VERSOS ÍNTIMOS

Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera -

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

(Augusto dos Anjos)

Augusto dos Anjos nasceu na Paraíba. Em 1903, iniciou os estudos na Faculdade de Direito do Recife onde teve contato com o trabalho "A Poesia Científica", do professor Martins Junior. Formado em 1907, preferiu não advogar. Mudou-se para o Rio de Janeiro. Vivia de ensinar português. Quase toda a sua obra poética está no seu único livro "Eu", publicado em 1912. Um livro que sobrevive, antes de tudo, pelo rigor da forma. Com o tempo, Augusto dos Anjos tornou-se um dos poetas mais lidos do país, sobrevivendo às mutações da cultura e a seus diversos modismos como um fenômeno incomum de aceitação popular. Vitimado pela pneumonia aos trinta anos de idade, morreu em Leopoldina, Minas Gerais, em 12 de novembro de 1914.

O poema acima foi incluído no livro "Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século", organizado por Ítalo Moriconi para a Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2001, pág. 61. Fonte: http://www.releituras.com/aanjos_versos.asp