GRAMÁTICA: UMA ÁREA DE MUITOS CONFLITOS
Quando se fala em Língua Portuguesa, certezas e “achares” a respeito dela são muitos. Desse foco, equívocos começam a surgir. Um deles parte da “crença ingênua” de que, para se garantir eficiência nas atividades de falar, de ler e de escrever, basta estudar gramática (quase sempre nomenclatura gramatical), outro deles, parte da “crença”, também “ingênua” de que não é para se ensinar gramática em sala de aula. A serviço de um e de outro, encontramos políticas de ensino, programas de intervenção ou de orientação, uma vez que “as dificuldades verbais das pessoas são dificuldades de gramática”. Todavia, na hora de entender ou de escrever um texto mais complexo, é fato que “o saber gramática” se mostra, irremediavelmente, insuficiente.
A língua é muito mais do que determinar o que é certo ou o que é errado. Ela é parte de nós mesmos, de nossa identidade, cultura, história e sociedade. É por meio dela que nos socializamos, que interagimos, que desenvolvemos nosso sentimento de pertencimento a um grupo, a uma comunidade. Por causa disso, precisa-se mudar a visão de muitas pessoas quando se fala em mudanças/variações, uma vez que uma maioria dos falantes acredita que “as mudanças não são percebidas como mudanças, são percebidas como erro”.
De fato precisamos mudar conceitos. Um relevante é quando se comenta o termo gramática. Afinal, normalmente quando as pessoas falam em gramática, desconhecem que podem estar falando não de uma coisa só, mas de coisas bem diferentes.
Na verdade, quando se fala em gramática pode-se estar falando de:
a) Gramática 1: conjunto de regras que definem o funcionamento de uma língua
Mais conhecida como gramática internalizada, nenhuma língua escapa sem essa gramática; afinal, não existe língua sem gramática, nem existe gramática fora da língua. Em outras palavras, qualquer pessoa que fala uma língua fala essa língua porque sabe sua gramática, mesmo que não tenha consciência disso (os fenômenos estruturais da língua).
Não existe língua complicada para os falantes nativos de qualquer língua, senão a população analfabeta ou pouco letrada, por exemplo, de uma determinada nação deixaria de se comunicar.
b) Gramática 2: conjunto de normas que regulam o uso da norma culta
Nesse segundo sentido, a gramática é particularizada, ou seja, não abarca toda a realidade da língua, pois contempla apenas aqueles usos considerados aceitáveis na ótica da língua prestigiada socialmente. Enquadra-se, portanto, no domínio do normativo, no qual define o certo, o como deve ser da língua e, por oposição, aponta o errado, como o que não deve ser dito.
Porém, não existem usos lingüisticamente melhores ou mais certos que outros; existem usos que ganham mais aceitação, mais prestígio que outros por razões puramente sociais, advindas, inclusive, do poder econômico e político da comunidade que adota esses usos. Dessa forma, não é por acaso que a fala errada seja exatamente a fala da classe social que não tem prestígio nem poder político econômico.
Deve ficar claro que: não basta saber gramática normativa para falar, ler e escrever com sucesso. Precisa-se ter:
• O conhecimento do real ou do mundo.
• O conhecimento das normas de textualização.
• O conhecimento das normas sociais de uso da língua.
c) Gramática 3: uma perspectiva de estudos dos fatos da língua
É usada para designar uma perspectiva científica ou um método de investigação sobre as línguas no decorrer da história.
d) Gramática 4: uma disciplina de estudo
Possivelmente, o termo gramática tem, nessa acepção, o maior índice de uso, pelo menos nos meios escolares. É ele que está por trás das famosas aulas de gramática e que constitui, em geral, a grande dor de cabeça da comunidade escolar, dos professores e técnicos, da comunidade extra-escolar (pais, sobretudo).
As aulas de Língua Portuguesa resumem-se, em muitas realidades escolares, em aulas de gramática.
e) Gramática 5: um compêndio descritivo-normativo sobre a língua.
Em princípio, a descrição do funcionamento da língua – da fonética a estilística – toma corpo em um livro, em um compêndio que conhecemos como gramática. Em geral, essa gramática pode adotar uma perspectiva mais descritiva ou mais prescritiva.
No primeiro caso, temos uma gramática que focaliza elementos da estrutura da língua, descrevendo-os apenas ou apresentado-os em suas especificidades. No segundo caso, temos uma gramática que focaliza as hipóteses do uso considerado padrão, fixando-se, assim, no conjunto de regras que marcam o que se considera como uso correto da língua.
Veridiana Rocha
12/08/08
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ANTUNES, Irandé. Muito além da Gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.