Um paralelo entre o Poetrix e o Haicai

Os tercetos sempre estiveram em evidência entre os povos de quase todos os recantos do planeta.

Os japoneses criaram o Haicai no século 16. Mais tarde, expandiu-se para outros nichos.

No Brasil, o Poetrix ganhou asas através da genialidade do poeta baiano Goulart Gomes, há pouco mais de dez anos.

Minha intenção é fazer, neste texto, uma breve comparação entre esses dois fantásticos tercetos, que nos levam a belas composições.

No Haicai há três importantes vertentes: uma que prioriza a técnica, outra que se preocupa com o conteúdo e, uma terceira, a de Guilherme de Almeida, que dá ênfase à rima e ao título.

Vou começar por Guilherme de Almeida.

É importante observar a sua ousadia, uma vez que ele mudou a estrutura do poema, quando deu a ele título e rima.

Um exemplo:

1 - Velhice

Guilherme de Almeida

Uma folha morta.

Um galho no céu grisalho.

Fecho a minha porta.

Neste Haicai a rima valoriza o poema, dando a ele uma cara de brasilidade. Veja que o autor rimou o primeiro verso com o terceiro e também, como se não bastasse, usou a rima leonina no segundo verso.

Na minha concepção, no Poetrix a rima empobrece o poema, pois faz com que ele reduza a sua potencialidade.

O Haicai busca a expressão mais singela (chegando mesmo a ser comparado a uma fotografia), o Poetrix almeja a dinâmica.

A base do Haicai são os dezessete sons ou sílabas, enquanto que no Poetrix as sílabas métricas podem ir até trinta, sem contudo termos uma divisão silábica dos versos, isto fica a cargo do autor.

Dificilmente, no entanto, encontramos um Poetrix com esse número de sílabas, pois o que se busca é a concisão dentro desse universo.

Enquanto o Haicai busca o instantâneo, o Poetrix almeja a explosão, a alta interpretação. No Haicai é desejável que o leitor faça a mesma leitura do autor. No Poetrix o que se espera é que o leitor tenha novas sensações a cada leitura. Muitas vezes fico até assustado com as interpretações que são dadas aos Poetrix. Isto é o que faz com que ele seja visivelmente dinâmico e não estático.

Veja um dos meus Poetrix mais ousados:

1 - Circulo vicioso

S

S O S

S

Este poema concreto tem uma concisão inacreditável. Chega ao extremo de não termos como contar suas sílabas, contudo permite uma infinidade de interpretações. Ele é circular, é dinâmico, é apelativo, é instantâneo. Retrata um pedido de socorro em qualquer idioma. Além de ter uma estética diferenciada.

Outro ponto que gostaria de abordar é o de que no Haicai existe uma divisão no poema. Dos três versos, dois são representados por uma única frase.

Exemplos de Haicai de minha autoria:

1 - gerânios em flor-

no batente da janela

o sabiá cochila

2 - o joão-de-barro

fez ninho na casa velha-

filhotes à vista

Veja que no primeiro, a separação das partes se dá com o hífen no primeiro verso, enquanto no outro poema, ela se dá no segundo verso.

O Haicai dispensa a pontuação, deve ser despojado de floreios.

Essas considerações, quando “confrontadas”, devem dar ao leitor a possibilidade da conclusão.

A divisão sobre a qual estou falando, favorece o autor na hora da sua criação, pois existe uma sequência de raciocínio, existe uma lógica. Ela não é a esmo.

No Poetrix não existe esse artifício. É fundamental compreender que o Poetrix não é uma frase dividida em três partes.

Agora um exemplo de Poetrix, também de minha autoria:

1 - Alcoólatra

desaba

aos bafos

o bêbado

Veja que neste exemplo existe, implicitamente, uma sequência de fatos que descrevem com clareza a queda de um indivíduo alcoolizado. Essas imagens são diferentes para cada um dos leitores que leem o poema.

Já a palavra “bafos”, transmite a sensação de nojo. Isto não deve acontecer no Haicai.

Continuando meu raciocínio, outro ponto que gostaria de abordar são os temas que utilizamos para as nossas composições.

Enquanto no Haicai descrevemos, preferencialmente, fenômenos da natureza, tais como as estações do ano, no Poetrix as abordagens são as mais variadas possíveis. Como exemplos: o humor, a malícia, os sinais e até mesmo a subjetividade.

O que se deseja no Haicai é que se diga o máximo de palavras dentro das dezessete sílabas, no Poetrix é que se diga o máximo com o mínimo de palavras ou símbolos (concretos).

Enfim, a meu ver, todo Haicai está contido em um Poetrix, pois todas as regras que regem o Haicai podem ser usadas no Poetrix sem que haja perda de qualidade, porém a recíproca não é verdadeira, uma vez que alguns dos princípios que regem o Poetrix, não se enquadram aos do Haicai.

Vejamos um exemplo:

1 - Cigarra

Guilherme de Almeida

Diamante. Vidraça.

Arisca, áspera asa risca

o ar. E brilha. E passa.

E se fosse assim?!

1 - Cigarra

Diamante. Vidraça. Janela.

Arisca, áspera asa risca o vidro,

o ar. E brilha. E passa. E Cai.

Observe que o Haicai permaneceu intacto. As palavras que foram acrescidas, não mudaram, em nada, o seu sentido. Em verdade, apenas acrescentei alguns vocábulos para descaracterizar o Haicai, pois houve um aumento de sílabas. O segundo poema se enquadra perfeitamente às regras estabelecidas na Bula Poetrix.

Espero ter sido claro e útil em minhas observações.

E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 03/08/2012
Reeditado em 14/07/2020
Código do texto: T3811610
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