IMAGEM, METÁFORA, SÍMBOLO, MITO


A análise, depois de percorridas as etapas finais, desde a classificação do poema por assunto, da espécie de discurso, da identificação do sentido com o todo complexo de estruturas que o compõe, conduz à estrutura poética central e ele é representada por esses quatro termos: imagem, metáfora, símbolo e mito. Metro e metáfora são os mais fundamentais princípios organizadores da poesia e segundo alguns autores, “andam juntos”.

Imagem, metáfora, símbolo e mito representam a convergência de duas linhas importantes para o estudo da poesia. A particularidade sensorial e estética que liga a poesia à música e à pintura e a separa da filosofia e da ciência e a “figuração” ou “tropologia”, o discurso oblíquo que fala por metonímias e metáforas, parcialmente comparando mundos, precisando seus temas mediante a transposição deles em outras construções idiomáticas. É de Philip Wheelwright a classificação de monossigno e plurissigno. Em sua definição o plurissigno é semmanticamente reflexo, no sentido de que é uma parte daquilo que significa. Assim o signo poético (plurissigno) é utilizado, mas também fruído, gozado, sendo o seu valor em larga medida estético e intrínseco e não puramente instrumental.

A imagística é um tópico que pertence tanto à psicologia, quanto aos estudos literários; não é apenas visual, pois não só existem imagens gustativas e olfativas, mas também imagens termais e de pressão (cinestésicas, hápticas e empáticas), com importante distinção entre imagística estática e cinética (dinâmica). Existe também a distinção entre imagística ligada (auditiva, muscular, provocada) e a imagística livre (imagens visuais e pelas demais, variáveis de pessoa para pessoa).
O que confere eficácia a uma imagem é seu caráter de evento mental ligado à sensação de maneira peculiar, uma sobrevivente e uma representação da sensação.

O segundo aspecto é o metafórico (analogia e comparação) . Estas, não são uma representação pictórica; apresentam um complexo intelectual e emocional, num momento temporal; uma unificação de idéias díspares. São mais importantes, a particularidade (analogia) e a união de mundos (alegoria), do que o aspecto sensorial. A imagem visual (sensação e percepção) ocupa lugar, é referência, de algo invisível, interior; pode ser simultaneamente apresentação e representação.
A imagem pode existir com descrição ou como metáfora ( “a longa noite dos morcegos tomou vôo...”), mas podem ser simbólicas as imagens não oferecidas como metáfora (“vistas com os olhos do espírito”). A imagem pode ser auditiva, visual, ou inteiramente psicológica (toda e qualquer imagem mental espontânea é, até certo ponto, simbólica).

Tal como imagem o símbolo deu nome a um determinado movimento literário. È usado diversamente em contextos com lógica, matemática, semântica, semiótica, epistemologia, teologia, liturgia, belas artes e poesia. O elemento compartilhado em todos esses usos é o de representar (fazer o papel) de outra coisa diferente.
Um símbolo é caracterizado por uma transferência do especial (a espécie) no indivíduo, ou do geral (o gênero) no indivíduo, mas acima de tudo, é a transferência do eterno através do temporal e no temporal. O símbolo é recorrente e persistente.

O quarto termo é o mito, que parece na Poética de Aristóteles a significar o enredo, a estrutura narrativa, a fábula. Seu antônimo e contraponto é o logos. O mito é narrativa, história, em oposição ao discurso dialético, à exposição; é também o irracional ou intuitivo contraposto sistematicamente ao filosófico; é a tragédia de Ésquilo contraposta à dialética de Sócrates. (Welleck&Warren: p. 239). O mito aponta para uma importante zona de significado, abarcando-a. Fazem parte dela religião, folclore, antropologia, psicanálise e belas artes e é contraposto à história, ciência, filosofia, alegoria, verdade. Num sentido mais lato, significa qualquer narração anonimamente composta relativa às origens e aos destinos; é social anônimo e comunal.

Imagem metáfora, símbolo e mito já foram encarados como elementos decorativos, meramente retóricos, mas hoje há o reconhecimento de que o significado e a função da literatura estão centralmente presentes na metáfora e no mito. Unindo-se forma e matéria, apresentam dois lados do problema da entender a obra de arte literária, da poesia, especificamente. Informam da atração desta pela representação e pelo mundo de um lado e pela religião de outro.


Muitas foram as tentativas de reduzir as figuras a duas ou três categorias:
-esquemas e tropos (figuras de som e figuras de sentido);
-linguagem e pensamento (figuras da fala e figuras mentais);

Essas duas divisões, sugerem uma estrutura externa, que não dá conta de abranger todos os usos. Há uma proposta mais relevante, que deixa de lado os esquemas e divide os tropos poéticos em:

-figuras de contiguidade (metonímia e sinédoque), que exprimem relações quantitativamente analisáveis: a causa pelo efeito; o continente pelo conteúdo; o acessório pelo sujeito. Na sinédoque as relações entre as figuras e seu referente são internas. Dá-nos uma amostra de alguma coisa, uma parte com que pretende representar-se o seu todo, uma espécie que representa o gênero, a matéria assumindo a forma e a função a que se aplica. É uma concepção arrojada que, no processo literário, a metonímia e a metáfora caracterizam dois tipos poéticos, a saber: a poesia de associação pela contigüidade, de movimento dentro de um só mundo discursivo, e a poesia de associação pela comparação, conjugando uma pluralidade de mundos, misturando várias esferas.

-figuras de semelhança (metáfora), que exprime relações qualitativamente analisáveis. A metáfora tem atraído a atenção dos teóricos da poesia e dos retóricos (desde Arisóteles) e, nos tempos recentes dos teóricos da linguagem. Necessário é não confundir as metáforas desbotadas, gastas, mortas (pé da mesa), princípio onipresente da linguagem, gramatical, da metáfora especificamente poética, retórica esta utilizada para dar uma nova impressão do objeto e coloca-lo numa nova atmosfera. Segundo Heinz Werner, a metáfora torna-se ativa somente entre os povos primitivos que tenham tabus. Metaforizamos também o objeto de amor, de contemplação; que desejamos ver sob todos os ângulos e todas as luzes, “espelhado em várias incidências, por todas as espécies semelhantes”. Na metáfora poética, os quatro elementos de nossa concepção global da metáfora são a analogia, a dupla visão, a imagem sensorial reveladora do imperceptível , a projeção animista. Esses elementos não aparecem juntos em igual medida e variam de uma época para outra. No neoclassicismo predomina o uso de símile, perífrase, epíteto ornamental, epigrama, semelhança e antítese; no barroco, paradoxo, oximoro ,catacrese e metáfora diminutiva.

Henry Wells, de acordo com o caráter e o grau da atividade imaginativa, sem com isso imprimir uma valoração às figuras, apresenta sete tipos de imagens: decorativa, sumida, violenta (ou bombástica), radical, intensificadora, expansiva e exuberante.

Dentre elas, as mais rudimentares são a violenta (das massas) e a decorativa (do artifício). Sociologicamente, a imagem bombástica constitui amplo e significativo setor da metáfora; indica deficiência em relação ao elemento subjetivo e ligam uma imagem na outra como na catacrese (termos da relação disjuntos, fixos, impermeáveis um ao outro).

A imagem intensificadora é visualizável com nitidez (faces rosadas). Além de clara e nítida, é diminutiva, diagramática (encaixam-se com freqüência na categoria de emblemas ou símbolos)

As três categorias superiores são a sumida, (da poesia clássica), a radical (dos metafísicos) e a expansiva (shakspeariana). Estas três categorias têm um caráter especificamente literário (a sua recalcitrância à visualização pictórica), a sua interioridade (pensamento metafórico) e a interpenetração de seus termos (o seu casamento profundo e procriador).

A imagem sumida sugere o concreto e sensorial, sem projetar ou clarificar de maneira definida; é adequada à literatura contemplativa. Não deve ser confundida com o desbotado ou corriqueiro.

A imagem radical (seus termos se tocam mais propriamente nas raízes), num solo lógico invisível, é aquela cujo termo menor parece não poético, ou demasiado caseiro, utilitário, técnico, científico, erudito; toma como veículo metafórico algo que não possui evidentes associações emotivas, que pertence ao discurso em prosa, abstrato ou prático.

A imagem expansiva, relaciona-se por diferenciação à intensificadora. Se a imagem intensificadora é a figura medieval e eclesiástica, a imagem expansiva é a do pensamento profético e progressivo, da paixão forte e da meditação original, é englobante. “por definição, a imagem expansiva é aquela na qual cada um dos termos abre largo horizonte à imaginação e modifica fortemente o outro. É na metáfora expansiva que ocorrem com maior freqüência a iteração e a interpenetração que, segundo a moderna teoria poética, são as formas primordiais do ato poético”. (Wellek & Warren: p. 255). É importante a distinção entre a metáfora que anima o inanimado (imaginação antropomórfica) e a que inanima o animado ) presente na metáfora mágica e na metáfora mística que são desanimizantes porque vão chocar-se com a projeção do próprio homem no mundo inumano, evocam o outro, o impessoal mundo das coisas, da arte monumental, da lei física. . Todas as possibilidades de expressão figurativa, se esgotam nesses dois pólos – o subjetivo e o objetivo.

Finalmente, cabe apresentar a questão: O que se analisa, o poeta ou o poema?
A maior parte das monografias consagradas à imagística analisa o poeta. Demarca e pesa os interesses sentidos por um poeta, mediante a compilação e a distribuição de suas metáforas em várias zonas (Natureza, arte, indústria, ciências físicas, humanidades, cidade, campo) ou classifica temas o objetos que impelem o poeta para a metáfora (mulheres, religião, morte, aviões) ou busca os correlativos psíquicos pela descoberta dos equivalentes em grande escala.

Outro tipo de estudo acentua o aspecto da auto expressão, da revelação da psique do poeta através da sua imagística. Parte do princípio de que as imagens do poeta não são censuradas (pela presença da discrição ou do pejo). Contudo, embora não sejam informações abertas e patentes, são documentais e delas se pode esperar que denunciem os verdadeiros centros de interesse do poeta. Nesse caso cabe indagar se algum poeta utilizaria suas imagens de forma tão acrítica. Da mesma forma é erro presumir que o poeta deve ter literalmente sentido tudo quanto é capaz de imaginar. Uma imagística sugestiva tem que ser fabricada e portanto, insincera. Da mesma forma, uma figura corriqueira, que também é falsa. Isso é fruto da confusão entre os homens em geral e os homens literários. Em ralação à sinceridade em poesia, o termo não apresenta sentido. Ela seria a expressão sincera de quê? Um poema deve ser a expressão sincera do poema.

Tal como o metro, a imagística é estrutura componente de um poema; é uma das partes do estrato sintático ou estilístico; não deve ser estudada isoladamente, mas dentro da totalidade e da integralidade da obra literária.


Após ler: René Wellek e Austin Warren: Teoria da Literatura. Publicações Europa-América. 2ª ed. 1971