Duplix não é tanka, nem renga

Duplix não é Tanka, nem Renga

Pedro Cardoso e Tê Soares

O mundo literário parece não ter fim, todos os dias novos escritores saem do anonimato e, assim, vamos registrando as nossas “loucuras” neste planeta repleto de grandes mistérios e metáforas... quase, impossíveis. Mas nada se compara ao gratificante "poder" mostrar o que escrevemos no intuito de exibir, expor, descrever o mundo tal qual o percebemos e sentimos enquanto loucos.

No início do movimento Poetrix nós nos encantamos com o magnetismo do terceto. Recentemente, estudando-o e fazendo o caminho inverso, fomos envolvidos pela poesia japonesa, em especial o Haicai.

Por outro lado, o mundo globalizado nos levou a pensar rápido e com muita criatividade, exatamente como exige o Tanka, o Renga e o Poetrix.

Para que entendêssemos estes poemas minúsculos no formato, mas enormes nas entrelinhas, foi necessário mergulharmos profundamente entre o imaginário dos japoneses e a perspicácia poética de um jovem escritor baiano - Goulart Gomes.

Com os japoneses aprendemos o Haicai, com a poesia de Goulart Gomes, conhecemos a grandeza do Poetrix e, nós, Pedro e Tê Soares, "descobrimos" o prazer do Duplix. Porém, antes do nosso "invento", vamos trocar umas palavrinhas sobre o Renga e o Tanka.

Renga é, provavelmente, a poesia mais antiga dos japoneses. É um poema encadeado na vertical, uma sucessão de estrofes que se relacionam. Do Renga, surgiram duas vertentes: uma mais aristocrática e outra, mais popular. O Renga era escrito coletivamente e, às vezes, o tema era sugerido pelo Imperador. O importante era dar vazão ao fluxo constante de imagens que iam se sucedendo, embora alguns fugissem a esta regra.

Como exemplo, apresentamos um Renga escrito por uma única poetisa brasileira, Alice Ruiz.

1 - Renga da noite

noite escura

de luz a luz

nenhuma dívida

ontem hoje amanhã

trabalho pra madrugada

noites tardes manhãs

noite no mato

o cheiro de açucena

é nosso lume

noite de verão

escrevendo vento

eu e o vento

noite de verão

vem com a brisa

um cheiro de primavera

noite no escuro

pensando que era barata

matei o vaga-lume

noite cheia

lua minguante

meu quarto crescente

Já o Tanka é um poema curto, teoricamente composto em 31 sílabas gramaticais, organizadas em cinco versos que obedecem a uma lógica de cinco e sete sílabas (5-7-5-7-7). Os camponeses participavam dos Tankas enviando seus poemas a partir de um tema proposto pelo Imperador. Fugindo a este modelo, temos o Tanka de Helena Kolody.

Em tempo... Não podemos deixar de dizer que Helena Kolody foi a primeira mulher a publicar Haicai no Brasil.

1 - Pirilampejo

O sapo engoliu

a estrelinha que piscava

no escuro do brejo.

Ficou mais sombria a noite

sem o seu pirilampejo.

Depois do Renga, do Tanka, do Haicai e finalmente do Poetrix, que é, por definição “um poema composto de título e uma estrofe de três versos (terceto) com um máximo de trinta sílabas métricas” nós caminhamos em outra direção, construímos os primeiros Duplix, que são composições que partem de um Poetrix pronto e acabado. Não importa em que data ele tenha sido escrito. É importante deixar claro que não consideramos como Duplix, o auto-duplix.

O Duplix pode ser construído tanto do lado direito quanto do esquerdo do Poetrix tomado como base, portanto a posição fica a critério do segundo autor. Veja que estamos falando da posição dos poemas (direita e esquerda), o que não acontece nem no Tanka e nem no Renga. Algumas vezes o Duplix é tão justo que podemos colocar o segundo Poetrix em qualquer posição, tanto a direita quanto a esquerda, sem que haja prejuízo no entendimento do poema.

Nos exemplos que vamos apresentar a seguir, o poema "base" escolhido foi o do poeta Guilherme de Almeida.

Tanto o Poetrix “Amor Platônico” quanto o “Presentes dos deuses” foram escritos recentemente, enquanto "infância" de Guilherme de Almeida, não.

1 - Infância Amor Platônico

Guilherme de Almeida Pedro Cardoso

Um gosto de amora//ficou na minha boca,

comida com sol. A vida//radiante,

chamava-se: "Agora."//o beijo de Clarice

2 - Presente dos deuses Caridade

Pedro Cardoso Guilherme de Almeida

em meu jardim//desfolha-se a rosa

a mulher amada//parece até que floresce

é uma estrela, uma nova estrada...//o chão cor-de-rosa

É obrigatório que conste, no Duplix, o nome dos dois autores, para que fique comprovado que não se trata de auto-duplix. Como o Duplix é uma composição encadeada, podemos acrescentar outros poemas sem qualquer problema.

Quando o Poetrix base recebe outro Poetrix, feito por uma segunda pessoa, temos o Duplix. Assim, eles se completam e formam um terceiro poema.

Quando o Duplix recebe outro Poetrix, chamamos de Triplix, daí em diante chamamos de múltiplos: Multiplix (deve, igualmente, constar o nome de todos os autores que os compõem).

Se compararmos com o Renga, o Duplix também é um poema encadeado, só que, na horizontal e não na vertical, como pode ser constatado no renga "Pirilampejo" e no "Renga da noite". É oportuno destacar que, no Renga, verifica-se uma sucessão vertical de ideias, no Duplix a complementação da inspiração se dá na horizontal. No Duplix, cada Poetrix é único, completo em si mesmo quando apresentado sozinho, mas é também um texto aberto o suficiente para aceitar a parceria de outro Poetrix. No Renga e, também no Tanka, os poetas eram convidados para escreverem um dado poema, cada um dava sua contribuição. No Duplix não existe este convite, ele é feito quando um poeta gosta do poema de outro autor e vê, nele, a possibilidade de um complemento. É como se fosse uma homenagem, ou um casamento de ideias.

O Duplix e suas formas múltiplas têm a possibilidade de ser construído com autores que viveram em épocas diferentes, ou com autores de diferentes países, não importa o idioma. O Duplix não requer tradução, o que, muitas vezes, descaracteriza o poema.

Exemplos de Duplix.

1 - Hijo Iluminado amor

Hernán J. Restrepo Lílian Maial

Braza//rayo crepitante

del fuego//que nunca se apaga

que una vez encendimos//y aún hoy quema

2 - Foto(grafia) Revelada

Pedro Cardoso Ângela Bretas

em seu corpo//no quarto escuro

vou revelar//só para ti

os meus segredos//preto no branco.

O poeta que vai fazer o Duplix, não pode alterar em nada a composição do outro autor. Ele tem que respeitar, inclusive, a pontuação para que o novo poema seja considerado um Duplix.

O Renga e o Tanka, quando acabados, se tornam poemas únicos, ou seja, a leitura é uma só. No Duplix isso não ocorre, pois no final da composição nós temos três poemas literalmente independentes, ou seja, os dois poemas terão que ser lidos individualmente e em conjunto. Assim teremos: o Poetrix original, o que foi feito pelo segundo autor e os dois encadeados (o que constitui o terceiro poema). O conteúdo do somatório pode ser algo continuado ou até mesmo diferente da proposta inicial.

O Poetrix é um poema que pode ter até 30 sílabas métricas, além do título, portanto o Duplix pode ter até 60 sílabas, e obrigatoriamente terá dois títulos que também terão que ter uma relação lógica entre eles.

Exemplo:

1 - Noiva

Aila Magalhães

prometo amar-te

esperarei por ti,

enquanto a vida nos separe...

2 - Sem segredos

Goulart Gomes

de alma virgem

em minha fortaleza

até que o tempo nos una

3 - Noiva Sem segredos

Aila Magalhães Goulart Gomes

prometo amar-te//de alma virgem

esperarei por ti,//em minha fortaleza

enquanto a vida nos separe... //até que o tempo nos una

No Tanka como no Renga, as estrofes deveriam ter apenas 17 sílabas. Nas composições múltiplas esse número é definido pelo número de Poetrix que são acrescidos, ou seja, cada Poetrix pode ter até 30 sílabas métricas. Isto nos permite dizer que o Duplix pode ter 60 sílabas, e o Triplix 90... e assim por diante.

É importante dizer que nas formas múltiplas, nós só temos uma estrofe e, que ela, não precisa necessariamente ter fim, pois a qualquer momento, outro poeta pode acrescentar um novo Poetrix. Já tivemos casos que chegaram até oito Poetrix encadeados.

E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 12/01/2006
Reeditado em 13/07/2020
Código do texto: T97774
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