LUÍS DE CAMÕES (1524 - 1580) - RENASCIMENTO OU CLASSICISMO EM PORTUGAL (1527 - 1580) - DOIS SONETOS: COMENTÁRIOS
SONETO: "Eu cantarei o amor tão docemente"
Obs: quando o soneto não tem um título nomeado pelo autor, convencionou-se de que o título será o primeiro verso do quarteto inicial.
Eu cantarei o amor tão docemente,
por uns termos em si tão concertados,
que dois mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.
Farei que o amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros magoados
temerosa ousadia e pena ausente.
Também, senhora do despreza honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar-me-ei dizendo a menos parte.
Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho e arte.
In Rimas.
Edição de A. J. da Costa Pimpão.
Coimbra, Atlântida Editora, 1973.
No soneto (poesia de forma fixa e de origem italiana, que significa “pequeno som” composto de quatorze versos, divididos em dois quartetos e dois tercetos) o poeta se propõe a cantar o Amor (maiúsculo, espiritual, idealizado) e não, o amor físico (minúsculo), e pretende cantá-lo de maneira suave (“docemente”), usando palavras em harmonia (“concertadas”), ou seja, que combinam, encaixam..., sem esquecer-se dos vários sinais de amor (“acidentes namorados”) que fazem “doer” o peito (“que não sente”) isto é, aquele que se define como “imune” aos ataques (infelizmente, certeiros) do Cupido e também aquele (teimoso) que insiste em dizer: Eu não amo! Eu não amarei! Eu não amo! Eu não amarei!
No segundo quarteto um reforço de sua intenção, isto é, fazer com que o amor a todos dê vida “Farei que o amor a todos avivente...”, ou seja, que tenham felicidades e saibam cultivar o sentimento divino.
Pretende também falar da saudade (sentimento constante na poesia portuguesa) isto é, a dor da ausência, a dor da perda, o sentimento que fica quando a pessoa amada não está próxima. O autor do poema não se esquece de admirar em sua amada a questão do recato (pureza) e do decoro (bom comportamento), e no final, expressa, em curtas palavras, a sua grande modéstia ao cantar o rosto (“gesto”) da pessoa desejada, diz que não possui inspiração (talento) e nem eloquência (“arte”), fato que sabemos não ser verdadeiro, uma vez que, possui uma obra universal, admirável, talentoso, eterna (Poesia lírica: Rimas, publicada em 1595 – Epopeia: Os Lusíadas de 1572 – Teatro: Anfitriões, El-Rei Seleuco, Filodemo – comédias).
PEQUENO VOCABULÁRIO:
“Concertados – harmoniosos.
Acidentes namorados – manifestações exteriores do amor, sinais de amor.
Aviventar – dar vida.
Pena ausente – saudade, sofrimento pela ausência.
Desprezo honesto – recato, decoro.
A menos parte – a parte menos importante.
Gesto – rosto.
Engenho – inspiração talento.
Arte – eloquência”.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
LEITE, Ricardo... (et al.). Novas palavras: literatura, gramática, redação e leitura. V. 1.
São Paulo: FTD, 1997, pág. 76. (Coleção Novas palavras)
Outros autores: Emília Amaral, Mauro Ferreira, Severino Antônio (obra em três volumes).
SONETO: "Busque o Amor novas artes, novo engenho"
Busque o Amor novas artes , novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei por quê.
(IDEM)
No primeiro quarteto do soneto (poesia de forma fixa, de origem italiana que significa - pequeno som - sendo composta de quatorze versos, divididos em dois quartetos e dois tercetos) o poeta fala da busca (incessante) do Amor (maiúsculo) e que, o mesmo, está sempre a procurar maneiras de vencer, ou seja, de encontrar novos adeptos; pois está sempre a imaginar novos meios (arte= eloquência) para convencer, magnetizar, escravizar todo aquele que não tiver amado, isto é, todo aquele que não quer se submeter ao poder do Amor, mas continua a ter esperanças de um dia o encontrar, por méritos próprios e de maneira indolor...
No segundo quarteto (conjunto de quatro versos), ele fala das esperanças que tem (de encontrar o Amor, ou fugir dele), diz que sua segurança para resistir é mínima ("perigosa") e que mesmo que enfrente o amor ("bravo mar") e venha a perder a direção, não temerá os contrastes e nem mudanças de direção, mesmo que tenha perdido todo o sentido, continuará firme em sua decisão favorável ao encontro do Amor...
No primeiro terceto (estrofe de três versos) diz, mesmo que não haja desgosto, onde não houver esperança, neste local é que se esconde o Amor ("um mal") que "mata", mas aquele que ama permanece "vivo" e ninguém vê...
Na conclusão do segundo terceto e de todo o poema, percebe-se toda a genialidade do poeta: há dias em que a alma está intranquila, e ninguém consegue explicar de onde vem essa intranquilidade, intranquilidade que dói, e não se sabe por quê.
Augusto de Sênior.
(Amauri Carius Ferreira)
(FERREIRA, A. C.)