Onde um rio se divide as musas já não concedem mais graças (Resenha)
“O essencial é sentir direta e simplesmente.”
Álvaro de Campos
Onde um rio se divide as musas já não concedem mais graças
Interpretar o homem e expressar uma síntese cultural da história da humanidade através da leitura foi o propósito a que se dedicou Fernando Pessoa por toda a sua vida. Poeta modernista, e intrigado com as constantes revoluções de comportamento social do início do século XX, remonta a essência do pensamento humano por meio de seus heterônimos, ao conceber a cada um deles características que retomam a trajetória do homem sobre a terra e sua relação com o meio em que vive.
Foram três os mais significativos heterônimos de Pessoa, a saber: Alberto Caiero, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, cada qual representa a evolução histórica da consciência humana e o modo de percepção frente a realidade da vida.
Dentre os heterônimos do poeta lusitano, Álvaro de Campos com seu fluxo verbal intenso e vigoroso é o que mais se assemelha a tendência modernista de seu tempo ao representar em sua poesia a multiplicidade dos choques a que o homem é submetido no dia-a-dia devido ao apelo de um mundo em pleno processo de industrialização e massificação humana.
Com isso, seus versos abdicam do padrão da musicalidade clássica para representar a dissonância de uma nova realidade operadora através da máquina que dita de modo frenético o ritmo de seu canto. “De expressão de todas as minhas sensações, com o excesso contemporâneo de vós, o máquinas!”
O conflito de valores estabelecido entre o poeta neurótico e solitário e o meio que rejeita os que não se encaixam no sistema representa uma outra forma de ruptura evidenciada através de sua representação poética, como no poema a seguir:
Puseram-me uma tampa
Todo o céu.
Puseram-me uma tampa.
Que grandes aspirações!
Que magnas plenitudes!
E algumas verdadeiras...
Mas sobre todas elas Puseram-me uma tampa.
Como a um daqueles penicos antigos
Lá nos longes tradicionais da província.
Uma tampa.
Uma tampa, como que para tampar seus pensamentos por ignorá-los em face a desarmonia existente entre ambos, ao poeta resta-lhe a
sensação de inapetência e impotência perante a vida alem de um
profundo cansaço existencial que o conduz a uma atitude de descrença absoluta.
A conseqüência estilística deste comportamento esta no fato de que o poeta recria o conceito estético, redefinindo a função do belo,
extraindo do prosaico cotidiano a imagem do grotesco reflete suas
impressões em relação à modernidade. Percebe-se claramente que a
modernidade detém a chave que nos abre as portas a poesia de Campos e que entender-la significa compreender a relação dialética entre Universo que se quer aprendido e o individuo que se deseja
aprende-lo.