ANÁLISE DO SONETO A FLOR DO SONHO de Florbela Espanca
A FLOR DO SONHO de Florbela Espanca
Por Edinaldo Formiga
A A Flor do Sonho, alvíssima, divina, /INA
B Miraculosamente abriu em mim, /IM
B Como se uma magnólia de cetim /IM
A Fosse florir num muro todo em ruína. /INA
A Pende em meu seio a haste branda e fina /INA
B E não posso entender como é que, enfim, /IM
B Essa tão rara flor abriu assim! ... /IM
A Milagre... fantasia... ou, talvez, sina... /INA
C Ó flor que em mim nasceste sem abrolhos, /OLHOS
C Que tem que sejam tristes os meus olhos /OLHOS
D Se eles são tristes pelo amor de ti?!... /I
E Desde que em mim nasceste em noite calma, /ALMA
E Voou ao longe a asa da minh'alma /ALMA
D E nunca, nunca mais eu me entendi... /I
ANÁLISE POÉTICA
A Flor do Sonho é um soneto que faz parte do Livro das Mágoas da poetisa portuguesa Florbela Espanca. A Flor pode estar intimamente relacionado a um Amor. Uma pessoa que despertou em sua mente um estereótipo de pessoa perfeita para ser amada. Em do Sonho, percebemos certa semelhança entre sonho e sonho. No primeiro quarteto constatamos a presença marcante das nasais (N, M). E essa sonoridade aliterada estende-se ao longo do poema, dando uma leve impressão de estado de transe vivido pelo Eu-lírico, uma posição inconsciente entre estar em si ou estar no mundo do devaneio. Há também outro aspecto que nos chama a atenção, que é a assonância em î (alvíssima, divina, mim, cetim, florir e ruína). Essa construção rítmica sugere que o Eu lírico está pensando e ainda em seu estado presente no mundo físico. Mas penetrar com intensidade no físico ele alcança um outro estado o transcendental. A começar pelo adjetivo divina e advérbio miraculosamente, usados de forma bem expressiva no quarteto.
Assonância em î na primeira estrofe com maior freqüência, mas se estende ao longo do soneto. O uso de adjetivos como divina e ruína representam a oposição de dois momentos dessa Flor. No primeiro momento ela se revela como algo que é pura, intacta e originária de um milagre divino, já no segundo momento se apresenta em ruína, nos carregando à possibilidade de que ela foi arrastada por Alguém ou por um motivo muito forte, talvez mais significante que ela própria.
Percebemos uma mudança súbita que acontece entre os dois quartetos em relação ao verbo abriu (abrir = usado na 3ª p. sing. pretérito perfeito). De inicio a Flor se abriu por um milagre e isso foi aceito pelo Eu-lírico sem nenhuma perturbação, mas na segunda estrofe ela tem dúvida de como essa Flor se abriu, a incomodação por não entender a origem e o significado desse surgimento. O fato de não entender o suspense é levado ao longo do poema até o verso final em D.
No primeiro terceto o Eu-lírico indaga a Flor pela tristeza que ela lhe causa. Dá a leve impressão que essa Flor apesar de ser a mesma que se originou alvíssima, divina, ela também leva consigo algo diferente da pureza e sensibilidade, ela leva o que pode afastar outra pessoa. Talvez a tristeza nos olhos revele o amor que o Eu lírico sentiu por essa Flor e que não conseguiu expressar esse sentimento.
Quanto a distribuição ao longo do poema nos versos apresenta as interpoladas em A/A (INA) e emparelhadas em B/B (IM) nos dois quartetos. Essa igualdade mostra que os dois quartetos estão no mesmo estágio de expressão sentimental. Eles passam uma imagem da Flor na sua essência pura, mesmo que sua origem seja misteriosa e como algo que surge para ser objeto de desejo marcado pela presença do inexplicável. Essa Flor passeia por dois níveis de segurança, ora apresenta ser forte causando tanto efeito que o poderia levar à ruína, ora frágil demais, capaz de não suportar sua própria existência em branda e fina. Já nos tercetos encontramos rimas emparelhadas em C/C (OLHOS) e também em E/E (ALMA). Os dois tercetos revelam o inverso dos quartetos. A funcionalidade das emoções se altera em picos diferentes. Não sei se a autora percebeu o quadro semântico que se formou no poema a partir das construções rítmicas, mas que foi de grande estilo literário não podemos negar. Observe bem! Como os quartetos trazem praticamente a mesma idéia sobre a Flor então ela usa rimas consoantes (sonoridade a partir da vogal tônica) e externas (posição das rimas no verso) nos dois. Já nos tercetos a idéia cambia, por isso ela usa rimas consoantes (sonoridade a partir da vogal tônica) e externas (posição das rimas no verso) OLHOS em C/C e ALMA em E/E. O que acontece é que a idéia poética do Soneto varia, partindo dos dois quartetos, vai ao último terceto e conclui-se no segundo terceto.
O poema apresenta uma relação inicial que a Flor tem numa origem voltada ao transcendente, passando pela definição da razão no último terceto com ALMA e concluída na terceira estrofe com o físico-material do ser, em OLHOS. A cALMA da ALMA lhe trouxe um resultado distante do desejado por não descobrir o que ela tinha na sua constituição. Essa Flor misteriosa que deveria trazer muita alegria e prazer à vida trouxe o inesperado para o Eu-lirico. Na estrofe final percebemos as conseqüências do surgimento dessa Flor na vida do Eu lírico. No verso último do poema com rima D vemos a tentativa frustrada de entender o nascimento dessa Flor, confirmado na repetição do advérbio de tempo nunca.
Quanto a posição do acento tônico temos as rimas agudas (quando apresenta o acento tônico na última [oxítona]) em B/B nos quartetos e C/C na terceira estrofe e ainda no verso livre D nos dois tercetos. E rimas graves (as que apresentam acento tônico na penúltima sílaba [paroxítona]) em A/A nos quartetos e também na última estrofe E/E.
Quanto ao critério gramatical observamos rimas ricas (categoria gramatical diferente) em B/B do 1º quarteto (pronome/substantivo), A/A do 2º quarteto (adjetivo/substantivo) e também em E/E (adjetivo/substantivo). E pobres (categoria gramatical igual) em A/A da 1ª estrofe (substantivo/substantivo) B/B da 2ª estrofe (advérbio/advérbio) e, ainda, em C/C (substantivo/substantivo).
Os versos D são semanticamente contrapostos. O verso da terceira estrofe causa ao leitor uma leve sensação de dúvida e espanto, mas o último verso do 2º terceto revela algo a respeito do Eu-lirico. Algo foi encontrado por ele nessa Flor que o leva além de si, sua Alma é levada para fora de si, e quando isso a acontece que era a mais desejada se mostra como a Flor do Sonho que lhe trouxe ruína.
ANÁLISES POÉTICAS. Edinaldo Formiga. São Paulo: 21/06//10.
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