BERLINDA ACADEMIA INTERNACIONAL POETRIX FEVEREIRO 2022:
*O autor do texto será revelado após terminar o período da berlinda, quando seu nome será inserido aqui.
Novidade! Traz uma historinha contada em 3 poetrix encadeados:
*Sobrevoo inédito de uma abelha jovem sobre um jardim de margaridas*
Gesto infiel!
Trairei minha rainha?
Amo os teus olhos amarelos.
*Primeiro encontro da abelha jovem com a flor da Margarida*
Asas zunem bem-me-pétalas
cubro-te de beijos, saio
coberta de pólen, pairo
*A abelha jovem de volta à colmeia após o encontro com a Margarida*
Primeiro poema escrito na vida:
Olhos de mel
O enxame vibra...
Saulo Pessato
Primeira coisa que chama atenção é o não usual formato - uma história contada em Poetrix.
Outro ponto a notar-se são os 3 títulos longos, com termos que podem ser enxugados. Falta, pois, nos títulos, concisão, podendo ser retirados termos sem prejuízo do sentido ou entendimento. Títulos longos em Poetrix podem ocorrer, mas sempre obedecendo as recomendações para se compor Poetrix.
Primeiro Poema/Poetrix:
*Sobrevoo inédito de uma abelha jovem sobre um jardim de margaridas*
Gesto infiel!
Trairei minha rainha?
Amo os teus olhos amarelos.
O título (já falamos sobre a concisão) nos dá conta de que existe um narrador poético, que observa e narra a história, escrito em 3ª. pessoa do singular – Uma jovem abelha sobrevoa pela primeira vez um jardim de margaridas.
É a primeira vez dessa abelha virgem, nesse voo fora da colmeia, ela escolhe um jardim de margaridas para a sua tarefa de debutante (qual a função das abelhas nas flores? A polinização e recolher o néctar para a colmeia, visitando suas flores preferidas: cores brancas e amarelas)
Esse narrador não só observa mas também é onisciente, porque sabe o que pensa e sente a jovem abelha (personificação): ao sobrevoar a flor, pensa se não estaria traindo a sua rainha, soberana da colmeia.
Aqui ficamos em dúvida se a jovem está falando que ama os olhos amarelos da rainha ou os olhos amarelos da margarida (metáfora)
Mas a atração é fatal e ela não resiste: a parte amarela exerce fascínio irresistível às abelhas, é comparada a olhos da flor (metáfora) e ela se apaixona.
Segundo Poema/Poetrix:
*Primeiro encontro da abelha jovem com a flor da Margarida*
Asas zunem bem-me-pétalas
cubro-te de beijos, saio
coberta de pólen, pairo
Já falamos sobre as características dos títulos – longos, podendo ser enxugados – aplicando-se a concisão.
O narrador poético narra a cena: A jovem encontra-se com a Margarida.
Primeiro verso do segundo poema:
Asas zunem bem-me-pétalas – através do recurso da onomatopeia, obtida pelo uso dos sons de s e z – e da aliteração, para imitar o som - zunir - que faz a abelha ao bater suas asas, o autor descreve o cortejo da abelha à flor, como se fosse uma dança da conquista – onde ela pergunta se será amada, bem recebida, correspondida.
O termo bem-me-pétalas – nos remete aos enamorados que desfolham a margarida perguntando se são correspondidos ou não, numa alusão (figura de linguagem) a esse oráculo dos apaixonados.
Ao mesmo tempo, notamos que na natureza para tudo há um ritual, uma preparação, nada é feito aleatoriamente. Zunir as asas faz parte desse ritual – preparação da própria abelha para receber o néctar que está próximo de obter e também para que o seu ato seja preciso, “sua viagem não seja em vão”. É como se antes de recebermos algo de bom, nós, os humanos, esfregássemos uma mão na outra, já antevendo o prazer futuro e também atraindo-o. Mas a jovem abelha não está para brincadeira: a resposta do oráculo só pode ser bem-me-quer, porque ela cumpre os ditames da natureza: ela está para colher, a flor está para dar.
Segundo verso: cubro-te de beijos, saio – a colheita do néctar e a polinização são comparadas a um ato de amor – dá-se a cópula – a primeira vez da jovem abelha. Misto de metáfora e personificação (figuras de linguagem, para expressar o diálogo amoroso da abelha com a margarida).
Mas não se demora no ato – ela sai (saio), porque sua missão é com a abelha rainha, que reina na colmeia e com suas irmãs do reino: levar o néctar para alimentá-las.
Lembremos que é uma jovem abelha que pensa, age, sente e tem consciência (personificação – figura de linguagem)
Terceiro verso - coberta de pólen, pairo – interessante este verso – dá margem a mais de um entendimento. Consumado o ato, a abelha não se retira imediatamente. Faz o mesmo ritual, no início e no fim do ato. Por quê? Porque além do peso do néctar que agora carrega, ela também, involuntariamente, pesa com o pólen que grudou em seu corpo e que ela vai transportar pelo caminho a percorrer, semeando futuros pés de margaridas, perpetuando, assim, a espécie que as alimenta. A cadeia alimentar perdura. Mas ela se apruma e parte.
Terceiro Poema/Poetrix
*A abelha jovem de volta à colmeia após o encontro com a Margarida*
Primeiro poema escrito na vida:
Olhos de mel
O enxame vibra...
Já falamos sobre o título, suas características - longo, podendo ser enxugado através da concisão:
A jovem abelha,(agora não mais virgem), volta à colmeia após o encontro (amoroso) com a Margarida.
O narrador poético, continua em 3ª. pessoa do singular, porém, agora descreve o que vê, faz sua análise, dá sua conclusão.
Primeiro verso do último Poetrix:
Primeiro poema escrito na vida:- através da metáfora, compara o voo da jovem abelha, sua missão bem sucedida, a um poema escrito: o primeiro da vida de um poeta. A jovem abelha é uma poeta, fez seu primeiro voo para fora da colmeia em missão atávica, volta vitoriosa, trajetória comparada ao poeta que enceta a escrita de um poema, sai da zona de conforto, viaja em busca dos recursos necessários para escrever, e só termina quando o poema está pronto e ele pode entregá-lo para leitura aos amantes da Poesia.
Segundo verso da última estrofe:
Olhos de mel
Plena do néctar sagrado, os olhos da abelha e os olhos da margarida agora são Uno, e essa unidade é compartilhada pelas irmãs do reino.
Terceiro verso da última estrofe:
O enxame vibra...
E são felizes para sempre. A Rainha está satisfeita. O reino está em festa. A jovem abelha debutante é uma heroína, passou na prova, agora há mais asas para prover o reino de néctar, polinizar o caminho, semear o pólen, perpetuar a espécie. Heroína? Não...apenas uma jovem abelhar cumprindo seu destino atávico.
Assim como poetas – nasceram para polinizar o Reino da Poesia, vibrar o enxame de versos, espalhar sementes de Poetrix...
E serem felizes assim...para sempre.
*Sobrevoo inédito de uma abelha jovem sobre um jardim de margaridas*
Gesto infiel!
Trairei minha rainha?
Amo os teus olhos amarelos.
*Primeiro encontro da abelha jovem com a flor da Margarida*
Asas zunem bem-me-pétalas
cubro-te de beijos, saio
coberta de pólen, pairo
*A abelha jovem de volta à colmeia após o encontro com a Margarida*
Primeiro poema escrito na vida:
Olhos de mel
O enxame vibra...
Metaforicamente, temos uma narrativa, um conto-poetrix, através de um narrador em 3ª. pessoa do singular, onisciente, porque penetra no pensamento, sentimento e julgamento da personagem – uma jovem abelha – virgem – encetando seu primeiro voo na sua missão de colher néctar e inconscientemente polinizar seu caminho, e voltar à colmeia, o que ela faz com sucesso.
Lançando mão de recursos literários, o autor constrói sua história de maneira poética, em três Poetrix, por meio de figuras de linguagem como a metáfora, a personificação, a alusão, a aliteração, a alegoria, comparando a trajetória da abelha na sua missão com um poeta em busca de seu poema (alegoria). Essa alegoria do voo da abelha significando um poeta na viagem em busca do seu poema, o autor deixa para revelar no final da narrativa ou do conto-poetrix, o que foi a surpresa da narrativa, o elemento que dá um salto e susto e quebra a lógica do assunto que vinha sendo dito. Essa é uma das magias do Poetrix, mas também do gênero conto.
Sim são Poetrix, obedecem aos ditames para a forma poética, com o emprego nos três poemas de títulos longos, que podem ser enxugados minimamente pensando-se na concisão.
A composição atende o preconizado para o Poetrix, verifica-se a presença, nos versos, de elementos que, segundo Calvino, fazem parte da Proposta para o Próximo Milênio: a multiplicidade (possibilita várias leituras), literalidade (escolha dos vocábulos adequada), da concisão (nos versos não há supérfluo), da leveza (há um movimento natural, tanto semântico, quanto sintático) da rapidez (não oferece dificuldade à compreensão), da originalidade (pelo formato, pelo assunto, pelo modo de expressão), da consistência (visto pelas premissas do Poetrix, pela maneira como desenvolve o assunto, está de acordo, tanto com os cânones do Poetrix, quanto com as normas do idioma e do ponto de vista teórico-literário) e da surpresa (sai do lugar comum, da obviedade, apesar de estar falando de um evento conhecido de todos, no final dá um salto e susto com um desfecho inesperado.)
Os Poetrix também atendem as recomendações das Diretrizes da AIP para se compor um bom poetrix.
Podemos ainda ratificar a composição poética estudada com o citado por Ezra Pound, segundo ele um texto literário pode lançar mão da melopeia (musicalidade, sons), fanopeia (imagens), logopeia (ideias, intelecto, abstrato)
A teoria de Pound, primeiramente apresentada no ensaio “How to Read” (1927, in Literary Essays, 1954), visa criar uma espécie de semiótica para os registos possíveis da linguagem poética dominada por todas as formas de inspiração. A melopeia – do grego melopoiía («composição de cantos líricos»), é a arte de musicar a poesia, A fanopeia traduz o poder visual da imagem na poesia. A logopeia deriva do grego logopoeía, “criação de palavras”, e traduz a capacidade de combinação da forma e do conteúdo das palavras com o objectivo de obter a obra sublimada pela beleza estética.
Observamos também no autor um paralelo com o recurso machadiano (Machado de Assis), de lançar dúvidas sobre a personagem – estaria se referindo aos olhos da abelha ou aos olhos da flor?
Por todo o exposto a obra apresentada para a Berlinda nos surpreende e encanta por ser uma reveladora e agradável leitura poética.