Soneto de Luz e Treva, de Vinícius de Moraes
Ela tem uma graça de pantera
no andar bem comportado de menina
no molejo em que vem sempre se espera
que de repente ela lhe salte em cima
Mas súbito renega a bela e a fera
prende o cabelo, vai para a cozinha
e de um ovo estrelado na panela
ela com clara e gema faz o dia
Ela é de Capricórnio, eu sou de Libra
eu sou o Oxalá velho, ela é Inhansã
a mim me enerva o ardor com que ela vibra
E que a motiva desde de manhã.
- Como é que pode, digo-me com espanto
a luz e a treva se quererem tanto...
Pequena análise
As duas primeiras estrofes descrevem alguém ("ela"), uma terceira pessoa que, até o 8º verso, não tem relação com outra. Há uma descrição de comportamentos ("andar bem-comportado", "molejo") e gestos ("prende o cabelo, vai para a cozinha") e da simplicidade do cotidiano, onde o dia é feito de um simples ovo estrelado (que com a gema amarela e a clara ao redor, simboliza o sol).
Na terceira estrofe, aparecem comparações entre "eu" e "ela", ou seja, o soneto vem, até o 10º verso, apenas observando, descrevendo, comparando. É no verso "A mim me enerva o ardor com que ela vibra" que aparece uma relação de convivência entre ambos.
Há ideias contrárias desde o início do poema (pantera/menina, bela/fera), mas é na terceira estrofe que as antíteses evidenciam diferenças entre duas pessoas: "Ela é de capricórnio, eu sou de libra", "eu sou o Oxalá velho, ela é Inhansã". Até mesmo o verso citado anteriormente, "A mim me enerva o ardor com que ela vibra", que, sozinho, seria um comentário, é contraposto com o primeiro verso da estrofe seguinte "E que a motiva desde de manhã", dando mais uma mostra da diferença entre ambos.
Todas essas contradições conduzem o leitor a uma conclusão que seria óbvia (o afastamento entre duas pessoas), mas o final é inesperado, não só para o leitor, como para o próprio eu lírico ("como é que pode, digo-me com espanto") quando surge o último verso, com mais uma antítese, e diz: "A luz e a treva se quererem tanto...".