Soneto -breves notas.

Soneto - breves notas.

A propósito de um soneto que publiquei no Recanto,(Caminhos Sinuosos)observo que há alguma confusão sobre o tema. Assim é que resolvi esclarecer a questão um pouco mais. Para tanto, busquei a ajuda da Enciclopédia Barsa e de alguns autores célebres sonetistas.

A questão do soneto não está ligada ao número de sílabas poéticas de cada verso, mas sim ao número de versos, entre outras coisas.No meu caso, o poema que compus tem 14 versos, dispostos em 2 quartetos e 2 tercetos. Foi metrificado em versos decassílabos, com acento na 6ª e 10ª sílabas.Mas vamos à definição mais aceita:

“Soneto é uma composição poética de 14 versos, em geral rimados e dispostos em quatro estrofes, duas de quatro e duas de três versos. Admite número restrito de variações quanto à forma e segue normas rigorosas quanto ao conteúdo e desenvolvimento do tema.

A rigidez de seus traços possibilitou que atingisse o fim do século XX intacto, tal como o praticavam aqueles que o fixaram: Dante, Petrarca, Shakespeare, Camões e outros clássicos.”

Escreveram sonetos alguns dos criadores das grandes literaturas do Ocidente, que com suas obras determinaram a consolidação das línguas vernáculas e o início da modernidade literária. Dante, Camões e Shakespeare, para só citar os maiores, foram mestres dessa forma que sobrevive quase sem alterações há 700 anos.

Ao que tudo indica, o soneto foi criado na Sicília, onde era cantado na corte de Frederico II da mesma forma que as tradicionais baladas provençais. Na primeira metade do século XIII, porém, Giacomo da Lentino inventou o soneto como espécie de canção ou de letra escrita para música.

Tinha um princípio par, o da oitava, seguido por um princípio ímpar, o dos tercetos, devido à mudança da melodia na segunda parte. Lentino deu assim uma forma fixa concisa e breve ao soneto. O número de linhas e a disposição de suas rimas, no entanto, permaneceu variável por algum tempo. Foi Petrarca, contudo, quem difundiu o soneto em toda a Europa.

Essa composição poética aderiu, nos séculos seguintes, ao humanismo e também à devoção barroca. Chegou em Portugal trazida por Sá de Miranda e foi levado à perfeição por Camões..

O soneto resistiu ao desprezo dos iluministas e foi cultivado, no século XIX, por românticos, parnasianos e simbolistas. No século XX, sobreviveu à revolução do verso livre modernista e se destacou na obra de modernistas radicais como Guillaume Appolinaire, Rafael Alberti e Fernando Pessoa.

O Brasil teve sonetistas de primeira linha em Manuel Botelho de Oliveira, no século XVII, Cláudio Manuel da Costa, no XVIII, e Alphonsus de Guimaraens e Cruz e Sousa, no XIX. Modernistas como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade também demonstraram algumas vezes maestria no soneto. O soneto voltou a aparecer em obras de Vinícius de Morais, Jorge de Lima e Mário Faustino.

Nota: Transcrevo abaixo alguns sonetos favoritos, além do curioso soneto do maior poeta simbolista brasileiro: Cruz e Sousa, que usa como tema o próprio “soneto”, dando-lhe forma, movimento, vida. Algo que geralmente não é abordado é que CAMÕES, BOCAGE e ANTERO DE QUENTAL formam o trio-maior dos poetas portugueses que cultivaram o soneto como forma de expressão poética.No Brasil temos diversos poetas que elegeram o soneto para apresentarem seus melhores poemas

· O Soneto (Cruz e Souza)

Nas formas voluptuosas o soneto

Tem fascinante, cálida fragrância

E as leves, langues curvas de elegância

De extravagante e mórbido esqueleto.

A graça nobre e grave do quarteto

Recebe a original intolerância,

Toda a sutil, secreta extravagância

Que transborda terceto por terceto.

E como um singular polichinelo

Ondula, ondeia, curioso e belo,

O Soneto , nas formas caprichosas.

As rimas dão-lhe a púrpura vetusta

E na mais rara procissão augusta

Surge o Sonho das almas dolorosas...

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SONETO (LUIZ DE CAMÕES).

Busque Amor novas artes, novo engenho,

para matar me, e novas esquivanças;

que não pode tirar-me as esperanças,

que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!

Vede que perigosas seguranças!

Que não temo contrastes nem mudanças,

andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto

onde esperança falta, lá me esconde

Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n'alma me tem posto

um não sei quê, que nasce não sei onde,

vem não sei como, e dói não sei porquê.

MEU SER EVAPOREI...(BOCAGE)

Meu ser evaporei na lida insana

Do tropel de paixões, que me arrastava

Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava

Em mim quase imortal a essência humana.

De que inúmeros sóis a mente ufana

Existência falaz me não dourava!

Mas eis sucumbe Natureza escrava

Ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus e meus tiranos!

Esta alma, que sedenta em si não coube

No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube

Ganhe um momento o que perderam anos,

Saiba morrer o que viver não soube.

NA MÃO DE DEUS.(Antero de Quental)

Na mão de Deus, na sua mão direita,

Descansou afinal meu coração.

Do palácio encantado da Ilusão

Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais com que se enfeita

A Ignorância infantil, despojo vão,

Depus do Ideal e da Paixão

A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,

Que a mãe leva no colo agasalhada

E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...

Dorme o teu sono, coração liberto,

Dorme na mão de Deus eternamente!

O QUE SE ESCUTA NUMA VELHA

CAIXA DE MÚSICA.(Martins Fontes).

Nunca roubei um beijo.O beijo dá-se,

Ou permuta-se, mas naturalmente.

E seu sabor seria diferente

Se, em vez de ser trocado, se furtasse.

Todo beijo de amor, longo ou fugace,

deve ser um prazer que a ambos contente.

Quando, encantado, o coração consente,

Beija-se a boca, não se beija a face.

Não toquemos na flor maravilhosa,

seja qual for a sedução do ensejo,

vendo-a ofertar-se, fácil e formosa.

Como os árabes, loucos de desejo,

amemos a roseira, olhando a rosa,

roubemos mulher e não o beijo.

Via Lactea - XII (Olavo Bilac )

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto

A Via Láctea como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas."

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SONETO DA FIDELIDADE (Vinícius de Moraes).

De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

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EMILIO CARLOS ALVES
Enviado por EMILIO CARLOS ALVES em 15/01/2006
Código do texto: T99044