LICENÇA POÉTICA OU LICENÇA PARA ENGANAR?
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A arte literária concede ao escritor a liberdade para manipular as palavras, mesmo que isso implique romper com as normas tradicionais da gramática. A isso, dá-se o nome de Licença Poética, que num sentido mais amplo, concede ao artista liberdade para se expressar criativamente sem obediência rígida a um modelo convencional poético e narrativo, além do gramatical, que não seria aceitável fora do campo da literatura.
Muitos desses desvios dos cânones gramaticais têm a finalidade de tornar a escrita mais próxima da linguagem falada, enfatizando, os aspectos sonoros. Por isso é que, dentro da licença poética, podemos encontrar os mais diversos desvios gramaticais; desde termos obscenos as mais variadas formas de expressão, num mesmo texto; seja ele em prosa ou em versos.
Mas o desvio é provocado pelo escrevedor que – conhecendo as normas gramaticais – desvia-se delas para conferir novidade e força expressiva à mensagem que está veiculando. Neste caso, o desvio das normas configura o que se costuma chamar de linguagem figurada. Puro artesanato. O escrevedor extrai do código possibilidades até então desconhecidas. Cria signos novos e, reinterpreta os antigos. Não diz o comum com a linguagem comum, mas, fragmenta a linguagem, transgride-a, domina-a e a subverte. E desse artesanato emergem idéias inéditas, conceitos, revelações, aspectos até então ocultos da alma, da vida da sociedade. Pura magia!
Assim, esse artista está dando legitimidade à licença poética, porque, diante dos olhos do leitor, os meios artesanais servem a finalidade do texto. Em outras palavras, a licença poética se mostra válida e eficaz no texto desse escritor porque ele a fez num contexto adequado, ou por outra, criou o contexto na qual ela despontou como fórmula nova e necessária. Entenda-se que, liberdade absoluta não é sinônimo de anarquia lingüística.
Observe-se, porém, que a licença poética também tem sido utilizada para justificar (esconder), o desconhecimento que o “escrevedor” tem do instrumento geral de comunicação que serve os membros da mesma sociedade, ou seja, a Língua materna. Usa construções, expressões e palavras, arbitrariamente, em situações que não condizem com o contexto, nem com a filiação literária e estilística. É precisamente esse desajuste que lhe acusa o desconhecimento das normas e, conseqüentemente, o erro lingüístico. Portanto, só a aptidão não basta para dominar a arte de escrever: faz-se mister o conhecimento das normas e das técnicas do ofício.
Para fazer coro com essa opinião, a advertência de uma artista da palavra:
“Mas eu queria dizer a você e a todos os que estão começando a escrever que, para não respeitar as regras gramaticais, é essencial conhecê-las — senão é simples erro e ignorância.” (Clarice Lispector, Correspondência, JB, 29.6.1968)
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Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquercomentário.
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