O limiar de Lyman

Te quero num chão de estrelas
Nua como a lua
E tão fugaz quanto um cometa...
Te quero numa explosão de gametas
Fundindo na supernova
Que a relatividade prova na sua ciencia imperfeita.

Coberta de éter
E da matéria impura
Vertendo o desejo imaturo;
Seminal como um buraco negro...

 
Dudu Oliveira


O limiar de Lyman: Dudu Oliveira
 
A PESQUISA
 
 
1. PESQUISA DE VOCABULÁRIO
 
limiar
1.Soleira da porta:
2.Patamar junto à porta.
3.Fig. Entrada, começo, início:
4.Fisiol. Intensidade mínima abaixo da qual um estímulo deixa de produzir uma determinada resposta.


chão
5.Singelo, simples, sem enfeites:
12.Pequena propriedade de terra.
13.Fundo de quadro, tecido, etc.
 
estrela
5.Fig. Destino, sorte, fado, fadário:
6.Fig. Guia, direção, fim, alvo:  
7.Fig. Pessoa eminente, insigne:  
8.Fig. Pessoa jovem muito bonita.
9.Fig. Pessoa a quem se quer muito.
 
nua
1.Privado de vestuário; despido, desnudo.
2.Sem cobertura; exposto, descoberto:
4.Sem folhas:
6.Desguarnecido, desornado, desataviado:
7.Sem nada; vazio:
8.Privado, destituído, carecente:
9.Sem afetação; simples, sincero, franco:
10.Não disfarçado; patente, evidente:

lua
3.Astr. Satélite de um planeta qualquer:

fugaz
1.Que foge com rapidez; rápido, veloz, fugitivo:
2.Que passa rapidamente; de pouca duração; transitório, efêmero, fugitivo, fugidio
 
cometa
2.Fig. Pessoa que aparece e desaparece rapidamente.

explosão
3.Fig. Manifestação viva e súbita
 
gameta
1.Biol. Célula sexuada e haplóide dos seres vivos, encarregada da reprodução mediante a fecundação ou fusão nuclear. Sin. célula germinativa, tanto masculina qunato feminina.
 
fundindo
3.Incorporar (várias coisas em uma só); juntar, unir:
4.Incorporar em volume; organizar.
5.Esbanjar, dissipar, malbaratar.
6.Dar como resultado.

supernova
A explosão de uma supernova pode expulsar para o espaço até 9/10 da matéria de uma estrela. O núcleo remanescente tem massa superior a 1,5 Massas solares, a Pressão de Degenerescência dos elétrons não é mais suficiente para manter o núcleo estável; então os elétrons colapsam com o núcleo, chocando-se com os prótons, originando nêutrons: o resultado é uma estrela composta de nêutrons, com aproximadamente 15km de diametro e extremamente densa, conhecida como estrela de nêutrons ou Pulsar. Mas, quando a massa desse núcleo ultrapassa 3 massas solares, nem mesmo a Pressão de Degenerescência dos neutrons consegue manter o núcleo; então a estrela continua a se colapsar, dando origem a uma singularidade no espaço-tempo, conhecida como Buraco Negro, cuja Velocidade de Escape é um pouco maior do que a velocidade da luz.
 
relatividade
2.Fís. Teoria física segundo a qual o tempo e o espaço são grandezas inter-relativas, não podendo, pois, ser consideradas independentemente uma da outra, e cuja idéia fundamental é estabelecer leis que sejam invariantes em relação ao sistema de referência, i. e., que assumam o mesmo aspecto em relação a qualquer referencial.

relativo
1.Que indica relação; referente, respeitante, concernente.
2.Casual, fortuito, acidental.
3.Julgado por comparação; proporcional.
 
provar
2.Tornar evidente; demonstrar, patentear, testemunhar, justificar, comprovar:
10.Estabelecer a verdade ou realidade; dar a prova ou a demonstração:
11.Testemunhar, demonstrar, patentear:
14.Exercer ou aplicar o sentido do paladar:

ciência
5.A soma dos conhecimentos humanos considerados em conjunto:
14.Exercer ou aplicar o sentido do paladar:
 
imperfeita
1.Não perfeito; não completo; inacabado, incompleto:
 
coberta
1.Aquilo que serve para cobrir, cobertura, capa.
2.Coberta (1) de cama; colcha.
5.Fig. Abrigo, proteção.
6.Fig. Disfarce, dissimulação, aparência, capa.
 
éter
1.Fís. Meio elástico hipotético em que se propagariam as ondas eletromagnéticas, e cuja existência contradiz os resultados de inúmeras experiências, já não sendo, por isso, admitida pelas teorias físicas.
2.P. ext. O espaço celeste:
 
matéria
1.Qualquer substância sólida, líquida ou gasosa que ocupa lugar no espaço.
10.Filos. O que dá realidade concreta a uma coisa individual, que é objeto de intuição no espaço e dotado de uma massa mecânica.
15.Ausência de sentimentos; materialidade, vulgaridade.
16.Corporalidade, carnalidade:
 
impuro
1.Que não tem pureza.
4.Lúbrico, sensual, impudico.

verter
1.Fazer transbordar; entornar, derramar:
2.Fazer sair com ímpeto; jorrar.
3.Espalhar, difundir, deitar, esparzir:
 
desejo
1.Ato ou efeito de desejar.
2.Vontade de possuir ou de gozar.
3.Anseio, aspiração.
5.Vontade de comer ou beber; apetite.
6.Apetite sexual:
 
imaturo
1.Que não é ou não está maduro
2.Prematuro, precoce, antecipado.
3.Que não tem maturidade.
 
seminal
1.Relativo ou pertencente a semente ou a sêmen.
2.Fig. Produtivo, fértil. 
 
 
2. NÍVEL SEMÂNTICO
 

O poeta está diante da entrada, de uma porta, talvez aberta, talvez fechada; de uma situação que depende de transpor um limite, cruzar um limiar. É desse ponto de vista que ele expõe sua imagem.
 
Ele quer Lyman num chão de estrelas, contra um fundo desprovido de outros enfeites que não sejam as estrelas; mas também contra uma moldura digna de uma pessoa jovem e muito bonita ou de alguém a quem se quer muito bem; uma estrela. Depois de definir o onde vem a manifestação do como. Esse querer manifesta-se de um modo especial. Ele a deseja despida, exposta, desguarnecida de atavios, vazia de afetação; ela e quer simples e ,sincera, sem disfarces. Ao mesmo tempo em que a compara com a lua em sua ausência de cobertura, pode-se entender que pensa em Lyman orbitando ao redor dele. Também espera dela que seja fugaz como um cometa, alguém que chega e vai embora rapidamente; algo efêmero ou, embora não haja uma relação direta com o significado da palavra, alguém que seja impermanente e imponderável e, considerando o verso seguinte, também um ser que quase não se pode deter, pegar, tomar, pela ausência de densidade. A próxima descrição menciona uma explosão de gametas, uma explosão de células germinativas que acabam resultando em um elemento de extrema densidade: Fundindo na supernova. Para esse  verso minha leitura é: no mais alto grau da tensão provocada pelo desejo ainda contido, o da fêmea no cio, pronta para copular. Esse estado é ao mesmo tempo real e intangível. Que a relatividade prova na sua ciência imperfeita, traz um deslocamento do sentido que destrói o poder da assertiva. Não é a ciência imperfeita que prova a relatividade. Por esse deslocamento, provar pode adquirir o sentido de experimentar, testar. Essa relatividade poderia ser entendida como a forma relativa, casual, acidental, imperfeita e incompleta de conhecimento (ter ciência), que o poeta pode experimentar acerca de Lyman.

A partir deste ponto, rumo ao desenlace, o como recebe maior especificação: sobre Lyman, o único abrigo, a única proteção aceitável é o espaço celeste, absolutamente transparente, algo que impede qualquer dissimulação. Contudo, ele a quer feita da carnalidade lúbrica, sensual, sem pudores, transbordando, jorrando, (vertendo, aludindo ao gotejar), expressando o desejo precoce, incontido, de domínio e de entrega; da busca prematura do prazer. A expectativa é a de que ela seja fértil no que tem a oferecer e irresistivelmente atrativa.
 
Pelo levantamento, o número de palavras com conteúdo semântico é bastante superior, na proporção do total de vocábulos utilizados. Nesse primeiro aspecto, o significante fornece adequado suporte ao significado, reforçando-o.
 
 
3. PLANO DA SINTAXE
 
No texto, encontramos cinco formas verbais (uma utilizada duas vezes); apenas três são flexionadas e estão no presente do indicativo (quero e prova); das outras três, duas estão no gerúndio, forma da ação que se desenrola (fundindo e vertendo) e uma está no particípio (coberta). Há um advérbio de intensidade tão para o adjetivo fugaz a ressaltar-lhe o sentido. A predominância é de substantivos; catorze ao todo. Aparecem apenas seis adjetivos. Não encontrei relevância na presença de pronomes, artigos e preposições.
 
No limiar de Lyman discorre sobre algo pretendido, uma cena evocada imaginária, um episódio descrito. Não há a ocorrência de muitos adjetivos, como se poderia esperar; é o contrário que ocorre. A explicação para isso pode ser o poder de evocação imagética dos substantivos escolhidos; de cada um deles. O primeiro verso, Te quero num chão de estrelas, tece de forma tão marcante o pano de fundo, dispensando o uso excessivo de adjetivos. A sequência:  nua, lua, cometa, explosão, gametas, supernova, relatividade, ciência, éter, desejo, apresenta palavras que podem prescindir de adjetivação porque fazem parte de um cenário celeste, de algo suficientemente grandioso. Mas há duas palavras que recebem a qualificação. Excluo buraco negro por entender que representa uma denominação da ciência. São elas ciência (imperfeita) e desejo (imaturo). Pela seleção realizada, tendo sido ou não da intenção do autor, leio: a maturidade está para o desejo, assim como a perfeição está para a ciência...
 
 
4. PLANO DAS IMAGENS OU DAS FIGURAS
 
ALEGORIA
Te quero num chão de estrelas
 
PROSOPOPÉIA
Te quero numa explosão de gametas
Fundindo na supernova
 
PARADOXO
Que a relatividade prova na sua ciência imperfeita.
 
ANTÍTESE
Coberta de éter
E da matéria impura
 
PERÍFRASE
Vertendo o desejo imaturo
 
METÁFORA
Seminal como um buraco negro
(considero que aqui há uma metáfora apesar de utilização do como).
 
Tendo como fundo um plano alegórico, desenrola-se a criação do poeta com o recurso de figuras, em dosagem exata para as proposições do tema, entre elas o Paradoxo e a Metáfora. Estes dois, axiais para ampliar as possibilidades de interpretação do texto. Sobrepor a relatividade à ciência e chamá-la de imperfeita, é questionar a relatividade e a ciência; o ser humano em sua passagem pelo espaço-tempo; mas é ainda, questionar o espaço-tempo; em suma, é indagar sobre as direções que ciência e pensamento tomam. Esse paradoxo também representa uma incerteza do poeta: a de não poder provar que a explosão sensual de Lyman seria verdadeira. O poeta pretende que ela seja um buraco negro seminal. Um fato que não está no texto que recolhi na Wikpédia, mas que é do conhecimento de muitos, ´´e que o buraco negro, segundo os físicos teóricos, suga tudo ao seu redor. A imagem desenhada, então é a de ser engolido, sugado por Lyman, de uma forma seminal, isto é proveitosa, prazerosa. 
 
5. ESTRATO FÔNICO
 
No título, temos os dois substantivos começados por uma consoante líquida, portanto uma consonância, uma forma de aliteração, e também uma evocação sonora, uma consonância não explícita: Lyman/imã.
 
Há outras aliterações, lua/nua; cometa/gametas; supernova/prova e uma aproximação entre impura/imaturo.
 
A consoante oclusiva velar surda /k/ aparece algumas vezes:
quero, como, quanto, cometa, que, coberta
 
Não encontro aspectos relevantes para citar outros aspectos. Vale dizer que há harmonia e fluidez na distribuição dos fonemas surdos e sonoros, na utilização das bilabiais, linguodentais e vibrantes que são as que mais interpõem obstáculos na emissão.
 
O que há de relevante nesse plano é a identificação que pode ser feita de Lyman como um imã, bem como a digamos dureza ou firmeza da afirmação quero-te, impressão conferida pela oclusiva velar surda, uma consoante dura.


Informação de Dudu de Oliveira: Larry Lyman, usando filtros ultravioletas conseguiu pela intensidade da radiação remanescente estabelecer parâmetros de longevidade da radiação primordial; uma evidencia, não uma tese. Com isso era possível conjeturar sobre extensão e idade do universo.


 

Nilza A. Hoehne Rigo

Consultas:
Dicionário: Aurélio
Wikipédia
Gramática: Rocha Lima