Alguns referenciais de Leitura.
Leitura é sempre uma atividade particular, autônoma, que realizamos com os recursos disponíveis para a empreitada. A leitura prosaica se rende aos eventos no espaço tempo transcritos no texto; no tempo das emoções, no transcurso dos fatos e na forma que os eventos são representados.
A prosa por conta da sua forma específica realiza uma dinâmica inerente ao seu modelo; a introdução segue um propósito determinado, situacional; quando serão apresentadas as relações de espaço, as personagens e iniciada uma proposta de desenvolvimento.
Neste fluxo as questões de estilo são importantes, porém não se apresentam com destaque, sem uma leitura atenta e experimentada, possivelmente não serão anotadas estas ocorrências.
O ambiente desenhado pelo autor desempenha uma função específica, ao limitar a situação das personagens e determinar as representações que serão possíveis no recorte proporcionado pelo texto. O desfecho busca uma catarse, seja reconhecimento ou estranhamento, que a narrativa propõe para o agente da tensão produzida. Este percurso faz parte da rotina da construção do texto em prosa.
A dinâmica da leitura de poesia se processa de uma forma totalmente diversa, anotando os referenciais; são outros elementos e valores.
A poesia apresenta o verso como unidade básica, onde o ritmo é um componente de valor relevante, o encadeamento entre os versos como elemento de coesão situa a composição; a divisão por estrofes e sua limitação de desenvolvimento dentro do tema; e as relações da totalidade do texto em si.
Não estando sujeita a leitura linear, a poesia alcança outras dimensões e em seus elementos, à medida que avança para suas camadas mais profundas.
Observando o verso isoladamente, é possível estabelecer para esta unidade uma identidade de ritmo e metro, como objeto de extensão e marcha para a leitura.
Seguindo para a estrofe, é possível perceber a fluência do período através da execução do encadeamento entre os versos e da realização do nexo na unidade. Retomando metro e ritmo, agora dentro da composição da estrofe, é possível saber na variação da marcha à ocorrência de tensão rítmica, quando a marcha varia por opção do poeta para sublinhar uma transição importante na estrofe.
A necessidade de expressão além da realização objetiva do vocabulário forja no poeta uma habilidade para a realização figurativa da palavra, logo os substantivos tendem a amplificar sua própria natureza e tudo que é concreto passa a questionar o abstrato.
A necessidade de realizar as variações figurativas altera a densidade do poema e as figuras de linguagem como recursos de estilo ou sonoros são imprescindíveis para cunhar um nexo poético coeso.
O conjunto de possibilidades oferecido pelas figuras de pensamento e construção torna possível a realização autoral da poesia. O domínio destes recursos e a capacidade de reconhecer seu uso e a propriedade de sua aplicação é uma forma única de ler o poema em sua dimensão mais criativa.
Na superfície do poema temos um à estrutura rítmica e um metro primordial para a primeira referencia de realização, a seguir veremos a riqueza da construção, na aplicação das figuras, na utilização dos recursos sintáticos e semânticos, onde as intenções do poeta se realizam.
Exemplo: um texto com poucos verbos tende a uma cena mais fluída, pela simulação de ação e efeitos por elementos de comparação, contigüidade, como referencial de ação e conseqüência.
O poema como expressão material, alcança seus leitores indiretamente, através de sugestões e simulações que vão sendo construídas a partir do domínio escrupuloso de seus referenciais de construção.
Quando na prosa um período está subordinado ao seu verbo, na poesia a atenção que se inicia no ritmo do verso projeta-se para toda a sua extensão, experimenta a profundidade e alcança o nexo quando retorna como uma unidade autônoma em si.
Ler poesia pede recursos diversos da leitura da prosa, o estrato fônico tem particularidades que constroem efeitos que só encontram expressão em poesia; o valor da aliteração, a plena utilização da assonância como opção entre duas palavras de peso semelhante.
Outro valor controverso que não recuso explicitar é o valor da licença como recurso de expressão. Evitando a polemica dos gramáticos, precisamos situar a poesia num outro plano de linguagem. A gramática normativa é uma referencia, não subordina a leitura aos juízos de correção ou incorreção; poetas escrevem à cavaleiro das formas prosaicas, experimentam, reformam e pervertem as normas gramaticais.
Todo escritor percebe a língua como uma entidade viva, seja em prosa ou poesia, que por sua aplicação corrente em todos os segmentos realiza registros diversos, a admissão de um modelo gramático é uma opção que determina a forma, e em nada deprecia o conteúdo.
João Guimarães, Manuel de Barros, Décio Pignatari, Drummond e tantos outros, em poesia e prosa, libertaram-se destes juízos, primaram pela realização e abdicaram da referencia normativa, sem nenhum remorso, sem nenhum temor.
Esta proposição é defendida em inúmeros meta-poemas realizada pelos nomes mais significativos nesta expressão. O poema que admite o uso da licença necessita de uma leitura menos gramática, pede uma investigação do seu juízo e não é uma redação onde se anotam incorreções de concordâncias e modelos.
Poesia não transita pela burocracia dos modelos, registre-se a variedade de formas e estilos, a influência das formas praticadas em outras culturas e a sua adaptação para o nosso idioma. Confrontando esta observação a prática secular de determinados modelos e escolas como forma de registro de expressão sempre avançando no seu tempo e se enriquecendo das influencias contemporâneas.
Minha conclusão situa a leitura de poesia como uma leitura, particular, pessoal; onde cada leitor experimentará a sua sensibilidade e seu conteúdo leitor. Aos poetas, o poema é mais que a sua superfície, ele se projeta em direção a si mesmo e expõe as suas estruturas e como poema é verso, ele volta para cobrar na própria trajetória o reconhecimento devido.