CONTRASTES / UMA LEITURA INTERPRETATIVA
CONTRASTES. COROA DE SONETOS.
(PAULO CAMELO)
UMA LEITURA INTERPRETATIVA
I
“O mundo em minha volta, estonteante,
vibrante, quente, bruto, mau, cruel;
no céu, no alto, estrelas luzidias,
os dias calmos, lindos fascinantes.
Na calma do meu mundo interior,
o amor, um mundo inteiro de emoções,
paixões ardentes, um furor profundo,
no fundo de minh’alma, muito amor.
Contrastes entre forma e pensamento,
momentos de leveza e de furor,
de dor, paixão amor, inferno e céu;
contrastes de dois mundos, duas vidas:
a vida interior, amor profundo;
o mundo em minha volta, mau, cruel.”
(Paulo Camelo)
O nosso foco para esta análise estilística, busca, segundo os conceitos de WELLEK (1971) estabelecer um princípio unificador, o fim estético geral que percorre toda a obra.
Como obviamente se diz nesses casos, não tem a pretensão de ter esgotado todas as possibilidades de investigação; nem mesmo uma delas, totalmente.
Representa apenas um esforço de compreender melhor essa criação tão singular
e profunda que é “CONTRASTES”.
Antes de avançar nas considerações, para compreender parte do que se seguirá, falemos de “intertextualidade”.
“Descobri assim aquilo que os escritores
sempre souberam (e tantas vezes disseram):
os livros falam de livros e toda história
conta uma história já contada.”
Umberto Eco: Pós-escrito a "O nome da rosa".
Com essa citação, Samir Meserani (1995) (O Intertexto Escolar. São Paulo. Cortez Editor,. p. 59), começa o capítulo sobre intertextualidade.
E explica: “A intertextualidade é uma expressão do léxico atual da teoria da literatura, criada pela semioticista Júlia Kristeva, para designar o fenômeno de relação dialógica entre textos (Meserani, S. C. p. 63).”
Segundo Roland Barthes (1974) (O Grau Zero da Escritura. São Paulo. Cultrix,
p. 167), “Como a arte moderna na sua totalidade, a escritura traz consigo, ao mesmo tempo, a alienação da história e o sonho da história: como Necessidade, ela atesta o dilaceramento das linguagens, inseparável do dilaceramento das classes: como Liberdade ela é a consciência desse dilaceramento o próprio esforço para ultrapassá-lo. Sentindo-se constantemente culpada de sua própria solidão ela não deixa de ser uma imaginação ávida de uma felicidade das palavras; precipita-se para uma linguagem sonhada cujo frescor, por uma espécie de antecipação ideal, representaria a perfeição de um novo mundo adâmico, em que a linguagem não seria mais alienada.”
É nesse universo do indizível que o autor se depara com o diálogo com o que já foi dito.
“O conceito de ‘polifonia’, metáfora musical que Bakhtin traz para a reflexão literária, muda-se para o conceito de dialogismo. O diálogo é concebido como o único meio de ter acesso ao ‘eu’ e ao ‘outro’.
De tal modo, o diálogo não é uma simples troca de falas entre interlocutores, mas um processo de autoconhecimento e de conhecimento do outro, um exercício de alteridade para a consciência de si e do outro.” (Meserani, S. C. p. 66 p. 67)
“A partir dos anos 60, a crítica francesa (sobretudo de Barthes, Butor e Blanchot) propõe a crítica-escritura, que rompe suas fronteiras metalingüísticas para se constituir ela mesma em texto de criação no qual o texto literário é reescrito, num prolongamento dialógico, numa operação de ‘absorção’ e ‘transformação’ do texto criticado.” (Meserani, S. C. p74).
Nos meandros desses conceitos encontramos chaves para entender o que é a “Coroa de Sonetos”. A coroa de sonetos pode ser definida como uma escritura crítica que “vai além das fronteiras metalingüísticas” , reescrevendo o texto num “prolongamento dialógico” operando através da "absorção"e “transformação” do texto inicial. O coroamento é um texto inteiramente intertextual. Porém, esse intertexto, polifônico, ocorre no âmbito de uma “única” criação, de um único autor. O “eu” e o “outro”, a “alteridade”, se é possível chamá-la assim, não é uma alteridade real, mas uma divisão entre o “eu criador” (eu poético) e o “eu obra criada” (poesia), entre o “ego” e o “alter-ego”; entre o que “produz o texto” e o que “relê seu próprio texto” já como algo estranho, independente, e portanto a ele retorna, produzindo uma escrita recorrente, intentando, ao afirmar-se e reafirmar-se, encontrar a “felicidade das palavras”, a síntese talvez menos alienada e com maior frescor. (maior possibilidade de comunicação).
Os poemas são apresentados na forma de sonetos, construídos em decassílabos heróicos e sáficos.
Sonetos são poemas formados por catorze versos. Os poemas que analisamos são sonetos italianos, compostos por dois quartetos e dois tercetos. O soneto é uma forma de composição poética fechada e completa em si mesma. É uma narrativa, um conto, com começo, meio e fim; esse sempre uma síntese, um coroamento áureo da idéia inicial. Um soneto bem construído termina com um “fecho de ouro”.
“Contrastes” é uma coroa de sonetos. A coroa de sonetos é uma seqüência deles, cada um conservando as características acima descritas, porém estabelecendo uma relação com o soneto anterior e com o subseqüente. Esse elo semântico é obtido pelo uso do último verso de cada poema, como o primeiro verso do poema seguinte. Dessa forma, obtém-se um conjunto em que cada soneto: mantém suas características; conserva um vínculo semântico com o anterior; fornece o tema, o mote, o conteúdo semântico para o poema seguinte; e, em que todos fornecem o conteúdo semântico para o último soneto, o décimo quinto.
O décimo quinto soneto, a “coroa”, é formado pelo último verso do décimo quarto soneto (cumprindo a regra) e pelos últimos versos dos catorze sonetos anteriores, a partir do primeiro. Mesmo esse último soneto, embora sendo formado pelos versos dos anteriores, portanto com forte referência semântica a eles, não deixa de respeitar as características de um soneto. Também é uma história independente, com começo, meio e fim. A “coroa” é formada pelos fechos de ouro de cada um dos poemas. Ela é “uma jóia (formada de ouro) que cinge o conjunto em seu cimo, como sinal de vitória do esforço criativo que sintetiza as idéias anteriores numa idéia que, contudo, não deixa de ser nova.”.
XV
“O mundo em minha volta, estonteante,
o mundo em minha volta, mau, cruel,
um mundo tão difícil, tão real
profundo sentimento dos amantes
carentes de paixões, tristes, distantes;
um mundo de matizes diferentes,
imagens de contrastes abissais
na dança viva ao sabor do vento
um jogo contrastante e multicor
no lento afastamento da explosão,
fusão de corpos em brutal beleza;
a mão do homem, a destruição;
contrastes em perfeita harmonia
presentes na memória, nada mais.”
CONTRASTES. COROA DE SONETOS.
(PAULO CAMELO)
UMA LEITURA INTERPRETATIVA
I
“O mundo em minha volta, estonteante,
vibrante, quente, bruto, mau, cruel;
no céu, no alto, estrelas luzidias,
os dias calmos, lindos fascinantes.
Na calma do meu mundo interior,
o amor, um mundo inteiro de emoções,
paixões ardentes, um furor profundo,
no fundo de minh’alma, muito amor.
Contrastes entre forma e pensamento,
momentos de leveza e de furor,
de dor, paixão amor, inferno e céu;
contrastes de dois mundos, duas vidas:
a vida interior, amor profundo;
o mundo em minha volta, mau, cruel.”
(Paulo Camelo)
O nosso foco para esta análise estilística, busca, segundo os conceitos de WELLEK (1971) estabelecer um princípio unificador, o fim estético geral que percorre toda a obra.
Como obviamente se diz nesses casos, não tem a pretensão de ter esgotado todas as possibilidades de investigação; nem mesmo uma delas, totalmente.
Representa apenas um esforço de compreender melhor essa criação tão singular
e profunda que é “CONTRASTES”.
Antes de avançar nas considerações, para compreender parte do que se seguirá, falemos de “intertextualidade”.
“Descobri assim aquilo que os escritores
sempre souberam (e tantas vezes disseram):
os livros falam de livros e toda história
conta uma história já contada.”
Umberto Eco: Pós-escrito a "O nome da rosa".
Com essa citação, Samir Meserani (1995) (O Intertexto Escolar. São Paulo. Cortez Editor,. p. 59), começa o capítulo sobre intertextualidade.
E explica: “A intertextualidade é uma expressão do léxico atual da teoria da literatura, criada pela semioticista Júlia Kristeva, para designar o fenômeno de relação dialógica entre textos (Meserani, S. C. p. 63).”
Segundo Roland Barthes (1974) (O Grau Zero da Escritura. São Paulo. Cultrix,
p. 167), “Como a arte moderna na sua totalidade, a escritura traz consigo, ao mesmo tempo, a alienação da história e o sonho da história: como Necessidade, ela atesta o dilaceramento das linguagens, inseparável do dilaceramento das classes: como Liberdade ela é a consciência desse dilaceramento o próprio esforço para ultrapassá-lo. Sentindo-se constantemente culpada de sua própria solidão ela não deixa de ser uma imaginação ávida de uma felicidade das palavras; precipita-se para uma linguagem sonhada cujo frescor, por uma espécie de antecipação ideal, representaria a perfeição de um novo mundo adâmico, em que a linguagem não seria mais alienada.”
É nesse universo do indizível que o autor se depara com o diálogo com o que já foi dito.
“O conceito de ‘polifonia’, metáfora musical que Bakhtin traz para a reflexão literária, muda-se para o conceito de dialogismo. O diálogo é concebido como o único meio de ter acesso ao ‘eu’ e ao ‘outro’.
De tal modo, o diálogo não é uma simples troca de falas entre interlocutores, mas um processo de autoconhecimento e de conhecimento do outro, um exercício de alteridade para a consciência de si e do outro.” (Meserani, S. C. p. 66 p. 67)
“A partir dos anos 60, a crítica francesa (sobretudo de Barthes, Butor e Blanchot) propõe a crítica-escritura, que rompe suas fronteiras metalingüísticas para se constituir ela mesma em texto de criação no qual o texto literário é reescrito, num prolongamento dialógico, numa operação de ‘absorção’ e ‘transformação’ do texto criticado.” (Meserani, S. C. p74).
Nos meandros desses conceitos encontramos chaves para entender o que é a “Coroa de Sonetos”. A coroa de sonetos pode ser definida como uma escritura crítica que “vai além das fronteiras metalingüísticas” , reescrevendo o texto num “prolongamento dialógico” operando através da "absorção"e “transformação” do texto inicial. O coroamento é um texto inteiramente intertextual. Porém, esse intertexto, polifônico, ocorre no âmbito de uma “única” criação, de um único autor. O “eu” e o “outro”, a “alteridade”, se é possível chamá-la assim, não é uma alteridade real, mas uma divisão entre o “eu criador” (eu poético) e o “eu obra criada” (poesia), entre o “ego” e o “alter-ego”; entre o que “produz o texto” e o que “relê seu próprio texto” já como algo estranho, independente, e portanto a ele retorna, produzindo uma escrita recorrente, intentando, ao afirmar-se e reafirmar-se, encontrar a “felicidade das palavras”, a síntese talvez menos alienada e com maior frescor. (maior possibilidade de comunicação).
Os poemas são apresentados na forma de sonetos, construídos em decassílabos heróicos e sáficos.
Sonetos são poemas formados por catorze versos. Os poemas que analisamos são sonetos italianos, compostos por dois quartetos e dois tercetos. O soneto é uma forma de composição poética fechada e completa em si mesma. É uma narrativa, um conto, com começo, meio e fim; esse sempre uma síntese, um coroamento áureo da idéia inicial. Um soneto bem construído termina com um “fecho de ouro”.
“Contrastes” é uma coroa de sonetos. A coroa de sonetos é uma seqüência deles, cada um conservando as características acima descritas, porém estabelecendo uma relação com o soneto anterior e com o subseqüente. Esse elo semântico é obtido pelo uso do último verso de cada poema, como o primeiro verso do poema seguinte. Dessa forma, obtém-se um conjunto em que cada soneto: mantém suas características; conserva um vínculo semântico com o anterior; fornece o tema, o mote, o conteúdo semântico para o poema seguinte; e, em que todos fornecem o conteúdo semântico para o último soneto, o décimo quinto.
O décimo quinto soneto, a “coroa”, é formado pelo último verso do décimo quarto soneto (cumprindo a regra) e pelos últimos versos dos catorze sonetos anteriores, a partir do primeiro. Mesmo esse último soneto, embora sendo formado pelos versos dos anteriores, portanto com forte referência semântica a eles, não deixa de respeitar as características de um soneto. Também é uma história independente, com começo, meio e fim. A “coroa” é formada pelos fechos de ouro de cada um dos poemas. Ela é “uma jóia (formada de ouro) que cinge o conjunto em seu cimo, como sinal de vitória do esforço criativo que sintetiza as idéias anteriores numa idéia que, contudo, não deixa de ser nova.”.
XV
“O mundo em minha volta, estonteante,
o mundo em minha volta, mau, cruel,
um mundo tão difícil, tão real
profundo sentimento dos amantes
carentes de paixões, tristes, distantes;
um mundo de matizes diferentes,
imagens de contrastes abissais
na dança viva ao sabor do vento
um jogo contrastante e multicor
no lento afastamento da explosão,
fusão de corpos em brutal beleza;
a mão do homem, a destruição;
contrastes em perfeita harmonia
presentes na memória, nada mais.”