Anotações sobre o “eu - poético”.
A narrativa trata da forma concebida pelo autor para desenvolver a dinâmica elaborada no seu texto. Este elemento de composição é fundamental nas opções que seguem para estruturar o texto.
O modelo narrativo é uma opção que desloca os referenciais dentro do texto e ajuda na sustentação dos efeitos de verossimilhança pretendidos pelo autor. Ao realizar algumas opções o autor coloca o texto dentro de uma circunstancia de proximidade e convoca seu leitor a aceitar aquele relato como ação de suas personagens.
A opção de primeira ou terceira pessoa traduz uma proximidade maior ou menor com o fluxo empático dentro da proposta narrativa do autor.
Realiza uma proposta de adoção do protagonista e potencializa os efeitos das ações que seguem dentro deste modelo.
A narratologia adota modelos para caracterizar a situação do narrador dentro do texto, eis algumas caracterizações:
Quanto à participação,
Heterodiegético: Não participante.
Autodiegético: Participa como personagem principal.
Homodiegético: Participa como personagem secundária.
Existe ainda a pertinencia do foco, a proximidade do narrador e a postura que ele adota dentro de sua abordagem narrativa. O foco é a perspectiva adotada pelo narrador em relação ao universo narrado. diz respeito ao modo como o narrador vê os fatos da história.
Quanto ao foco narrativo,
Focalização omnisciente: colocado numa posição de transcendência, o narrador mostra conhecer toda a história, manipula o tempo, devassa o interior das personagens.
Focalização interna: o narrador adota o ponto de vista de uma ou mais personagens, daí resultando uma diminuição de conhecimento.
Focalização externa: o conhecimento do narrador limita-se ao que é observável do exterior.
Focalização neutra: O narrador não expõe seu ponto de vista (este modo não existe na prática, apenas na teoria).
Focalização restritiva: A visão dos fatos dá -se através da ótica de algum personagem.
Focalização interventiva : O autor faz observações sobre os personagens( típica dos romances modernos - Machado de Assis ) .
Após esta caracterização de alguns aspectos narrativos, pretendo anotar algumas ocorrencias nos textos a respeito do eu – poético.
Compreender o eu – poético exige diferenciar o autor do narrador, o narrador sendo um dos elementos do texto, adquire caracteristicas de personagem dentro das tramas elaboradas. Conforme seja estabelecido o foco narrativo é possível vislumbrar o dialogo do autor com o leitor.
Atentemos para o fato que esta circunstancia faz parte da elaboração da narrativa, não há de fato esta proximidade e aquela relação participa da construção do fluxo narrativo, seja para maturar um determinado conceito, ou ainda, para orientar o leitor para reflexões fora do curso dos personagens.
O autor ao utilizar-se da primeira pessoa, situa o personagem no primeiro plano e faz da sua ação direta o fluxo narrativo, construindo efeitos mais verossimeis.
Uma distorção bastante comum é tomar o narrador por personagem ou o autor por narrador, estes equivocos sucedem pela dificuldade de situar o eu – poético do texto.
A literatura é um recorte, uma representação que se constrói partindo do uso das palavras, e esta representação segue um curso que no período romantico buscava uma fidelidade de representação. Atribuia-se ao escritor a sinceridade dentro da sua experimentação artística. Atráves destes vínculos a sociedade buscava moldar seus valores e seus cidadãos.
Passado o vício pós-romantico o que sucede é a ironia de confronto com valores anacronicos e datados. A literatura é essencialmente ficção, ações que habitam uma rede de possibilidades com uma vocação para o imponderável.
Usualmente o pronome “eu” confere sujeito ao enunciado e evidencia personalidade no universo da não-ficção. Dentro do universo literário este pronome é apenas mais uma palavra para designar uma personagem de acordo com o plano narrativo. “Eu” registra a coincidência de identidade do sujeito da enunciação e do sujeito do enunciado.
Quando você fala "eu", você está referindo a você mesmo, enquanto autor da sua fala está referindo o sujeito de sua enunciação e duma determinada ação de que você foi o sujeito ou agente. Pensar que ocorre o mesmo na literatura é pura ilusão ou preconceito romântico.
O autor decide escrever "eu" como decidisse usar qualquer outra palavra da língua. A cena da enunciação faz parte da criação literária. Assim, você tem a criação literária, a enunciação e o enunciado. Na época romântica os autores faziam coincidir essas três instâncias.
Deve ser fácil você encontrar na literatura brasileira exemplos de obras em que autor, narrador e personagem "eram" a mesma pessoa. Depois surgiram obras em que as três instâncias apareceram separadas.
Quando na teoria da literatura descobriu-se que essas três instâncias existiam separadamente, foi preciso arranjar novos nomes para referir essas entidades de forma inequívoca. A meu pesar, reservou-se o nome de "poeta" para o autor, quando me parece que esse é o melhor termo para quem fala no poema. Deu-se o nome bizarro de "sujeito lírico" ou "sujeito poético" à instância da enunciação da lírica.
A verdade é que fala no poema quem o autor quer que fale e a enunciação é tão fictícia quanto os acontecimentos ou sentimentos referidos no poema. Mesmo que ficticiamente sejam atribuídos ao autor. Nunca esqueça o "ficticiamente".
A proximidade construída a partir dos recursos do autor deve ser considerada a todo tempo, sob pena de construir um dialogo real com um texto ficcional.