A arte do Poetrix II
Escrever um poema com três versos nunca foi tarefa fácil.
Esta arte teve seu apogeu no Japão, entre os anos 1644 a 1694, através dos Hai-cai: poemas de dezessete sílabas. O seu grande mestre foi o poeta Bashô.
No Brasil os tercetos tiveram um destaque importante a partir do final da década de 90 pelas mãos e tino poético de Goulart Gomes. Poeta baiano que deu uma nova roupagem aos tercetos. Criou regras específicas e claras, para esta nova modalidade – sua Excelência, o Poetrix!
Ele é constituído com, no máximo, 30 (trinta) sílabas métricas, distribuídas em 03 (três) versos. Exige título, que não entra na contagem silábica, mas que pode dar "complementariedade" ao texto. Um dissidente dos tercetos.
Tenho lido alguns “Poetrix” sem pé nem cabeça. Uma profusão de tercetos, sem qualquer cuidado com as regras e muito menos com a forma. Por isso resolvi escrever mais um texto, na tentativa de ajudar àqueles que estão entrando para o mundo minimalista do Poetrix.
... há que se fazê-los com arte!
Para tanto, vou usar aqui um Poetrix do poeta Hércio Afonso.
Encanta(dor)
uma flauta doce
toda furada
deu nova vida ao bambu
É importante observar que o título é fundamental. Ele nos dá a ideia do que pode ser o enredo do poema. É como se ele fosse a certidão de nascimento da composição. Veja que, aqui, o título foi dividido para nos dizer que a dor também pode transformar, ser algo encantador.
É importante observar que existe uma lógica entre os seus versos e o título. (flauta-furada-bambu).
No primeiro verso – "uma flauta doce" – o autor poderia ter dito apenas “uma flauta” que não mudaria em nada o texto, porém ele quis que o leitor percebesse que era um instrumento de bambu e não o de madeira, que era usado na idade média e continha aberturas para sete dedos e uma outra para o dedo polegar, que servia como furo de oitava.
O "doce" também reforça a ideia de suavidade, positividade.
No segundo verso a expressão “toda furada”, nos leva a imaginar uns "machucados", que ganha uma sobrevida neste mundo maluco.
O terceiro verso nos dá um susto, quando ele reafirma a sobrevida que é dada ao bambu, através do som melodioso do referido instrumento.
É bonito identificar as imagens que vão sendo construídas quando vai-se lendo os vocábulos do poema, elas vão muito além dos três versos.
O texto passa a ser apenas uma referência poética-musical. As imagens permanecem por um longo tempo em nosso imaginário.
É assim que se constrói um belo Poetrix.
Não basta escrever três versos, é preciso que se use a criatividade, que se ofereça ao leitor arranjos elegantes que o faça viajar pelas entrelinhas ou quem sabe para os mundos metafóricos.
E mais, que ofereça, ao leitor, uma nova dimensão dos sentimentos.
E é por isso que eu repito: E viva a poesia!!!