Intertextualidades com lágrimas
O saudoso poeta António Gedeão (professor Rómulo de Carvalho), apesar do cientificismo que transporta da sua profissão para a poesia, não deverá ter – de facto – analisado a lágrima da preta.
Muito menos com o rigor de quem, num tubo de ensaio, a frio e ao lume, usou ácidos, bases, sais e demais costumeiras drogas, como afirma.
“Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.”
Se tal tivesse acontecido, a lágrima da preta seria efectivamente, diferente da lágrima do azul, do amarelo, do desbotado, ou do vermelho!
Camilo, mais uma vez o mestre e genial “forçado das letras” que teve o seu quê de estudante de Medicina em Coimbra, diz-nos como é composta a lágrima de toda a gente:
“Água, mucos, soda, muriato de soda, fosfato e cal.” In «Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado», que nasceu com a cabeça grande.
Fica a intenção de Gedeão.
Ainda haverá, no mundo, quem tenha sentimentos de ironia, de discriminação, de compaixão, de xenofobia, de racismo, perante uma cútis com uma pigmentação diferente da da linda, sensual e grácil trigueirinha?
Em tempos de altíssima cotação das loiras… o que terá sido, até, responsável por grande falta de água oxigenada em farmácias e hospitais, o grande vate Guerra Junqueiro, também considerou que há uma cor um bocadinho mais bela.
«Tu és a mais rara
De todas as rosas;
E as coisas mais raras
São mais preciosas.
Há rosas dobradas
E há as singelas;
Mas são todas elas
Azuis, amarelas,
Da cor de açucenas,
De muita outra cor;
Mas rosas morenas,
Só tu, linda flor.»