O Salto

O Poetrix é um terceto que nos oferece inúmeras variações, é uma arte minimalista que vem agradando, a cada dia mais, aos amantes da boa poesia.

Uma das características mais importantes deste novo modo de escrever tercetos é o que chamamos de Salto. Uma das Seis Propostas para o Próximo Milênio, de Ítalo Calvino.

Quando falo em Salto, logo me lembro de Franz Kafka, com sua Metamorfose, que consiste, no caso do Poetrix, na transmutação de uma ideia inicial, de forma que ela possa ganhar um novo sentido.

O Salto precisa nos levar à mais instigante simbologia que a ideia possa vir a ter.

É onde a malícia do detalhe nos impõe uma criação diferenciada e própria.

Sem falar na rapidez e na concisão que o contexto exige.

É importante salientar que cada palavra do texto deve configurar uma surpresa diferente e metafórica.

O leitor tem que ser surpreendido a cada leitura, por se tratar de um poema muito pequeno.

As palavras devem ter sentido duvidoso, devem inferir duplo sentido.

O Salto deve insurgir na mente do leitor como cacos de espelhos, onde os fatos se multiplicam. Deve reverberar, na cabeça dele, pelo menos por alguns segundos.

Um exemplo:

CO1 - N(amor)o

@Pedro Cardoso

eu sou

ela lua

nós...quarto crescente

O Salto já começa pelo título, onde faço um jogo entre as palavras "namoro" e "amor". São dois vocábulos distintos e consagrados por todos nós. Na verdade, um Salto dentro do outro.

No primeiro verso eu poderia ter escrito "eu sol" e não "eu sou". Aqui o leitor já se vê confrontado, provocado, instigado. E, assim... é convidado para a conversa.

No terceiro verso eu digo que "nós...quarto crescente" ou seja, a relação está em crescimento.

Quando me refiro a "quarto" sugiro que o amor esteja sendo, realmente, iluminado pelo sol.

Vejam que existem "n" informações e transformações de palavras e situações. As cenas vão se desdobrando a medida em que a leitura vai fluindo e ganhando forma.

O poema permite inúmeras interpretações. Esta, a meu ver, é apenas uma delas.

Outro exemplo:

CO2 - Fingidor

@Pedro Cardoso

pode tudo

pode nada

"podi crê"

Fernando Pessoa disse que todo poeta é um fingidor. Por isso eu digo que ele pode tudo, como também não pode nada.

O Salto aparece no terceiro verso com "podi crê".

Esta é uma expressão idiomática usada algumas vezes na realidade jovem suburbana brasileira, com o significado de: "acredite" ou "confie em mim".

No primeiro e segundo versos eu disse: pode tudo - pode nada. Vejam que no terceiro verso aconteceu um acréscimo de significado à ideia inicial: confie em mim!

CO3 - Grávida

@Pedro Cardoso

do outro lado da rua

a barriga cresce,

é a boca faminta da menina

Vejam que o Salto aqui é bem sutil, ele aparece no terceiro verso.

A palavra "menina" tem duplo sentido. Vocês podem ler que é a barriga da mãe crescendo, como também podem ler que é a menina, que está dentro do útero, que está se desenvolvendo.

Outros exemplos:

CO4 - CARA METADE

@Sara Fazib

melhor par não faria

eu e essa minha falta

de companhia

CO5 - SONSAS

@Lílian Maial

estrelas

não dizem a verdade.

elas piscam

CO6 - MAESTRO

@Dreyf

quando me toca

todos ouvem

até Beethoven

E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 04/06/2021
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