Oficina de Literatura Comparada - O Quinze x Vidas Secas x As Vinhas da Ira

* Descrição do Perfil dos Personagens *

>> O Quinze (1930) – Rachel de Queiroz

Primeiro plano:

- Conceição – prima de Vicente culta e professora. Moça que gosta de ler vários livros, inclusive de tendências feministas e socialistas.

- Mãe Nácia – senhora idosa, representante de velhas tradições.

- Vicente – proprietário e criador de gado. Era rude e até mesmo selvagem.

Segundo plano:

- Chico Bento – pai da família de retirantes.

- Cordulina – mãe da família de retirantes.

- Josias – filho mais novo.

- Pedro – filho mais velho.

>> Vidas Secas (1938) – Graciliano Ramos

- Fabiano – homem embrutecido, mas capaz de perceber suas limitações, filho e neto de vaqueiros.

- Sinhá Vitória – mais inteligente que os demais, parecendo ter conhecimento decorrente de outro meio social, controlando as contas e os sonhos de todos.

- Menino mais novo – sonha em ser igual ao pai, forte e vaqueiro.

- Menino mais velho – deseja conhecer o significado da palavra inferno, desvendar a vida e ter amigos.

- Baleia – era a cachorra de estimação da família. Era considerada pessoa da família, sensível, fiel e humanizada.

- Papagaio – animal de estimação.

- Soldado amarelo – símbolo de repressão e do autoritarismo pelo qual é comandado (ditadura Vargas), porém não é forte sozinho; sem as ordens da ditadura, é fraco.

>> As Vinhas da Ira (1939) – John Steinbeck

- Tom Joad – filho mais velho, recém-saído da penitenciária em liberdade condicional, foi preso por ter assassinado um homem que o ameaçara em uma briga.

- Casy – o pregador que se juntou à família.

- Tio John – um homem amargurado pelo fardo da culpa que o persegue, por ter deixado morrer a mulher grávida, quando ela lhe pede ajuda.

- Rosa de Sharon – sobrinha que dá a luz a um filho morto.

- Connie – marido de Rosa de Sharon.

- Mãe Joad – ponto central da família. Sua grande missão é manter a família unida.

- Pai Joad – homem enfraquecido e deprimido por perder suas terras de arrendatário.

- Avô Joad – senhor idoso e de idéias tradicionais. Não aceita a mudança de sua terra natal para a Califórnia.

- Avó Joab – senhora idosa e companheira de Avô Joad. Falece durante a viagem chamando por seu companheiro.

* Resenha Crítica *

O Quinze ganha este nome porque relata a grande seca vivida por Rachel de Queiroz, em sua infância durante o ano de 1915. Raquel é cearense e fugiu da seca junto com a família em 1917 para o Rio de Janeiro. A história possui dois núcleos que se encontram no decorrer do texto. O mais importante, por compor uma narrativa com começo, meio e fim é o vivido por Conceição, Mãe Nácia e Vicente. Conceição tem 22 anos e se diz solteirona convicta, porém esconde um sentimento por Vicente seu primo, homem rude e ignorante, mas que lhe inspira força e honestidade. Vicente por sua vez também estima por demais sua prima, mas é tão ocupado em salvar o gado da fome e da sede que acaba deixando de lado os assuntos do coração. O segundo plano da obra é o que mais retrata o sofrimento vivido pelos nordestinos. Chico Bento e sua esposa, Cordulina são obrigados a deixar para trás a fazenda onde trabalhavam. Após juntar algum dinheiro, compram uma burra e um pouco de mantimentos, para sobreviverem à viagem. São o casal, mais seus 5 filhos. Na história não são citados todos, há ênfase na trajetória do menino mais novo, Josias, que come mandioca crua e morre envenenado; e Pedro que acaba abandonando a família e fugindo com comboeiros de cachaça. Após atravessarem o sertão e chegarem com vida ao campo de concentração, lugar onde os retirantes recebiam ajuda do governo, Chico Bento e Cordulina reencontram Conceição, comadre já de certa data, pois fora ela que junto de Vicente que batizara um dos cinco meninos, o Duquinha que por fim acaba sendo adotado pela madrinha para que os pais tenham mais chance de sobrevivência. Conceição é voluntária no campo de concentração, ajuda a distribuir os alimentos e remédios disponíveis para o povo. É ela quem arruma um emprego para Chico Bento e depois ajuda o vaqueiro a ir embora para São Paulo, junto com sua esposa e os dois filhos restantes. A vida em outro estado é tão incerta que Rachel de Queiroz encerra a trajetória da família de retirantes neste ponto. Como uma história sem fim ou passível de infinitos finais. Conceição acaba sozinha, solteira, adota Duquinha como se fosse seu legítimo filho. Vicente continua na sua incansável vida de salvar o gado da fome e da sede. O Quinze acaba com um final relativamente feliz. Mãe Nácia retorna ao Logradouro, esperançosa; à casa morta pela seca.

Vidas Secas, a obra mais famosa de Graciliano Ramos, publicada em 1938 possui um roteiro bastante semelhante com o anterior citado. Porém a história aqui contada não possui um romance como alegoria. Aqui a história fantástica se passa com a cadela Baleia, animal humanizado e tomado como um dos personagens centrais. A cadela se faz tão importante que nem mesmo os filhos do vaqueiro Fabiano têm nome, mas a cadela, sim. A forma como Graciliano Ramos apresentou Vidas Secas é bastante interessante. Os treze capítulos podem ser lidos separadamente como se fossem contos ou juntos como em um romance. Esse livro retrata fielmente a realidade brasileira não só da época em que o livro foi escrito, mas como nos dias de hoje tais como injustiça social, miséria, fome, desigualdade, seca, o que nos remete a idéia de que o homem se animalizou sob condições sub-humanas de sobrevivência. A história inicia-se em 1940 com uma família pobre do sertão nordestino em busca de um lugar para sobreviver. Exaustos, o chefe da família Fabiano, sua mulher Vitória, seus 2 filhos e a cadela Baleia, após uma dura viagem a pé pelo sertão, sem comida ou água (nesta cena que os personagens comem o papagaio de estimação), encontram uma casa e passam a noite, já que ela estava aparentemente abandonada. Mas após algum tempo de estada chega o dono da fazenda e ameaça expulsar a família da fazenda. Fabiano implora trabalho e acaba sendo acolhido pela família, dona da terra, como agregados. Um ano depois, Fabiano, já era empregado da fazenda e cuidava dos animais como vaqueiro, porém não recebia o salário suficiente por todo trabalho árduo que realizava. Certo dia, Fabiano vai à cidade e à convite de um soldado “amarelo” vai jogar baralho com uns apostadores, apostando todo o seu salário. No momento em que percebe que estava perdendo no jogo, saiu enfurecido e foi abordado pelo soldado ocorrendo uma discussão entre eles. O soldado chama a polícia e eles o prendem, acusando-o injustamente e o agrediram até a prisão, onde passou a noite. A mulher e as crianças pernoitaram na casa, solitários, sem luz. A seca castigava cada vez mais os animais e por isto, Vitória e Fabiano quiseram ir embora da fazenda. Durante a organização da viagem Fabiano percebe que Baleia está com raiva e tenta matá-la com um tiro que lhe acerta um dos quartos traseiros. Ela foge ferida e seus filhos choram a perda da “irmãzinha”. A história se acaba com outra mudança. Incerta, em direção à fome e morte talvez.

A última obra, objeto de análise deste trabalho tem como cerne a miséria vivida pelos habitantes de Oklahoma (EUA), após a grande depressão estadunidense, provocada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, na década de 1930. Tom Joad, personagem central, é um condenado que volta para casa após ter passado, na cadeia, quatro dos sete anos a que foi condenado por homicídio. Mas, em vez da família de braços abertos para lhe receber, que pensava encontrar, depara com a casa abandonada e a família desaparecida. Um antigo pregador, seu conhecido, juntamente com outro agricultor, explicam-lhe o que se está a passar: eles, arrendatários rurais, foram despejados pelos proprietários das terras. Tom acaba por encontrar a numerosa família, na casa de tio John quando estes estavam prestes a abandonar o Oklahoma e partir para a Califórnia, em busca de emprego e de uma nova vida. Revoltados, mas conformados com o seu destino, Tom e a família avançam em direção ao Pacífico. Com eles, milhares de conterrâneos seguem na mesma direção, numa onda de pobreza e miséria. A viagem acaba por tornar-se numa odisséia, face às dificuldades que se levantam: para além da viagem em si, atravessando paragens semidesérticas, têm de enfrentar revoltosos que não concordam com a migração, proprietários que se aproveitam das paupérrimas condições vida, para pagarem salários miseráveis, para além de outros escolhos. No fim, a Califórnia aparece e não é a terra verdejantes, fértil e prospera que esperavam e Tom tem de fugir, abandonando a família, porque, entretanto, matara um segundo homem que ameaçava trabalhadores em greve e que em luta havia matado Case, o pregador. O personagem de Tom Joad é um portento de força, interior e exterior. Mas ele, por um lado e a sua mãe, por outro, acabam por dar sentido à viagem e força aos restantes membros. Tom sabe que está em liberdade condicional, mas a revolta perante a injustiça e a iniqüidade falam mais alto do que ele e, por vezes, toma atitudes arriscadas. Tom Joad, personagem de Steinbeck, é pura personificação da luta contra as injustiças. Outra personagem fundamental é a mãe, eixo de funcionamento e suporte de toda a família. É dela a boa consciência, a bóia a quem os outros recorrem, a goma que tenta unir todos os elementos numa altura em que a fome e a morte ameaçam tudo destruir.

As conotações políticas são evidentes,a mensagem anti-capitalista aflora, com a chegada das máquinas que empurram os pobres camponeses para fora da terra, como também é na exploração descarada que os proprietários dos pomares fazem em relação aos desesperados em busca de trabalho. Mas convém não esquecer que estamos em plena Grande Depressão, os valores sociais estão em efervescência. Aliás, basta ver que nos “campos de refugiados”, a que os protagonistas recorrem várias vezes, tudo é uma desgraça.

As três obras trazem como tema central a luta pela sobrevivência em um mundo capitalista e desigual. É fato que Vidas Secas e O quinze estão muito mais ligadas contextualmente entre si do que ambas com As Vinhas da Ira. Vidas Secas e O Quinze são histórias contadas por escritores brasileiros, nascidos em épocas distintas, porém igualmente sensíveis aos problemas sociais enfrentados no nordeste devido à seca. Os abalos sofridos pelo povo brasileiro em torno dos acontecimentos de 1930, a crise econômica provocada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, a crise cafeeira, a Revolução de 1930, o acelerado declínio do nordeste condicionaram um novo estilo ficcional, notadamente mais adulto, mais amadurecido, mais moderno que se marcaria pela rudeza, por uma linguagem mais popular, por um enfoque direto dos fatos, por uma retomada do naturalismo, principalmente no plano da narrativa documental, temos também o romance nordestino, liberdade temática e rigor estilístico.

Os romancistas de 30 caracterizavam-se por adotarem visão crítica das relações sociais, regionalismo, ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, pela terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o meio lhe impõe.

Há vários pontos de congruência entre O Quinze e Vidas Secas. A questão da seca que inclemente castiga os sertanejos e que traz consigo outras nuances tanto de Rachel de Queiroz, quanto de Graciliano Ramos. Ambos são nordestinos e vivenciaram essa situação, senão na própria pele, ou no relato de outros conterrâneos. Desta forma fazem então de suas obras uma veemente crítica social com relação a essa “miséria humana”. Interessante ressaltar que Raquel e Graciliano não tiveram reconhecimento imediato por seus livros. A primeira por questões políticas mudou-se mais uma vez para o Rio de Janeiro, sendo que ainda durante sua infância havia passado alguns anos na capital carioca a fugir da seca junto com sua família. Graciliano também teve problemas políticos, sendo preso e exilado pelo governo Vargas, haja vista que ambos os autores tinham idéias esquerdistas.

Podemos então traçar um paralelo entre as obras e a história, pode-se comparar a situação das personagens com a de exilados políticos que sucumbiram ao poder dos militares, mas inevitavelmente assolados pela guerra. O solo parece devastado por uma bomba nuclear, na obra O Quinze, Raquel nomeia de “campo de concentração” um local onde se alojam os migrantes, famintos, imundos; em condições sub-humanas. Já John Steinbeck, nomeia os alojamentos dos trabalhadores-escravos, de acampamentos, que são sucessivamente invadidos e incendiados por policiais, que entendem que os famintos ali presentes são oportunistas que vieram “roubar” o emprego dos habitantes dali. Algo bastante sugestivo que nos remete ainda mais fortemente aos tempos de guerra.

* Relações Entre as Obras *

>> O Quinze x Vidas Secas x As Vinhas da Ira

- A migração dos personagens em busca de uma vida melhor.

- O simbolismo presente nos títulos das obras.

- O Quinze – o título se refere a grande seca de 1915, vivida pela escritora em sua infância.

- Vidas Secas – título bastante sintético. Representa a vida sem fartura, sem água, sem alimento; realidade do povo nordestino do Brasil.

- As Vinhas da Ira - As vinhas são o verde vale da Califórnia, presentificando a fartura, o alimento, o trabalho e o bem-estar que delas deverão advir. A ira conota uma busca dolorosamente frustrada. A ira é o sentimento que se apodera dos retirantes quando percebem que foram atraídos para uma falsa Canaã, onde a exploração do homem pelo homem alcança picos de terrível injustiça social, de violência moral e física e que toma o lugar da esperança, tornando-se desespero, culminando na luta silenciosa das greves, não já por melhores salários, mas, acima de tudo, pelo próprio alimento básico e vital.

>> O Quinze x Vidas Secas

- O juazeiro1 é a única vegetação verde citada nos textos.

- Os personagens são vaqueiros – ênfase para os chefes de família.

- Os homens bebem quando vão à cidade.

- As pessoas soltam o gado quando abandonam suas casas.

- A única alegria retratada é a Festa de Natal.

- Ambas as histórias se passam durante a Ditadura Vargas.

>> O Quinze x As Vinhas da Ira

- Ambas as histórias citam locais onde os migrantes ficavam alojados após a viagem.

- O Quinze – o campo de concentração – faz alusão aos campos de concentração utilizados em períodos de guerra.

- As Vinhas da Ira – os acampamentos – são lugares onde os personagens se instalavam por tempo determinado à espera de ajuda. Mas o que encontravam era mais fome e miséria.

- Os personagens perdem entes queridos durante a viagem.

- O Quinze – Chico Bento – morre o filho mais novo, o filho mais velho foge e um dos três restantes é dado para sua madrinha.

- As Vinhas da Ira – morre Avô Joad, Avó Joad e Rosasharn dá a luz a uma criança morta após ser abandonada pelo marido.

>> Vidas Secas x As Vinhas da Ira

- Os personagens têm medo da polícia.

Bibliografia

www.4shared.com.br

E-books:

- O Quinze (Rachel de Queiroz) – Edição integral – Copyright 1937.

- Vidas Secas (Graciliano Ramos) – 45.ª edição.

- As Vinhas da Ira (John Steinbeck) – Tradução de Virginia Motta – Edição “Livros do Brasil” Lisboa

- www.releituras.com.br

- OLMI, Alba: As vinhas da ira: entre realismo e simbologia, una página da história americana.

- Filme: As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath) – Henry Fonda