Dadatrix
Sempre tive em mente que o Poetrix tem algumas vertentes. Com este entrevero borbulhando em minha cabeça, ofereço mais uma, para o seu deleite ou desgosto, o Dadatrix.
O que estou propondo neste momento não tem o conteúdo totalmente anárquico como o da cultura Dadaísta. Movimento de vanguarda que teve inicio em Zurique no ano de 1916. O Dadaísmo é um movimento que tem como características principais o caráter ilógico, a antiarte, a anarquia, o deboche e o protesto, por excelência.
Vale ressaltar, portanto, que não se trata do Dadaísmo propriamente dito. Ele seria apenas uma "referência" significativa. Não há que ser tão anárquico quanto.
É fundamental dizer que não dá para jogarmos algumas palavras ao léu e dizermos que o que foi ao chão seja um poema Dadatrix, ainda que o Dadaísmo seja o pano de fundo de minha proposta.
O texto em si, deve ser resumido.
Na medida do possível, não deve contemplar em sua estrutura poética qualquer pronome, por tratar-se de um texto conciso e minimalista, por excelência. Ressalto que o pronome indica a pessoa do discurso. Neste caso, o poema tenderia para o patamar usual, o que não é desejável.
Os vocábulos devem ser grafados em três versos de acordo com as tendências e convicções do autor no momento da criação.
A estética do poema não é relevante, não faz sentido.
É de suma importância que o Dadatrix nasça pronto, sem retoques ou emendas, uma arte acidental!
O título tem que fazer parte do contexto, porém, não pode nomear o assunto e, muito menos, dar identidade ao Dadatrix.
Sua beleza depende da ótica de quem o lê e de como ele será visto em sua totalidade.
Mais um detalhe: não se deve usar rimas.
Minha proposta é que façamos poemas minúsculos, mas que tenham luz entre os seus versos, que, associados, tragam uma nova narrativa artística.
É imprescindível que proporcione ao leitor a possibilidade da contemplação visual e auditiva. Se isto não acontecer, o Dadatrix perde o seu objetivo prático, que é fazer com que o leitor reflita sobre o que está ao seu alcance, com outros olhos. Ou ainda, que o leitor tenha uma nova perspectiva diante da realidade que o cerca no dia a dia. Afora isto, o poema deve ser descartado de imediato.
Acredito que esta nova temática seja divertida e cabulosa. Ao fim, um passa-tempo sem qualquer rigor literário.
Não custa lembrar que o Poetrix permite que tenhamos trinta sílabas poéticas, divididas aleatoriamente em seus três versos. Esta premissa deve ser respeitada.
Nota: Corre a passos miúdos que "O pensamento se faz na boca..."
Alguns exemplos do que estou propondo:
1 - Caramujo avesso
dobra para a direita
esquerda volver
morte lenta
2 - Sabiá atrevido
boi-bumbá
reza novena
a grimpa tombou!
Vou esmiuçar a teoria que estou propondo tomando por base o exemplo de Dadatrix acima: "Sabiá atrevido", para que você, leitor, possa compartilhar comigo uma das possibilidades de leitura do poema.
Veja bem, por definição, boi-bumbá é uma dança do folclore popular brasileiro, com personagens humanos e animais de grande porte, que giram em torno de uma lenda sobre a morte e ressurreição de um boi.
No texto temos a figura do boi e do sabiá, que são animais vistosos mas completamente distintos.
A dança em si, é uma encenação entre bois e humanos e não entre pássaros, o que deixa clara a intenção anárquica e o visível deboche.
O segundo verso diz: reza novena. É importante frisar que novena é a reza de um conjunto de orações praticada por grupos de pessoas religiosas, durante o período de nove dias. Não existe, aqui, qualquer relação com a dança do boi-bumbá. Portanto uma desordem de caráter ilógico do texto.
Volto a afirmar que a beleza do Dadatrix depende da ótica de quem o lê e de como ele será visto em sua finitude.
Para terminar, "Sabiá atrevido", na grimpa da árvore, tombou. Ou seja, ele não tinha nada a ver com a dança do boi-bumbá, estava ali por mero acaso. No mais, o sabiá é uma ave que tem como hábito comer bichinhos que ficam no chão, ele não é visto no cume das árvores. Um pássaro retraído, nada atrevido.
3 - Macaco fala mansa
ora-pro-nóbis
festa de boiadeiro
cavalo de xucro
4 - Cavalo de pau
era uma mula
de duas cabeças
cobra-cega
5 - Bezerros de ouro
corria a chuva
pingos baios
no barro preto
6 - Peixe-boi
poderoso tubarão
sobrevoava riscando o céu
cortes profundos
7 - Era umas...
pombas em revoada
na porta do cemitério
asas de xícaras no chão
8 - Servidão
damas de paus
correntes de ouro
tramelas a meio pau
9 - Truco, ladrão!
era um
era nada
era tudo
10 - Rio doce
enxame de borboletas
passeava nas margens
do Planalto Central
11 - Zoológico
corria solto
pássaro cativo
asas paridas
12 - Sobrevivência
Palácio do ódio
inundado de traíras
hienas soltas
13 - Bola de fogo
mundo revira
avesso, sujeito
100 predicados
14 - Modelo
a corda bamba
esgarçava o ferro
passava roupa
15 - Virado num bode
boi trotando
na passarela
cavalo baio
16 - Cuba de louça
estrela vermelha
boina Chê Guevara
pés de barro
17 - Vaso
de barro
a peso de ouro
pechincha
18 - Lua
bola de couro
copa do mundo
mané pelado
19 - Peão
roda moinho
boi de piranha
traíra no anzol
20 - O rei sou eu
no xadrez
sol quadrado
angulo reto
21 - Estrela cadente
na testa do boi
triângulo equilátero
marca registrada
22 - Beija-flor
a flor
não era bela
espanca
23 - O grito
era oco,
ensurdecedor
silêncio
E viva a poesia!!!