Haicai não é Poetrix

Tenho lido de tudo na internet, é uma confusão hidrófoba. Por isso já vou logo afirmando: Poetrix não é Haicai.

No entanto, um Haicai pode vir a ser um Poetrix. “Basta” que se dê a ele um título - uma Certidão de Nascimento.

A recíproca não é verdadeira.

Embora se diga que nos Haicai não se usa títulos ou rimas (o que os aproximariam do Poetrix), encontramos nos escritos de Paulo Leminski, Millôr Fernandes e Guilherme de Almeida (um dos precursores do Haicai no Brasil), alguns exemplos titulados e rimados.

Foram derivações do Haicai, quase não usadas nos dias de hoje. Chegando mesmo a ser contestadas por muitos haicaistas.

Alguns leitores desatentos acabam fazendo uma interpretação dúbia a respeito desses tercetos. Chegam mesmo a confundi-los.

Para ilustrar o que estou dizendo, transcrevo dois desses Haicai de Guilherme de Almeida:

1 - Bolha de sabão

Dirás, quando a vires:

“A bola de vidro rola

debaixo do arco-íris”.

2 - Romance

E cruzam-se as linhas

no fino tear do destino.

Tuas mãos nas minhas.

O autor os denomina como Haicai.

O que difere visceralmente um Poetrix de um Haicai é uma linha concreta, porém quase imperceptível.

Para que não haja dúvida a respeito dessa constatação é importante observar que no Haicai o autor retrata um fenômeno ocorrido em um dado momento (mesmo que tenha título e rimas): é como se fechássemos e abríssemos os olhos, não mais do que isto!

Um Haicai não deve ser explicado.

O desejável é que o leitor recrie a mesma sensação/emoção que o autor teve naquele instante de inspiração.

Já no Poetrix, o que se busca são os espectros subliminares que levam os leitores a viajarem para outros recantos. São novas formas de se ver as peripécias da realidade humana.

Fica evidente que o Haicai é um poema do momento, uma fotografia, enquanto o Poetrix é dinâmico, nos proporciona múltiplas leituras, em vários momentos e contextos.

Vejam um dos meus Poetrix:

1 - Fome

a distância

entre a mão e a boca,

tem nome...

Observe que o poema "Fome", no seu último verso, termina com uma reticência. A intenção é fazer com que o leitor volte ao título e, a cada leitura, possa fazer uma interpretação que pode ser diferente. Isso é o desejável.

Este Poetrix é cíclico. Não para, está em movimento constante.

Por outro lado, no Haicai "Bolha de sabão", citado acima, "a bola de vidro" – rola por milésimos de segundo. É um abrir e fechar de olhos, como uma máquina fotográfica. O autor alerta: “quando a vires”, trazendo a ideia de que logo irá explodir. Veja que ele descreve o momento, a transitoriedade de uma bolha de sabão.

Por isso digo que Poetrix não é Haicai.

E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 20/07/2012
Reeditado em 14/07/2020
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