A ARTE DE FAZER SONETOS
Certa vez, um aprendiz perguntou ao seu Mestre como se escreve um soneto.
— Com a primeira palavra e um ponto final — respondeu o Mestre.
— Mas o que faço entre o início e o fim do soneto, Mestre?
— Coloque talento.
Anedotas à parte, escrever um soneto requer muito mais do que talento, pois exige técnica também. Escrever um soneto pode ser um desafio, mas, com prática e dedicação, qualquer pessoa pode criar sua obra-prima poética. Mas cuidado! Pode ocorrer de um soneto estar perfeito na técnica, mas não ter nada de poesia, ou seja, faltou talento. Eu, particularmente, entendo talento como trabalho — muito trabalho (estudo, leitura, escrita etc.).
De qualquer sorte, seguem algumas breves dicas para se escrever um soneto:
1. Escolha um Tema: Onde posso encontrar um assunto? O tema pode ser encontrado em qualquer lugar. Em um livro que você está lendo, em um filme, em um diálogo com a família ou amigos, ao ar livre, ou em uma matéria jornalística. O assunto é simplesmente uma ideia que você tenha vontade de expressar através de uma observação pessoal.
2. Defina o Esquema de Rima: Escolha entre o Soneto Italiano (ABBA ABBA CDC DCD) ou o Soneto Inglês (ABAB CDCD EFEF GG) e crie o padrão de rima para suas estrofes.
3. Use Linguagem Poética: Selecione palavras expressivas e sugestivas para criar imagens vívidas e despertar emoções no leitor.
4. Pentâmetro Iâmbico: Tente escrever os versos em pentâmetro iâmbico, com sílabas tônicas alternadas em cada verso, para dar um ritmo melódico à sua poesia.
5. Revise e Refine: Após escrever o soneto, revise-o atentamente. Certifique-se de que cada palavra e rima estejam no lugar certo.
QUANTO AO TEMA
Os maiores críticos de literatura não apontam temas específicos como os "melhores" para um soneto contemporâneo, mas destacam certas tendências e abordagens que tornam um soneto relevante e impactante na atualidade. Aqui estão algumas direções bem vistas pela crítica:
1. Conflitos Existenciais e Psicológicos
• A exploração da angústia, do vazio existencial e das incertezas do eu lírico, dialogando com a tradição filosófica e psicanalítica.
• Exemplo: a crise de identidade, a solidão moderna, o absurdo da vida.
2. Crítica Social e Política
• A poesia pode refletir as desigualdades, a corrupção, o consumismo, a alienação, a violência e as crises humanitárias.
• Exemplo: um soneto que ironiza o mundo das redes sociais ou denuncia a desumanização do trabalho.
3. Metalinguagem e Reflexão sobre a Arte
• A relação entre o poeta e sua obra, a escrita como forma de resistência ou o desencanto com a literatura na sociedade atual.
• Exemplo: um soneto que tematiza a morte do lirismo ou o desgaste da métrica clássica.
4. Revisitação de Temas Clássicos com Abordagem Atual
• Amor, tempo, morte, natureza, mas tratados sob um olhar contemporâneo, com novos questionamentos e desconstruções.
• Exemplo: um soneto de amor que rejeita a idealização romântica e expõe as fragilidades do sentimento.
5. Desordem Urbana e a Condição Humana
• O caos das cidades, o impacto da tecnologia na subjetividade, a impessoalidade das relações humanas.
• Exemplo: um soneto sobre a pressa mecânica do dia a dia e a anulação da individualidade.
A crítica valoriza sonetos que não apenas utilizam a forma fixa com maestria, mas que também renovam seu espírito, trazendo um olhar crítico e contundente sobre o mundo. A combinação entre métrica rigorosa e temas disruptivos pode criar um efeito poderoso.
QUANTO A RIMA
O soneto clássico tem 14 versos decassílabos e pode ter diferentes esquemas de rima. Aqui estão os principais:
1. Soneto Italiano (Petrarquiano)
• Quartetos: ABBA ABBA
• Tercetos: CDE CDE ou CDC DCD
• Variante comum: CDE DCE
Esse é o esquema original do soneto, usado por Petrarca. Mantém os quartetos fixos e permite variações nos tercetos.
2. Soneto Inglês (Shakespeareano)
• Três quartetos + dístico final: ABAB CDCD EFEF GG
Esse modelo foi popularizado por Shakespeare e permite uma conclusão forte nos últimos dois versos.
3. Soneto Francês
• Quartetos: ABBA ABBA
• Tercetos: CCD EED ou variantes como CCD EDE
Segue o modelo italiano, mas com variação mais restrita nos tercetos.
4. Soneto Monorrimo
• Todos os versos rimam entre si: AAAA AAAA AAA AAA
• Exemplo raro e de difícil execução, mas já foi explorado por alguns poetas simbolistas.
5. Soneto Misturado
• Pode combinar formas diferentes, como ABAB ABAB CDE CDE ou ABBA ABBA CCD CCD.
• Geralmente utilizado para quebrar a rigidez clássica e criar um ritmo mais dinâmico.
6. Soneto Sem Rimas (Branco)
• Mantém a estrutura métrica, mas elimina as rimas, focando no ritmo e na musicalidade interna.
• Exemplo famoso: sonetos de João Cabral de Melo Neto.
Se você estiver escrevendo um soneto contemporâneo, pode optar pelo esquema tradicional ABBA ABBA CDE CDE, mas também pode experimentar variações para adaptar ao tom do poema.
QUANTO A LINGUAGEM POÉTICA
Os críticos contemporâneos concordam que a maestria da linguagem poética não vem apenas da inspiração, mas de um conjunto de práticas rigorosas. Eis os principais caminhos apontados por eles:
1. Leitura Atenta e Comparativa
• Ler poetas clássicos e modernos, analisando estilos, estruturas e escolhas de linguagem.
• Comparar diferentes abordagens sobre um mesmo tema (exemplo: amor em Camões, Drummond e Ana Cristina Cesar).
• Estudar traduções de poesia para perceber variações na musicalidade e no ritmo.
2. Técnica Métrica e Rítmica
• Dominar as regras da versificação, especialmente se for trabalhar com formas fixas como o soneto.
• Experimentar ritmos variados: decassílabo heroico, sáfico, alexandrino, verso livre com ritmo interno.
• Praticar aliteração, assonância, anáfora, criando musicalidade intencional.
3. Precisão e Densidade da Palavra
• Evitar excessos: cada palavra deve ter um peso exato dentro do poema.
• João Cabral de Melo Neto defendia a "poesia como engenharia", com palavras bem encaixadas e sem gordura.
• Manuel Bandeira falava da necessidade de cortar tudo o que for dispensável.
4. Experimentação Controlada
• Testar novas estruturas sem perder o controle sobre o ritmo e o sentido.
• Trabalhar com metáforas menos óbvias e mais sugestivas, fugindo do clichê.
• Misturar diferentes registros de linguagem: o sublime com o prosaico, o erudito com o coloquial.
5. Reescrita e Autocrítica Rigorosa
• Nenhum grande poeta publica sua primeira versão: revisar várias vezes é essencial.
• Ler em voz alta para perceber a sonoridade e os cortes necessários.
• Pedir leituras críticas de outros escritores ou estudiosos da literatura.
6. Consciência da Tradição e Ruptura
• Conhecer a tradição literária é fundamental para dialogar com ela ou rompê-la conscientemente.
• Um soneto moderno pode manter a forma clássica, mas subverter o conteúdo ou a linguagem.
• Poetas como Drummond, Cabral e Leminski criaram estilos próprios porque souberam absorver e reinventar a tradição.
A combinação de técnica, leitura e experimentação leva à maestria.
QUANTO AO PENTÂMETRO IÂMBICO
O que é o Pentâmetro Iâmbico?
O pentâmetro iâmbico é um verso de dez sílabas métricas organizadas em cinco pés iâmbicos. Cada pé (iambo) tem duas sílabas, sendo a primeira átona e a segunda tônica (∪ –).
Exemplo de pentâmetro iâmbico em inglês (Shakespeare):
"Shall I compare thee to a summer's day?"
(∪ – | ∪ – | ∪ – | ∪ – | ∪ –)
Em português, o equivalente mais próximo é o decassílabo heroico, com tônicas na 6ª e 10ª sílabas.
Exemplo em português (Camões):
"Erguei-vos, ó heróis do meu torrão!"
(∪ – | ∪ – | ∪ – | ∪ – | ∪ –)
Melhor Técnica para Construí-lo
1. Escolha um Ritmo Natural
◦ Em português, o pentâmetro iâmbico se aproxima do decassílabo heroico.
◦ Treine frases no padrão ∪ – | ∪ – | ∪ – | ∪ – | ∪ –.
◦ Leia em voz alta para testar a fluidez.
2. Use Palavras e Enclíticos para Ajustar a Métrica
◦ Artigos, preposições e pronomes átonos ajudam a manter o ritmo.
◦ Evite acúmulo de palavras monossilábicas fortes, que podem quebrar o esquema iâmbico.
3. Enfatize as Sílabas Tônicas Corretamente
◦ Certifique-se de que as tônicas caem na 6ª e 10ª sílabas.
◦ Exemplo correto:
"O tempo voa e leva o que há de bom."
(∪ – | ∪ – | ∪ – | ∪ – | ∪ –)
4. Evite Hiatos e Ritmos Quebrados
◦ Hiatos e ditongos podem deslocar as tônicas indesejadamente.
◦ Certifique-se de que a leitura mantém o ritmo fluído.
5. Leia e Analise Sonetos Clássicos
◦ Camões, Vinícius de Moraes e outros poetas dominavam essa métrica.
◦ Leia os versos marcando tônicas e átonas para entender o fluxo.
QUANTO A REVISÃO E REFINAMENTO DO SONETO
Como, Quando e Quais as Melhores Ferramentas para Revisar e Refinar um Soneto
A revisão e o refinamento de um soneto devem ocorrer em etapas, desde a construção métrica até a escolha lexical. Aqui está um processo eficiente para alcançar a melhor versão do poema:
1. Estrutura Inicial: Construção e Organização
📌 Quando: Após a primeira versão do soneto.
📌 Ferramentas: Papel e caneta, editor de texto, leitura em voz alta.
✅ Passos:
• Verifique o esquema de rimas e veja se está coerente com o tipo de soneto escolhido.
• Confirme se os versos possuem 10 sílabas poéticas (se for um soneto decassílabo).
• Leia os versos para sentir se há fluidez ou alguma quebra indesejada no ritmo.
• Se necessário, faça ajustes iniciais sem se preocupar ainda com refinamentos estilísticos.
2. Revisão Métrica e Rítmica
📌 Quando: Após garantir a estrutura básica.
📌 Ferramentas: Contagem silábica manual, marcação das tônicas, leitura pausada.
✅ Passos:
• Certifique-se de que os versos seguem o decassílabo heroico (tônicas na 6ª e 10ª sílabas) ou outra métrica escolhida.
• Marque as sílabas tônicas e veja se há desvios que comprometam a harmonia.
• Leia os versos batendo o ritmo com os dedos ou usando marcações visuais.
• Se um verso estiver truncado, ajuste trocando palavras ou reorganizando a ordem sem perder o sentido.
3. Refinamento Estilístico e Expressivo
📌 Quando: Após a métrica estar correta.
📌 Ferramentas: Tesouro de sinônimos, dicionários de rimas e etimologia.
✅ Passos:
• Evite repetições desnecessárias (exceto se forem intencionais, como anáforas).
• Substitua palavras fracas por termos mais expressivos e precisos.
• Trabalhe a sonoridade com aliterações e assonâncias suaves.
• Verifique se as metáforas e imagens são originais e evitam clichês.
• Teste a inversão sintática para melhorar a fluidez e a força poética.
4. Revisão Final: Coerência e Impacto
📌 Quando: Após um intervalo (de algumas horas a dias), para ler com olhar mais crítico.
📌 Ferramentas: Leitura em voz alta, gravação de áudio, revisão por terceiros.
✅ Passos:
• Leia o soneto inteiro e veja se o sentido é claro e forte do início ao fim.
• Grave-se lendo e escute para notar falhas no ritmo ou na musicalidade.
• Teste cortes e enxugamentos para evitar excessos sem comprometer o impacto.
• Se possível, peça a opinião de outro poeta ou crítico para um olhar externo.
Conclusão: O Ciclo de Revisão
O refinamento de um soneto deve ser um processo cíclico:
1️⃣ Estrutura e métrica
2️⃣ Ritmo e musicalidade
3️⃣ Precisão e estilo
4️⃣ Revisão final e impacto
🔹 Dica: Se o poema parecer "truncado" depois de muitas alterações, volte à versão inicial e veja o que se perdeu no processo. Às vezes, menos edição é mais.