A Morte No Romantismo Inglês, Brasileiro e Português

O Romantismo vê a morte como a libertação do indivíduo de um mundo que não o agrada, cheio de amores impossíveis, injustiças e incompreensões. A idealização da mulher perfeita, pura e virgem também o aproxima ainda mais da morte, pois a união de duas almas gêmeas só se torna possível através dela (morte), como no poema "O Noivo do Sepulcro" do poeta português Soares de Passos.

No Romantismo a morte ganha um significado diferendo do que existia até então, ela é ao mesmo tempo negativa e positiva, pois coloca um fim no que já era uma completa negação (a vida), vai muito além de um simples desejo de "livrar-se" do sofrimento de amor. A morte representa uma espécie de fuga da sociedade injusta que não o aceita, morrer é o fim de uma angústia sem remédio, também podemos dizer que ela se faz presente em boa parte das obras românticas e que cada autor tem uma maneira diferente de aproximar-se dela.

Veremos a seguir três poemas com a mesma temática, morte, e notaremos seus semelhanças e diferenças:

Eutanásia

Quando o tempo me houver trazido esse momento,

Do dormir, sem sonhar que, extremo, nos invade,

Em meu leito de morte ondule, esquecimento,

De teu sutil adejo a langue suavidade!

Não quero ver ninguém ao pé de mim carpindo,

Herdeiros, espreitando o meu supremo anseio;

Mulher, que, por decoro, a coma desparzindo,

Sinta ou finja que a dor lhe estará rasgando o seio.

Desejo ir em silêncio ao fúnebre jazigo,

Sem luto oficial, sem préstito faustoso.

Receio a placidez quebrar de um peito amigo,

Ou furtar-lhe, sequer, um breve espaço ao gozo.

Só amor logrará (se nobre à dor se esquive,

E consiga, no lance, inúteis ais calar),

No que se vai finar, na que lhe sobrevive,

Pela vez derradeira, o seu poder mostrar.

Feliz se essas feições, gentis, sempre serenas,

Contemplasse, até vir a triste despedida!

Esquecendo, talvez, as infligidas penas,

Pudera a própria Dor sorrir-te, alma querida.

Ah! Se o alento vital se nos afrouxa, inerte,

A mulher para nós contrai o coração!

Iludem-nos na vida as lágrimas, que verte,

E agravam ao que expira a mágoa e enervação.

Praz-me que a sós me fira o golpe inevitável,

Sem que me siga adeus, ou ai desolador.

Muita vida há ceifado a morte inexorável

Com fugaz sofrimento, ou sem nenhuma dor.

Morrer! Alhures ir… Aonde? Ao paradeiro

Para o qual tudo foi e onde tudo irá ter!

Ser, outra vez, o nada; o que já fui, primeiro

Que abrolhasse à existência e ao vivo padecer!…

Contadas do viver as horas de ventura

E as que, isentas da dor, do mundo hajam corrido,

Em qualquer condição, a humana criatura

Dirá: “Melhor me fora o nunca haver nascido!”

Lord Byron

No poema Byron reúne boa parte das características do Romantismo em relação a morte, o desejo de ficar esquecido, a mulher que o destrói o coração, a sociedade que não o compreende. Mostra um homem exilado, pessimista, angustiado e doentio, que desejava a morte como solução para sentimentos inexplicáveis. O Ultra-Romantismo se faz presente em todas as estrofes do poema, como a supervalorização das emoções pessoais liberto dos condicionamentos e feridas ao tentar adaptar-se, já que a única forma de acabar com isso é morrendo.

Nas primeiras estrofes o eu-lírico descreve a forma como quer que seja a sua morte, como deseja chegar até seu túmulo e de que forma as pessoas devem comportar-se diante dele, como se esse momento estivesse próximo. Em seguida Byron fala sobre a alegria de gozar o amor, mas que isso é passageiro e que a dor (reparem que na quinta estrofe a palavra “dor” está enfatizada ao aparecer com letra maiúscula), sempre aparece para destruí-la. E que está dor e sofrimento são tão insuportáveis que em algum momento da vida, desejará nunca ter vivido (última estrofe).

Aqui o amor é o grande “culpado” pelo sofrimento do eu-lírico, que aproxima-se cada vez mais da morte, como podemos ver, a morte serve, como uma espécie de fuga rápida para todo o sofrimento.

Se Eu Morresse Amanhã

Se eu morresse amanhã, viria ao menos

Fechar meus olhos minha triste irmã;

Minha mãe de saudades morreria

Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!

Que aurora de porvir e que manhã!

Eu perdera chorando essas coroas

Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n’alva

Acorda a natureza mais louçã!

Não me batera tanto amor no peito

Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora

A ânsia de glória, o dolorido afã…

A dor no peito emudecera ao menos

Se eu morresse amanhã!

Álvares de Azevedo

Notemos que Álvares de Azevedo repete muitas vezes a frase “Se eu morresse manhã” o que pode ser encarado como uma probabilidade, já que o verbo esta no futuro. Ao longo das estrofes ele segue lamentando uma seria de “coisas” que não poderá mais viver se caso morresse amanhã, tanto boas como ruins, por exemplo, na 3ª- estrofe ele lamenta o Sol, o Céu e a Natureza que são bonitos, mais que ele não veria tudo isso se ele morresse amanhã, na 4ª- e última estrofe ele reclama da dor da vida que o devora a ânsia da glória dolorida, mas tudo isso acabaria se eu ele morresse amanhã.

A morte aqui está presente em todo o poema de forma bem explicita, já que o autor menciona a possibilidade de morrer em todo o final de estrofe. É interessante ressaltar que cada uma dessas estrofes terminada com o verso “Se eu Morresse Amanhã” (que também da título ao poema), essa repetição no final nos deixa claro que tudo só seria possível se ele morresse e se ele não morresse nada se realizaria, nada aconteceria.

Diferente do poema de Lord Byron, em “Se Eu Morresse Amanhã”, a morte não aparece como uma fuga da dor de amar, mas sim da dor de existir, como está explicito no primeiro verso da última estrofe: “Mas essa dor da vida que devora”.

O eu-lírico lamenta a dor de sua mãe e irmã, a falta que o sol e alguns outros elementos da natureza o faria, mas nada é o bastante para o fazer querer continuar vivendo, pois a dor que o faz morrer é mais forte do que qualquer alegria (assim como fez Lord Byron).

É evidente que a poesia de Álvares de Azevedo apresenta traços fúnebres e macabros, impossível não notar a influência de Lord Byron. Na poesia de Byron, Álvares de Azevedo encontra alguém que pensa e sente de maneira semelhante a ele, na obra dos dois poetas a morte tem uma presença muito forte.

Tanto no poema de Byron, Eutanásia, como no poema de Álvares de Azevedo, Se Eu Morresse Amanhã, a morte serve para acabar com um sofrimento, seja ele qual for, causado pelo amor, ou pela própria vida ou sociedade, os poemas nos mostra que a única maneira de viver em paz, é morrendo. Ambos falavam sobre a morte de uma forma macabra.

A vida é o dia de hoje,

A vida é ai que mal soa,

A vida é sombra que foge,

A vida é nuvem que voa;

A vida é sonho tão leve

Que se desfaz como a neve

E como o fumo se esvai:

A vida dura um momento,

Mais leve que o pensamento,

A vida leva-a o vento,

A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,

A vida é sopro suave,

A vida é estrela cadente,

Voa mais leve que a ave:

Nuvem que o vento nos ares,

Onda que o vento nos mares,

Uma após outra lançou,

A vida - pena caída

Da asa da ave ferida

De vale em vale impelida

A vida o vento levou!

João de Deus

Vemos a sutileza com que o autor abrande o tema da morte, com o seu lirismo simples e terno, em que a profundeza da emoção anda unida à melancolia diante da vida que nos é descrita de uma maneira muito leve.

João de Deus está a todo o instante falando sobre a vida e o quão sensível e passageira ela é, de maneira que a morte fica subjetiva no poema, mas está presente, e também é retratada de maneira muito sutil e natural, como por exemplo no último verso: "A vida o vento levou!"

Não é preciso muito para notar a diferença com que João de Deus abordou este tema em seu poema, comparando-o com os autores anteriores, nele a morte é vista com muita serenidade, não há uma tentativa de fugir do sofrimento (seja de amor, seja de viver). João de Deus fala sobre a morte neste poema de uma maneira muito sutil, como se tivesse plena convicção de que ela virá no momento certo, sem que ele a deseje como nos poemas anteriores.