PEQUENAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O SONETO

Soneto (originariamente o vocábulo significava "pequeno som") poesia de forma fixa, ou seja, utiliza métrica (medida de versos) e esquema de rimas (ritmo). É composto por 14 (catorze) versos, distribuídos em 02 (dois) quartetos e 02 (dois) tercetos (soneto italiano), geralmente utiliza versos decassílabos (dez sílabas poéticas) ou alexandrinos (doze sílabas poéticas). Também pode ser formado por 03 (três) quartetos e 01 (um) dístico (dois versos) - soneto inglês.

Esquema mais freqüente de rimas: abba - abba- cde - cde (soneto italiano).

No Modernismo Brasileiro (1922 - Atualidade) foi muito cultivado o soneto branco, isto é, catorze versos sem rimas, porém, com métrica (versos decassílabos ou alexandrinos).

Principal cultor no Brasil: Mário de Andrade (1893-1945).

SONETOS ITALIANOS

SONHO DE POETA

Cantas tua musa e tuas verdades.

Tu és alegre, tu és sensível.

Queres para o Mundo: felicidades.

Poeta torne seu sonho possível.

Desejas para todos: liberdades.

Tu possuis idealismo invencível.

Sonhador... Artesão das sensibilidades...

poeta criatura indestrutível.

Defendas os valores cotidianos.

Que tua vontade dure por anos.

Canta o choro do coração fendido.

vítima flechada pelo Cupido.

Cantas para o Amor que não frutificou

da triste alma que o destino separou.

"Que ninguém doma um coração de poeta!"

Augusto dos Anjo (1884 - 1914)

A FAMÍLIA CAJU

Era uma vez a FAMÍLIA CAJU

composta por Papai, Sofia e Ju.

Sofia (CAJU): faz balé e natação,

livros, textos, cinema e televisão.

Por que CAJU? Chamam-na de Juju,

todos dizem - vem cá Ju - (CAJU) ficou.

A família (CAJU) vive a viajar,

rota: Rio-Petrópolis e mar.

Papai (CAJU) come: jiló com chuchu.

Juju (CAJU) gosta de aipo e angu.

CAJU tem os cabelos cacheados

corre para não serem penteados.

Cresce a família caju.

Aos domingos: churrasco e peixe cru.

SONETO BRANCO

SONHO DE AMOR

Sonhei em sonho de amor que estava

em terra de paz e felicidade.

Cicerone: fantástica loura.

Musa: grandes, lindos olhos azuis.

Um corpo magro, modelado, esguio...

Adorei esta loura e, encantado,

quis com as forças do meu coração

namorar esta maviosamulher.

Infelizmente, intrépido não sou,

não tenho Símbolo de Nobreza,

humilde discípulo em Letras sou.

Mesmo assim, Ela deu-me o "telefone",

"liguei"..., obstou a família e NÃO!!!

Adorável sonho... Sex Rapunzel!!!

PEQUENA ANTOLOGIA DE SONETOS

Melhores sonetistas de Portugal:

Luís Vaz de Camões (1524 - 1580) - Renascimento.

Nasceu (provavelmente) em Lisboa.

1572 - Primeira edição de Os Lusíadas.

Poesias: Rimas (1595).

Principais sonetos:

Sete anos de pastor Jacó servia

Labão, pai de Raquel, serrana bela;

Mas, não servia ao pai, servia a ela,

e a ela só por prêmio pretendia.

Os dias na esperança de um só dia,

passava, contentando-se com vê-la;

Pórem o pai, usando de cautela,

Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos

Lhe fora assim negada a sua pastora,

Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,

Dizendo: - Mais servira, se não fora

Para tão longo amor tão curta a vida!

Transforma-se o amador na cousa amada,

Por virtude do muito imaginar;

Não tenho mais que desejar,

Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,

Que mais deseja o corpo de alcançar?

Em si somente pode descansar,

pois consigo tal alma está liada. (ligada)

Mas está linda e pura semideia, (semideusa)

Que, como o acidente em seu sujeito,

Assim com a alma minha se conforma,

Está no pensamento como idéia;

[E] o vivo e puro amor de que sou feito,

Como a matéria simples busca a forma.

Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,

Repousa lá no Céu eternamente

E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo onde subiste,

memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

Alguma cousa a dor que me ficou

Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus que teus anos encurtou,

Que tão cedo me leve a ver-te,

Quão cedo de olhos te levou.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o Mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança;

Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem, se algum houve, as saudades,

O tempo cobre o chão de verde manto,

que já coberto foi de neve fria,

e em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,

outra mudança faz de mor espanto,

que não se muda já como soía.

Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;

É solitário andar por entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;

É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence, o vencedor;

É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Eu cantarei o amor tão docemente,

por uns termos em si tão concertados,

que dois mil acidentes namorados

faça sentir ao peito que não sente.

Farei que o amor a todos avivente,

pintando mil segredos delicados,

brandas iras, suspiros magoados

temerosa ousadia e pena ausente.

Também, senhora do despreza honesto

de vossa vista branda e rigorosa,

contentar-me-ei dizendo a menos parte.

Porém, para cantar de vosso gesto

a composição alta e milagrosa,

aqui falta saber, engenho e arte.

In Rimas.

Edição de A. J. da Costa Pimpão.

Coimbra, Atlântida Editora, 1973.

No soneto (poesia de forma fixa e de origem italiana, que significa “pequeno som” composto de quatorze versos, divididos em dois quartetos e dois tercetos) o poeta se propõe a cantar o Amor (maiúsculo, espiritual, idealizado) e não, o amor físico (minúsculo), e pretende cantá-lo de maneira suave (“docemente”), usando palavras em harmonia (“concertadas”), ou seja, que combinam, encaixam..., sem esquecer-se dos vários sinais de amor (“acidentes namorados”) que fazem “doer” o peito (“que não sente”) isto é, aquele que se define como “imune” aos ataques (infelizmente, certeiros) do Cupido e também aquele (teimoso) que insiste em dizer: Eu não amo! Eu não amarei! Eu não amo! Eu não amarei! No segundo quarteto um reforço de sua intenção, isto é, fazer com que o amor a todos dê vida “Farei que o amor a todos avivente...”, ou seja, que tenham felicidades e saibam cultivar o sentimento divino. Pretende também falar da saudade (sentimento constante na poesia portuguesa) isto é, a dor da ausência, a dor da perda, o sentimento que fica quando a pessoa amada não está próxima. O autor do poema não se esquece de admirar em sua amada a questão do recato (pureza) e do decoro (bom comportamento), e no final, expressa, em curtas palavras, a sua grande modéstia ao cantar o rosto (“gesto”) da pessoa desejada, diz que não possui inspiração (talento) e nem eloquência (“arte”), fato que sabemos não ser verdadeiro, uma vez que, possui uma obra universal, admirável, talentoso, eterna (Poesia lírica: Rimas, publicada em 1595 – Epopeia: Os Lusíadas de 1572 – Teatro: Anfitriões, El-Rei Seleuco, Filodemo – comédias).

PEQUENO VOCABULÁRIO:

“Concertados – harmoniosos.

Acidentes namorados – manifestações exteriores do amor, sinais de amor.

Aviventar – dar vida.

Pena ausente – saudade, sofrimento pela ausência.

Desprezo honesto – recato, decoro.

A menos parte – a parte menos importante.

Gesto – rosto.

Engenho – inspiração talento.

Arte – eloquência”.

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765 - 1805). Neoclacissismo ou Arcadismo (1756 - 1825).

"Elmano Sadino".

Nasceu em Setúbal.

Poesias: Idílios Marítimos; Rimas (3 volumes) e Parnaso Bocagiano - poesias eróticas, burlescas e satíricas.

Principais sonetos:

Soneto V

Meu ar evaporei na lida insana

Do tropel de paixões que me arrastava;

Ah!, cego eu cria, ah!, mísero eu sonhava

Em mim quase imortal a essência humana.

De que inúmeros sóis a mente ufana

Existência falaz me não doirava!

Mais eis sucumbe Natureza escrava

Ao mal que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus e meus tiranos!

Esta alma que sedenta em si não coube,

No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus, oh Deus!...Quando a morte à luz me roube,

Ganhe um momento o que perderam anos,

Saiba morrer o que viver não soube.

Retrato Próprio (Soneto LXXXI)

Magro, de olhos azuis, carão moreno,

bem servido de pés, meão na altura,

triste de facha, o mesmo de figura,

nariz alto no meio, e não pequeno.

Incapaz de assistir num só terreno,

mais propenso ao furor do que à ternura;

bebendo em níveis mãos por taça escura

de zelos infernais letal veneno.

Devoto incensador de mil deidades

(digo, de moças mil) num só momento,

e somente no altar amando os frades.

Eis Bocage, em quem luz algum talento;

saíram dele mesmo estas verdades

num dia em que se achou mais pachorrento.

Antero de Quental (1842 - 1891) - Realismo.

Nasceu em Açores (Ponta Delgada).

Obras:

1ª fase - Odes modernas (1865); Primaveras românticas (1862) e Raios de extinta luz (1892).

2ª fase - Sonetos completos.

Principais sonetos:

Mais luz!

A Guilherme de Azevedo

Amem a noite os magros crapulosos,

E os que sonham com virgens impossíveis,

E os que se inclinam mudos, impassíveis,

À borda dos abismos silenciosos...

Tu, lua, com teus raios vaporosos,

Cobre-os, tapa-os e torna-os e insensíveis,

Tanto aos vícios cruéis e inextínguiveis,

Como aos longos cuidados dolorosos!

Eu amarei a santa madrugada,

E o meio dia em vida refervendo,

E a tarde rumorosa e repousada.

Viva e trabalhe em plena luz: depois,

Seja-me dado ainda ver morrendo,

o claro sol, amigo dos heróis!

Soneto II

Num céu intemerato e cristalino

Pode habitar talvez um Deus distante,

Vendo passar um sonho cambiante

O Ser como espetáculo divino.

Mas o homem, na terra onde o destino

O lançou, vive e agita-se incessante:

Encher o ar da terra o seu pulmão possante...

Cá na terra blasfema ou ergue o hino...

a idéia encarna em peitos que palpitam:

O seu pulsar são chamas que crepitam,

Paixões ardentes como vivos sóis!

Cambatei pois na terra árida e bruta,

Té que a revolta o remoinhar da luta,

Té que a fecunde o sangue dos heróis!

A JOÃO DE DEUS

Se é lei, que rege o escuro pensamento,

Ser vã toda a pesquisa da verdade,

Em vez da luz achara escuridade,

Ser uma queda nova cada invento;

É lei também, embora cru tormento,

Buscar, sempre buscar a claridade,

E só ter como certa realidade

O que nos mostra claro o entendimento.

O que há-de a alma escolher, em tanto engano?

Se uma hora crê de fé, logo duvida:

Se procura, só acha... o desatino!

Só Deus pode acudir em tanto dano:

Esperemos a luz de uma outra vida,

Seja a terra degredo, o céu destino.

Grandes cultores no Brasil:

Gregório de Matos e Guerra (1636-1696) - Barroco.

Nascido em Salvador, Bahia.

Por ser muito crítico à sociedade de seu tempo foi apelidado de "Boca de Inferno".

Somente no século XX é que a Academia Brasileira de Letras deu lume as suas obras, organizadas da seguinte maneira:

I - Sacra (1929);

II - Lírica (1923);

III - Graciosa (1930);

IV e V - Satírica (1930);

VI - Última (1930).

Sonetos mais conhecidos:

"Buscando a Cristo". (Sacro)

"Sonetos a D. Ângelade Sousa Paredes". (Lírico)

Anjo no nome, Angélica na cara,

Isso é ser flor, e Anjo jntamente,

Ser Angélica flor, e Anjo florente,

Em quem, senão em vós uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara

De verde pé, de ramo florescente?

E quem um anjo vira tão luzente,

Que por ser Deus, o não idolatrara?

Se como anjo sois dos meus altares,

Fôreis o meu custódio, e minha guarda,

Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,

Posto que os anjos nunca dão pesares,

Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

florente - brilhante;

por seu Deus - como seu Deus;

custódio - aquele que guarda: o anjo da guarda;

galharda - elegante, esbelta, gentil.

"A Jesus Cristo Nosso Senhor". (Sacro)

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,

Da vossa alta clemência me despido;*

Porque, quanto mais tenho delinqüido,

Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vós irar tanto pecado,

a abrandar-vos sobeja* um só gemido:

Que a mesma culpa, que vos há ofendido,

Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida, e já cobrada*

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na Sacra História:*

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,

Cobrai-a; e não queirais, Pastor divino,

Perder na Vossa ovelha a vossa glória.

despido: despeço.

sobeja: é necessário.

cobrada: recuperada.

Sacra História: as Sagradas Escrituras.

"A instabilidade das coisas do mundo". (Lírico)

"À cidade da Bahia". (Satírico)

"Aos Caramurus da Bahia". (Satírico)

"Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia". (Satírico)

"Desenganos da vida humana, metaforicamente"

É a vaidade, Fábio, nesta vida,

Rosa, que de manhã lisonjeada,

Púrpuras mil, com ambição dourada,

Airosa rompe, arrasta presumida.

É planta, que de abril favorecida,

Por mares de soberba desatada,

Florida galeota empavesada,

Sulca ufana, navega destemida.

É nau enfim, que em breve ligeireza

Com presunção de Fênix generosa,

Galhardias apresta, alentos preza:

Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa

De que importa, se aguarda sem defesa

Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?

Cláudio Manuel da Costa ("Glauceste Satúrnio").

(1729-1789) - Arcadismo.

Nascido em Mariana, Minas Gerais.

Participou do movimento denominado "Inconfidência Mineira".

Poesias:

Obras poéticas (1768) - obra literária que inaugurou o Arcadismo (1768 - 1836) no Brasil.

Principais sonetos:

Soneto XCVIII

Destes penhascos fez a natureza

O berço, em que nasci: oh quem cuidara

Que entre penhas tão duras se criara

Uma alma terna,um peito sem dureza!

Amor, que vence os Tigres, por empresa

Tomou logo render-me; ele declara

Contra o meu coração guerra tão rara,

Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,

A que dava ocasião minha brandura,

Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós que ostentais a condição mais dura,

Temei penhas, temei; que Amor tirano,

Ondehá mais resistência mais se apura.

Soneto XIII

Nise? Nise? onde estás? Aonde espera

Achar-te uma alma, que por ti suspira;

Se quando a vista se dilata e gira,

Tanto mais de encontrar-te desespera!

Ah se ao menos teu nome ouvir pudera

Entre esta aura suave que respira!

Nise, cuido, que diz; mas é mentira.

Nise cuidei que ouvia; e tal não era.

Grutas, troncos, penhascos da espessura,

Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,

Mostrai, mostrai-me a sua formosura.

Nem ao menos o eco me responde!

Ah como é certa a minha desventura!

Nise? Nise? onde estás? aonde estás?

Soneto II

Leia a posteridade, ó pátrio Rio,

Em meus versos teu nome celebrado;

Por que vejas uma hora despertado

O sono vil do esquecimento frio:

Não vês nas tuas margens o sombrio,

Fresco assento de um álamo copado;

Não vês ninfa cantar, pastar o gado

Na tarde clara do calmoso estio.

Turvo banhando as pálidas areias

Nas porções do riquíssimo tesouro

O vasto campo da ambição recreias.

Que de seus raios o planeta louro

Enriquecendo o influxo em tuas veias,

Quando em chamas fecunda, brota em ouro.

Soneto XIV

Quem deixa o trato pastoril amado

Pela ingrata, civil correspondência,

Ou desconhece o rosto da violência,

Ou do retiro a paz não tem provado.

Que bem é ver nos campos transladado

No gênio do pastor, o da inocência!

E que mal é no trato e na aparência

Ver sempre o cortesão dissimulado!

Ali respira amor sinceridade;

Aqui sempre a traição seu rosto encobre;

Um só trato a mentira, outro a verdade.

Ali não há fortuna, que soçobre;

Aqui quanto se observa, é variedade:

Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!

Olavo Bilac (1865-1918) - Parnasianismo (1870 - 1922).

Nasceu no Rio de Janeiro.

Membro fundador da Academia Brasileira de Letras (1896).

Em 1907, foi eleito "Principe dos Poetas".

Poesias:

Poesias (1888), Poesias infantis (1904), Tarde (1919).

Sonetos de maior realce:

XIII

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda noite, enquanto

A via-láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direi agora: "Treloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas". (VIA-LÁCTEA)

XXV

A Bocage

Tu, que no pego impuro das orgias

Mergulhavas ansioso e descontente,

E, quando à tona vinhas de repente,

Cheias as mãos de pérolas trazias;

Tu, que do amor e pelo amor vivias,

E que, como de límpida nascente,

Dos lábios e dos olhos torrente

Dos versos e das lágrimas vertias;

Mestre querido! viverás, enquanto

Houver quem pulse o mágico instrumento,

E preze a língua que prezavas tanto:

E enquanto houver num canto do universo

Quem ame e sofra, e amor e sofrimento

Saiba, chorando, traduzir no verso. (IDEM)

Nel mezzo del camin...

Cheguei. Chegaste. Vinha fatigada

E triste, e triste e fatigado eu vinha,

Tinhas a alma de sonhos povoada,

E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada

Da vida: longos anos, presa à minha

A tua mão, a vista deslumbrada

Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida

Nem o pranto os teus olhos umedece,

Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,

Vendo o teu vulto que desaparece

Na extrema curva do caminho extremo. (SARÇAS DE FOGO)

Língua portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela,

És, a um tempo, esplendor e sepultura:

Ouro nativo, que na ganga impura

A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,

Tuba de alto clangor, lira singela

Que tens o trom e o silvo da procela,

E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma

De virgens selvas e de oceano largo!

Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",

E em que Camões chorou, no exílio amargo,

O gênio sem ventura e o amor sem brilho! (TARDE)

A um poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,

Beneditino, escreve! No aconchego

Do clustro, na paciência e no sossego,

Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego

Do esforço; e a trama viva se constitua

De tal modo, que a imagem fique nua,

Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostra na fábrica o suplício

Do mestre. E, natural, o efeito agrade,

Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,

Arte pura, inimiga do artifício,

É a força e a graça na simplicidade. (IDEM)

A Iara

Vive dentro de mim, como num rio,

Uma linda mulher, esquiva e rara,

Num borbulhar de argênteos flocos, Iara

De cabeleira de ouro e corpo frio.

Entre as ninféias a namoro e espio:

E ela, do espelho móbil da onda clara,

Com os verdes olhos úmidos me encara,

E oferece-me o seio alvo e macio.

Precipito-me, num ímpeto de esposo,

Na desesperação da glória suma,

Para a estreitar, louco de orgulho e gozo...

Mas nos meus braços a ilusão se esfuma:

E a mãe-d'água, exalando um ai piedoso,

Desfaz-se em mortas pérolas de espuma. (TARDE)

Raimundo Correia (1859 - 1911) - Parnasianismo.

Nascido no Maranhão.

Juntamente com Alberto de Oliveira e Olavo Bilac formaram a "Trindade Parnasiana".

Poesias: Sinfonias (1883).

Principais soneto: "As pombas" e "Mal secreto".

Alberto de Oliveira (1857 - 1937) - Parnasianismo.

Palmital de Saquarema, Rio de Janeiro.

1924 - Eleito "Príncipe dos Poetas" no vaga de Olavo Bilac.

Poesias: Meridionais.

Sonetos mais conhecidos: "Vaso grego", "Vaso chinês" e "A estátua".

Vinícius de Moraes (1913 - 1980) - Modernismo.

Nasceu no Rio de Janeiro.

Poesias: Obra poética (1968) e Poesia completa e prosa (1974).

PRINCIPAIS SONETOS:

SONETO DE FIDELIDADE

De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim quanto mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive);

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

O soneto (composição poética de forma fixa, de origem italiana, que significa – pequeno som - composta de quatorze versos, divididos em dois quartetos – estrofes de quatro versos – e dois tercetos – estrofes de três versos e com o seguinte esquema rítmico: abba – abba – cde – dec) de fidelidade de autoria de Vinicius de Moraes (Marcus Vinicius da Cruz e Melo Moraes – natural do Rio de Janeira, nascido em 19/10/1913 e falecido em 09/07/1980 – Modernismo Brasileiro) poeta que, nos anos sessenta, emigrou para a Música Popular Brasileira, pode ser classificado como um dos mais belos da poesia brasileira.

No primeiro conjunto de versos, percebemos uma declaração explícita ao Amor, isto é, atenção total ao sentimento amoroso e o cuidado que devemos prestar a esse sentimento, haja vista o nome do soneto (de fidelidade), no sentido de valorização, adoração, e que mesmo em vista de outros “encantos”, o Amor não deve esmorecer e sim, fortificar-se em seu pensamento.

Na segunda estrofe (conjunto de versos, entendendo-se que, graficamente, cada linha do poema significa um verso) temos um grande louvor ao Amor, ou seja, “vivê-lo em cada vão momento”, e em sua homenagem espalhar um riso solto, agradável, leve, revigorador, e também nas horas tristes, derramar o pranto, a tristeza, e até mesmo a felicidade.

No primeiro terceto do poema (estrofe de três versos) percebemos que o ”pequeno poeta” (apelido de Vinicius de Moraes) almeja uma morte tardia (que, infelizmente, ocorreu aos sessenta e seis anos de idade), que é a angústia de quem vive (a dúvida de não saber a data), ou seja, a contradição eterna entre vida e morte, e finaliza com outra questão crucial: a solidão (a triste solidão) fim de quem ama.

No segundo e último terceto, o autor procura concluir o seu raciocínio poético, contando de suas relações com o Amor, pedindo que não sejam imortais, uma vez que, são chamas, ou seja, quentes, ardentes, mas que podem apagar-se com o sopro do destino, mas que sejam infinitas, isto é, eternas, enquanto durarem.

SONETO DE SEPARAÇÃO

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como uma bruma

E das bocas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do movimento imóvel fez-se o drama.

De repente não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se de vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

Soneto de contrição

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto

Que o meu peito me dói como uma doença

E quanto mais me seja dor intensa

Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto

Ante o mistério da amplidão suspensa

Meu coração é um vago e acalanto

Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma

Nem melhor a presença que a saudade

Só te amar é divino, e sentir calma...

E é uma calma tão feia de humildade

Que tão mais te soubesse pertencida

Menos seria eterno em tua vida.

Soneto do Amor

Total Amo-te tanto meu amor... não cante

o humano coração com mais verdades...

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre e diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,

E te amo além, presente na saudade.

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada istante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

MOISÉS. Massaud. A LITERATURA BRASILEIRA ATRAVÉS DOS TEXTOS. 23ª ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2002.

------- PEQUENO DICIONÁRIO DE LITERATURA BRASILEIRA. 6ª ed. São Paulo: Cultrix, 2001.

NICOLA, José de. LITERATURA BRASILEIRA DAS ORIGENS AOS NOSSOS DIAS. São Paulo: Scipione, 1998.

CAMPEDELLI, Samira Youssef. LITERATURA - HISTÓRIA E TEXTO.4ª ed. v.1 - São Paulo: Editora Saraiva, 1996.

------- E ABDALA JÚNIOR, Benjamim. TEMPOS DA LITERATURA BRASILEIRA. 6ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2001. (Série Fundamentos)

HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque de. NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. 2ª edição revista e aumentada. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.

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