A realização estética segundo Bakhtin.
Tela é um substantivo concreto; tinta e pincel também, a expressão artística pictórica vai transcendendo para uma realização artística arbitrária; ultrapassa a materialidade da representação e realiza a impressão de registro pessoal, então artista e público dialogam através da obra.
Os elementos clássicos das artes plásticas podem ser identificados na realização da obra, o efeito, a figura, a escola, mas a obra é o contexto integral, onde até o artista e o seu tempo são partes integrantes.
O fluxo desta expressão desemboca no espectador, é ali que a obra realiza sua transcendência, captura os signos comuns através das interpretações particulares. Confere ao ordinário os ecos que proporcionarão as relações mais diversas com o mesmo objeto/signo.
A idéia de expressão artística cobre um universo tão vasto que necessitamos de um suporte específico para obter a realização particular a que toda obra de arte se destina. Então estudos e críticas ordenam os elementos que variam a cada interpretação, é uma forma de compreender o emprego dos recursos pelos artistas enquanto, por conta dos atributos, ainda são uniformes.
É necessário que cada espectador realize a sua leitura da obra de arte para que ela o alcance; a uniformidade de interpretação ratifica uma expressão discursiva empobrecida e ordinária, que utiliza uma base situada por representações reiteradas que cobra da arte o frescor de expressão original.
Cada artista ao retratar determinado tema, utiliza seus recursos optando por vias e representações que determinarão um grau de particularidade ao trabalho; é a sua assinatura. Quando o tema e o contexto se encontram saturados da mesma informação as assinaturas tendem para uma uniformização e o discurso se aproxima tornando o tema mais relevante que a expressão formal de cada artista.
A literatura tem como toda arte seu conjunto de elementos que constroem suas identidades básicas para adiante buscar a situação particular de cada texto e cada autor. Devemos buscar a realização estética na literatura como buscamos em toda arte. Uma obra é uma realização estética quando há um acabamento manifesto que alcança a intenção do seu autor.
A contemplação estética é holística, enxerga o todo. Na unicidade do ato da contemplação, sabemos se uma obra é clássica (começamos a dar sentido), enxergamos a beleza (é bela), e no olhar construímos o objeto (partindo de referenciais próprios).
A visão estética (estetização) é a tentativa de lançar-se no não-ser, pretende ser uma visão filosófica do ser unitário e único em sua eventicidade e está condenada a fazer passar uma parte abstratamente isolada como o todo real. A filosofia do esteticismo põe dentro do Eu a contemplação.
Para Bakhtin, ao contrário, compreender o objeto é compreender o meu dever em relação a ele (Responsabilidade). O conteúdo da contemplação é dado pela cultura (conjunto de categorias, mas o Ser contemplativo é o lugar para onde me desloco quando dou sentido ao objeto, e volto subsumido pelo ser-único-em-evento, e volto enriquecido, com responsabilidade, com pensamento participativo.
Na decisão que tomo, tenho responsabilidade frente a um horizonte de possibilidades (faço, não faço). Esse Ser da contemplação estética sou eu mesmo e não sou eu. Devo compreender o objeto em relação ao meu ser (evento único).
Este posicionamento de Bakhtin diante da apreciação estética traz uma nova relação que fundada na apreciação estética avança sobre a consideração ideológica. Se o cognitivo é uma variante do social e se o que sabemos sobre um corpo físico qualquer é da ordem do cognitivo, então como fica a divisão entre ciências da natureza e ciências sociais e humanas?
Uma fórmula científica para qualquer esfera, a ideologia deve ser encontrada com métodos sociológicos. Na esfera das ciências da ideologia, é impossível o rigor e a precisão das ciências humanas, mas o método sociológico chegou perto. As ciências da natureza dizem respeito também a seres que estão fora do humano (corpos físicos e químicos).
Os objetos das ciências da natureza estão dentro e fora da sociedade humana (leis), mas essas ciências não podem ser deixadas às suas leis imanentes. As leis chegam aos corpos de fora, por definição cognitiva dos corpos da natureza.
Já as ciências sociais e humanas se justificam dentro da sociedade. Assim, as formações ideológicas são interna e imanentemente sociológicas, dentro do processo dialógico (Ex: Direito). A divisão entre os métodos é sustentada pela diferença dos objetos: os objetos empíricos definem métodos para si mesmos; a linguagem é o método das ciências humanas.
Tais pressupostos nos levam para a dimensão da realização estética dentro do extrato cultural, não há como segregar os elementos constitutivos das sociedades na representação dos seus valores quando da representação dos seus artistas. O problema parte da separação entre Cultura e Vida, mais a Comunicação.
O objeto de arte não tem imanência própria e pensamos a obra de arte no contexto da comunicação estética, entre sujeitos. O método sociológico é adequado para estudar fenômenos ideológicos humanos, por e para a sociedade. Não devemos propor o mesmo rigor dos métodos científicos. A ciência parte da cultura, e não dos objetos.
Nas ciências humanas a maior exatidão é atribuída à época, e do mesmo modo atribuímos à época a maior aproximação das ciências da natureza. Se não posso ter outro método que não seja o científico, o conhecimento produzido sobre os objetos só existem como cognição humana. Assim, todo conhecimento está subordinado à sociologia, primeiros rudimentos para mostrar que ciências exatas são humanas, incluindo a ciência como objeto da sociologia.
A manifestação artística como manifestação cultural compõe uma parcela considerável do conhecimento e como tal recebe e sofre as influencias e tratamentos que as teses sociológicas contemplam todos os segmentos do conhecimento.
A apreciação estética realiza-se com um conjunto de elementos desenvolvidos para uma apreensão completa da experiência estética que compara, confronta, assimila e afasta das referencias conhecidas.
Conhecer é identificar; saber é chegar a uma plena cognição.
Conhecer e vir, a saber, envolvem cognição e racionalidade. Compreender e reconhecer, em Bakhtin, envolve o ato emocional-volitivo. Para nós, na modernidade, conhecer exige abstrair: construímos modelos. No entanto, está em crise o conceito do que é "universal", do que é "objetividade" e "predictibilidade". É a crise contemporânea dos paradigmas.
Desde o Formalismo Russo buscam-se referenciais acadêmicos que contemplem a apreciação plena da obra literária, desde a ruptura com os modelos positivistas até a assimilação dos elementos destacados pelo Circulo Lingüístico de Moscou, testemunhamos a constatação de uma nova leitura dos elementos contidos na obra literária.
Esta derivação de modelo possibilitou a ruptura com representações confinadas em escolas superadas, permitiu que expressões situadas com as realizações da sociedade fossem impressas a obra desde o neo-realismo até o modernismo rompendo com um modelo há muito esgotado.
O autor não é um agente estático segue influenciando e sofrendo influencias enquanto produz. Quais os efeitos do tempo sobre ele? Que parte de sua obra representará os seus esforços?
Estas indagações situam os estudos literários como elemento de registro da evolução da linguagem na própria sociedade, a arte literária tem um curso específico que registra o curso da humanidade e permite uma visão rigorosa sobre identidades, costumes e nossa identidade, enfim.
Compreender os estudos literários como um instrumento de investigação acadêmica possibilita oferecer um campo de estudos para as ciências humanas onde seus agentes realizam arte e ensaiam as possibilidades reais num canal de expressão tão relevante que é a linguagem. Onde passado presente e futuro experimentam suas inúmeras possibilidades.
Estas anotações visam trazer maiores subsídios para interessados na investigação literária e seus expoentes; neste breve texto busquei apresentar Bakhtin como um dos nomes importantes nesta variação de modelos. Sua obra é referencia obrigatória e atual, presente nos círculos acadêmicos realizando estudos e avanços em diversas áreas relacionadas à linguagem, lingüística, semiótica e literatura.