do retrato; atualizá-la, este é o segredo do conferencista; colocá-la como princípio de uma arte, esta é a essência do teatro.