Os Reflexos Dos Conceitos Em Sala De Aula- Da abl Até à Sala De Aula

Antes de começar este artigo, quero registrar que a sigla da Academia Brasileira de Letras foi escrita em minúsculo, no título, propositalmente.

Segundo informações seguras, a Academia Brasileira de Letras foi fundada no dia 15 de dezembro de 1896. Como em toda época os seguidores de algum movimento precisavam se encontrar e os escritores que viviam no Rio de Janeiro, no final do século XIX, não eram diferentes. Trazendo para o contemporâneo, um “point” foi criado ou um “QG” para determinar onde seriam os debates em nome do “núcleo literário”.

Antes do surgimento deste “point”, que hoje sabemos se chamar ABL, os escritores costumavam se reunir em livrarias. Resumidamente, o crítico Araripe Júnior e o escritor Raul Pompéia fundaram um clube chamado Rabelais. Todavia, tivemos alguns escritores, como Machado de Assis, Visconde de Taunay e Joaquim Nabuco que não se agradavam do local, devido ao barulho, e isso foi um forte argumento para fundarem uma instituição que tinha como base de espelho a Academia Francesa de Letras. Na nossa versão de Academia, tivemos trinta membros que faziam parte deste cenário. Quase tudo era igual, a única diferença é que a Academia Francesa aceitava escritores estrangeiros que falassem a sua língua e a nossa somente aceitava brasileiros e tem como base o primeiro artigo das suas normas que norteava esta instituição: “a Academia Brasileira de Letras, com sede no Rio de Janeiro, tem por fim a cultura da língua nacional”.

Quando pensamos em Cultura, lembramos do antropólogo Roberto Da Matta que nos ensinou o significado da palavra cultura que tanto a ABL alicerçou-se.

Segundo Da Matta (1976), “usa-se cultura como sinônimo de sofisticação, de sabedoria, de educação no sentido restrito do termo”. Quer dizer, cultura aqui é equivalente a volume de leituras, a controle de informações, a títulos universitários e chega até mesmo a ser con­fundida com inteligência. Neste sentido, cultura é uma palavra usada para classificar as pessoas e, às vezes, grupos sociais, servindo como uma arma discriminatória contra algum sexo, idade (“as gerações mais novas são incultas”), etnia (“os pretos não têm cultura”) ou mesmo sociedades inteiras, quando se diz que “os franceses são cultos e civilizados” em oposição aos americanos, que são “ignorantes e grosseiros”. Do mesmo modo é comum ouvir-se referências à humanidade, cujos valores seguem tradições diferentes e desconhecidas, como a dos índios, como sendo sociedades que estão “na Idade da Pedra” e se encontram em “estágio cultural muito atrasado!”. A palavra cultura, enquanto categoria do senso comum, ocupa como vemos um importante lugar no nosso acervo conceitual, ficando lado a lado de outras, cujo uso na vida quotidiana é também muito comum. Estou me lembrando da palavra “personalidade” que, tal como ocorre com a palavra “cultura”, penetra o nosso vocabulário com dois sentidos bem diferenciados. No campo da Psicologia, personalidade define o conjunto de traços que caracterizam todos os seres humanos. É aquilo que singulariza todos e cada um de nós como uma pessoa diferente, com interesses, capacidades e emoções particulares. Mas na vida diária, personalidade é usada como um marco para algo desejável e invejável de uma pessoa. Assim, certas pessoas teriam “personalidade”, outras não! É comum dizer que “João tem personalidade” quando, de fato, se quer indicar que “João tem magnetismo”, sendo uma pessoa “com presença”. Do mesmo modo, dizer que “João não tem personalidade” quer apenas dizer que ele não é uma pessoa atraente ou inteligente. Mas, no fundo, todos temos personalidade, embora nem todos possamos ser pessoas belas ou magnetizadoras como um artista de novela! Mesmo uma pessoa “sem personalidade” tem, paradoxalmente, personalidade na medida em que ocupa um espaço social e físico e tem desejos e necessidades. Pode ser uma pessoa sumamente apagada, mas ser assim é precisamente o traço marcante de sua personalidade. No caso do conceito de cultura ocorre o mesmo, embora nem todos saibam disso. De fato, quando um antropólogo social fala em “cultura”, ele usa a palavra como um conceito-chave para a interpretação da vida social. Porque, para nós, “cultura” não é simplesmente uma referencia que marca uma hierarquia de “civilização”, mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Por outro lado, a cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É algo que está dentro e fora de cada um de nós, como o entendimento do jogo de futebol também, a ação de cada jogador dor, juiz, bandeirinha torcida. Em geral, pensamos a cultura como algo individual que as pessoas inventam, modificam e acrescentam na medida de sua criatividade e poder. Daí falarmos que Fulano é mais culto que Sicrano e distinguirmos formas de “cultura” supostamente mais avançadas ou preferidas que outras. Falamos então em “alta cultura” e “baixa cultura” ou “cultura popular”, preferindo naturalmente as formas sofisticadas que se confundem com a própria idéia de cultura. Assim, teríamos a cultura e culturas particulares e adjetivadas (popular, indígena, nordestina, de classe baixa etc.) como formas secundárias incompletas e inferiores de vida social. Mas a verdade é que todas as formas culturais ou todas as “subculturas” de uma sociedade são equivalentes e, em geral, aprofundam algum aspecto importante que não pode ser esgotado completamente por uma outra “subcultura”. Quer dizer, existem gêneros de cultura que são equivalentes a diferentes modos de sentir, celebrar, pensar e atuar sobre o mundo e esses gêneros podem estar associados a certos segmentos sociais”.

Partindo do entendimento de Da Matta (1976), entendemos que cultura é tudo que constitui o sujeito.

A Academia Brasileira de Letras afirma que tem como alicerce a divulgação da cultura da língua nacional. Entretanto, bem sabemos que são culturas escolhidas a dedo, são selecionadas, até porque sua capacidade é somente de quarenta vagas (depois foram atribuídas mais dez vagas após sua fundação feita por Machado de Assis), logo existe uma seleção natural. O que não entendemos são os critérios escolhidos, que não estão pautados nem no conceito literário, muito menos na qualidade que é alicerçada esse conceito ou até mesmo no próprio conceito de cultura. Por lá temos Ivo Pitanguy, José Sarney entre outros que, bem sabemos, nada têm a ver com as letras, literalmente falando. Entendemos então, que a Academia Brasileira de Letras comercializa suas escolhas, uma vez que as obras são obrigatoriamente escolhidas pela quantidade de venda das mesmas. Uma prova disso é o escritor Paulo Coelho que até antes de uma vendagem maior não era aceito pela Academia, mas que com o passar do tempo e a comprovação de suas vendas foi aceito para a mesma. O que nos incomoda o pensar é o fato determinante da escolha, porque entendemos que nada mudou na forma literária de Paulo Coelho, logo, o que determinou a sua escolha fundamentou-se na vendas de suas obras, na consagração do seu nome em nível mundial. Fato esse que pode nos lembrar um marketing pessoal. Outro exemplo que gostaríamos de registrar é o caso do escritor Mário Quintana, que mesmo com uma vendagem considerável não conseguiu ocupar uma cadeira na Academia e bem sabemos de sua representação literária, com sua genialidade dentro da poesia e da prosa, tanto para o estado do Rio Grande do Sul, bem como, para o todo território nacional.

Para Afrânio Coutinho, não sendo um meio de conhecimento ou de informação, a literatura expeliu de seu âmbito o jornalismo, a filosofia, a história. E isso o fez a duras penas, depois que a ciência estética, a partir do século XVIII, se desenvolveu.

Segundo Sartre (1978), a fórmula veio da França do século XIX, cujo modelo maior foi o grande Sainte-Beuve. A crítica consistia num elaborado artigo semanal, estampado nos rodapés ou folhetins dos jornais, a propósito dos livros publicados no momento. Aquele mestre francês trabalhava uma semana preparando seus artigos, que, pelo valor, constituíram verdadeira história literária da França, especialmente depois que foram reunidos em ordem cronológica por um dedicado editor. Daí por diante uma série de escritores repetiram a fórmula.

Às vezes, ainda segundo Coutinho, um livro leva anos a ser produzido e vem um resenhador em poucas linhas destruir o trabalho sem contemplação, apenas com direito de ser o ocupante de um rodapé apelidado de crítica. Acha bom ou ruim por palpite, por atitude de gostei-não-gostei. Por achismo. Acha isso ou aquilo. Onde está? A demonstração, onde está? O fundamento de suas opiniões?

Eis nosso cidadão, eis nosso professor em sala de aula, pautado em tudo que sabe e leu nos livros, com sua opinião também amarrada no que os críticos dizem sobre a literatura, sua história e tudo que é bom ou ruim.

Nosso leitor, como já citamos em outro artigo, está pronto, não é que ele não goste de ler, na verdade ele quer algo que seja real, do seu tempo, com sua contextualização, que fale sua língua. Começar a ler é um ato puro, de onde vai nascer o conhecimento, de onde vai surgir o autor de si mesmo, o crítico de tudo que percebe e vê, mas um crítico alicerçado no que entendeu.

Dizer para nosso aluno que uma obra é boa ou ruim seria o mesmo que pautar o que ele deve ler, como que mostrar o caminho. Porém, para leitura não há caminho, ela dar-se-á espontaneamente, subjetivamente. E se nosso aluno quer ler, ele precisa ler aquilo que interessa.

Nossos críticos diriam-nos que estamos ultrapassando o limite do ensinar, que estamos deixando tudo para o aluno, entretanto, para ensinarmos literatura precisamos de leitores e eles precisam começar por algum campo, logo, nada mais justo que comecem pelo campo que gostam e assim, conseqüentemente, passarão a gostar das demais obras, porque agora já são leitores.

Com o objetivo de resgatar o leitor, precisamos ter uma idéia que fale a língua deles, porque a utópica idéia de mudar o mundo, por meio da leitura, não pode se concretizar se não começar por um número pequeno de participantes, entretanto, seletos, e respeitados, pois estão em formação humana dentro do ciclo da vida. E esse número reduzido de participantes deverá ser incentivado a começar no seu espaço físico alcançável de sua leitura, numa projeção futura para o mundo e, no mínimo, com resultados para seu mundo, que conseqüentemente agirá sobre os demais. E assim, sucessivamente, a engrenagem de mudança começa a andar. Uma ação comunitária benéfica para todos, na qual a leitura, disfarçadamente, resgata o leitor, e o leitor aprende a ler.

Esse é papel do professor, de encaminhador. Restringir a literatura apenas a livros necessários para responder questões de vestibular, não é levar o aluno ao conhecimento. Antes de tudo, é fazer odiar o que deveria ser prazeroso, o ato de ler.

O aluno sabe do que gosta, quer ter direito de escolha, e ignorar tal gosto é tirar o prazer pela leitura. Ler algo que aguce sua curiosidade vale muito mais que ler determinados autores que nada contam da sua realidade, que não possuem a mesma linguagem escolar, jovial, de gírias.

A escola deve estar atenta, pois para se fazer bom leitor é necessário respeitar gosto, idade. È apresentar ao aluno variedades de leituras para que ele se “ache” num livro, que encontre seu dia-a-dia, a sua realidade e, assim, aprender a transformar a sociedade em que vive.

Caindo no entendimento de todo o processo, fico também a pensar que precisamos ensinar literatura, bem sabemos dentro dos ensinamentos de Antonio Candido (1972) suas funções sociais, para tal precisamos de leitores, para termos leitores para ensinarmos literatura, precisamos de educadores que sejam leitores...mas, isso já é para outro artigo.

Gislaine Becker

http://illustramus.blogspot.com/

Gislaine Becker
Enviado por Gislaine Becker em 21/08/2009
Reeditado em 21/08/2009
Código do texto: T1766542
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