Soneto: da métrica perfeita à oposição de idéias
O soneto sempre foi um poderoso difusor da poesia por todo o mundo e por várias décadas. Mesmo quando o modernismo quis romper com a exacerbada mania parnasiana de instituí-lo como regra para as composições literárias de uma época, o soneto ressurgiu em meio a desconfianças, e voltou a se estabelecer, senão como uma forma padrão de poesia, mas como uma opção elegante e eficiente de escrita, que até hoje encanta leitores e entusiastas do gênero poético. No Brasil, o soneto também teve seus tempos gloriosos, para depois decair, e ressurgir mais tarde nas mãos de habilidosos artífices das letras. Como principal representante da poesia metrificada, exata, digamos, calculada, nos dias de hoje o soneto sofre com o dualismo. Alguns o amam, pela beleza e musicalidade de seus versos bem estruturados. Outros tantos o odeiam, por acharem que sua estética limita a criatividade poética, ao definir parâmetros prévios à composição. Pois, essa oposição de idéias não está presente somente em sua história, mas também nas temáticas de alguns sonetos clássicos, como veremos a seguir.
Gregório de Matos
"O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.
Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo."
(...)
Gregório de Matos, com seu soneto “Ao braço do Mesmo Menino Jesus Quando Appareceo” questiona a presença divina com o uso de antíteses, revelada na oposição entre “todo” e “parte”, característica central do movimento artístico conhecido como Barroco.
Augusto dos Anjos
"Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!"
(...)
Em “Versos íntimos”, um dos poemas mais famosos do poeta pré-modernista, a oposição entre atos carinhosos e demonstrações de violência complementam o começo, regido pelo discurso pessimista e claramente em defesa à retaliação, adiantando o que se veria no modernismo.
Vinicius de Moraes
"E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angustia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure"
(...)
Vemos em “Soneto de Fidelidade” a evidente oposição entre o que é finito e o que é infinito, nesse caso em particular, o amor entre duas pessoas. Essa dualidade vai de encontro com as promessas feitas entre os apaixonados, que sempre juram amor eterno, mas que, ocasionalmente, acabam se separando.