O sexo do poetrix, por Pedro Cardoso

O sexo do poetrix

Pedro Cardoso

Nosso amigo e poeta, Hércio Afonso, me convenceu de que o poetrix tem sexo.

No inicio achei sua afirmação um abuso, mas depois de algumas considerações,

constatei que esta é uma grande verdade. Sua teoria é tão concreta quanto a

própria poesia. Para demonstrar sua tese, vou ater-me a alguns exemplos.

Nossas vidas

(Hércio Afonso)

Paralelas.

Você, numa direção;

Eu na outra.

Este poetrix está publicado na Antologia "Poetas virtuais" - Gráfica Editora

Pallotti, novembro de 2002, Porto Alegre. O poema nos leva a várias

interpretações, apesar de toda a concisão. A primeira que tive foi: vivemos

na mesma casa, andamos lado a lado sem nos encontrarmos (como retas

paralelas). O título deixa claro que o autor está falando de duas pessoas

(homem - mulher).

Em uma segunda leitura, talvez mais detalhada e com olhos mais aguçados,

podemos perceber que o autor está falando de uma relação amorosa não

convencional. No primeiro verso escreveu apenas a palavra "paralelas" e,

logo em seguida, pontuou, ou seja, nos disse, vamos mudar a direção da

conversa. Já no segundo verso, "Você, numa direção", ele nos dá a primeira

dica: somos paralelas, mas em direções opostas, com sexos também opostos. A

intenção do chamamento do leitor para a lógica do ato está na virgula que

ele usou depois da palavra "você". Veja que ele deu uma pausa e, como se não

bastasse, grafou "você" com letra maiúscula. No terceiro verso, o fecho do

terceto avisou: "Eu na outra". Aqui está a masculinidade do poema, o orgulho

masculino, a afirmação do "Eu" todo poderoso.

Para uma terceira leitura, apresento um poema concreto de minha autoria que

representa com fidelidade minhas leituras.

Paralelos

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Agora vou utilizar um belíssimo poema da poetisa Aila Magalhães, premiado

como o melhor do mês de junho de 2003, para demonstrar o lado feminino do

poetrix.

divi_dida

não queria

ser deus,

só duas...

Já, no título "divi..dida", podemos observar que se trata de um poetrix

feminino. É interessante notar que a autora se reportou a um "deus"

qualquer, provavelmente um homem belo e sensual, mesmo assim, ela prefere

ser duas mulheres - deusas e não um homem, mesmo que belo e sensual.

Vejamos agora um poetrix de minha autoria.

Construção

o vaso é "Celite"

a moça quando senta

a(bunda) a celulite

A primeira característica de que este é um poetrix masculino está no título,

pois geralmente quem trabalha na construção cível são homens, com tristes

exceções. Outra dica está no próprio texto que é extremamente machista. É

evidente que nenhuma mulher de bom senso escreveria um poetrix como este,

até porque ele destaca uma das maiores preocupações do sexo feminino. Por

outro lado, retrata a exuberância da bunda feminina quando diz: a(bunda),

dando ênfase a abundância das nádegas.

Face a face

o que queres?

:ocupar-me

já há vazio suficiente

Veja que coisa interessante este poetrix. Sua beleza é algo muito forte. Foi

eleito como o melhor poetrix do mês de maio de 2004. Quem o escreveu foi uma

jovem de vinte e poucos anos, criatura de uma cabeça incrível, chamada

Jucinéia Gonçalves. Só uma mulher apaixonada seria capaz de escrever tanta

coisa com tão poucas palavras. Este poetrix é absolutamente feminino, nenhum

homem seria capaz de usar expressões tão delicadas, tão doces e meigas. O

poema já inicia com uma pergunta quase angelical. Ela já sabia a resposta,

já conhecia o desfecho da situação e, ainda assim, perguntou: "o que

queres?". O segundo verso é de uma feminilidade assustadora - "ocupar-me".

Não acredito que, mesmo apaixonado, um homem escreva um verso como este,

ainda que fosse para sua amada. Finalmente, o terceiro verso é uma

resignação total, uma entrega subliminar "já há vazio suficiente". Ela

aceita o fim da relação porque sabe que não existe mais nada e, que, ainda

que voltassem, o vazio seria o mesmo.

Conclusão: os poetrix além do susto, da concisão, da beleza plástica, das

metáforas, das rimas e outros recursos, podem também ser classificados por

gêneros.Viva a poesia!!!

A alma do poetrix

Pedro Cardoso (DF)

Todos aqueles que desejam escrever poetrix, esses poemas tão pequenos e

belos, precisam entender que eles não são fotografias, não são estruturas

estáticas, não são frases cortadas em fatias, que não existem receitas

prontas que nos garantam que eles sejam bons ou ruins.

O grande lance do poetrix é que ele é subliminar. Você tem que fazer dos

três versos uma obra de arte onde o leitor terá que "enxergar" além dos

verbos e substantivos que os compõem. Às vezes o leitor precisa da ajuda da

matemática, da filosofia, da ciência e até do bom senso para fazer uma boa

leitura. Não basta que ela seja dinâmica, não basta um olhar apenas atento,

não basta querer escrever poetrix. Eles são, por natureza, exigentes e

complexos. São teimosos, brigam com as rimas, com o contraponto, com a

concisão, com o susto e com o belo.

Afirmar que o poetrix tem alma parece algo estranho, mas não é. Quando

escrevemos um bom poetrix, sua alma salta aos olhos. Qualquer pessoa percebe

sua aura, sua extensão psicológica, sua crítica social, seu humor, sua

grafia, mesmo que rebuscada. Para ilustrar minha constatação vou utilizar um

dos meus poetrix.

Banzo

Em noites frágeis

as pedras são mais duras.

Diamantes pingam de meus olhos

O título Banzo nos remete aos mais cruéis dias da nossa história social, nos

leva aos tempos da escravatura, ao subterrâneo do ser humano. Deixa claro

que a alma do poema tem cor, tem raça, tem textura, tem um nome. "Em noites

frágeis" expõe a condição em que se encontravam aquelas criaturas, o estado

de humilhação a que eram submetidas, independentemente de serem adultas ou

crianças, homens ou mulheres. "As pedras são mais duras" revela que os

negros são mais duros, mais resistentes, mais puros em suas crenças. A

poesia nos permite coisas impressionantes! "Diamantes pingam de meus olhos".

Vejam, que contraponto interessante: frágeis/pedras/diamantes. Quando não

havia mais nada, as lágrimas caíram dos olhos daquelas pessoas como

diamantes, a pedra mais dura que existe. A crueldade não foi suficiente para

estancar as gotas d'água que desaguaram daqueles olhos horrorizados - o

Holocausto brasileiro. O poema tem uma plástica especial, uma escada,

degraus, sobre os quais a alma caminha.

Morte

(Anthero Monteiro)

uma cadeira vazia na alameda

sentada numa tarde de outono

a olhar o meu ponto de fuga

Antero Monteiro é um poeta português que sempre nos presenteou com seus

escritos de forma clara e gostosa. Em 2003, postou na página do grupo

poetrix o poema Morte. Já no título fala claramente na existência da alma

dos poemas. Para os católicos a alma está diretamente relacionada com a

destruição do corpo. No poetrix este fato acontece da mesma forma, pois que

o poetrix também tem um corpo com cabeça tronco e membros, ou seja, início,

meio e fim. No poema Morte está dito que a alma do poema já deixou o seu

corpo, o seu criador, a sua concretude material, passando para o estado

metafísico. Veja que no primeiro verso está dito "uma cadeira vazia" e, no

segundo, "sentada numa tarde de outono". Quem está sentado? A alma, pois a

cadeira esta vazia. O terceiro verso é límpido "a olhar o meu ponto de

fuga". Quem está fugindo? O corpo, a parte material do ser. O ponto de fuga

dá a profundidade dos objetos, é a linha que traça o nível dos olhos em

relação ao horizonte - lá longe, a fugir dos olhos. É assim que o autor

estava se vendo. Estava construindo a sua perspectiva, sua visão

tridimensional em relação à sua morte. Veja que ele projetou seu ponto de

fuga em uma alameda, em uma tarde de outono, justamente quando as árvores

estão mudando as folhas, ele estava construindo o seu caminho encantado.

É interessante notar que o autor está falando de sua morte. Se, é assim,

onde está a alma do poema? Ah! Está no entendimento, na leitura que é feita,

está na intimidade dos versos. Quando o leitor absorve a poesia que existe

por trás do texto, ele enxerga a alma, a aura que o agasalha enquanto poema.

É este relacionamento entre o corpo e o espírito que nos dá esta certeza. A

concepção do poema em relação ao mistério da morte e a dor do autor, é a

liberdade. A sublimação, outro fato relevante nessa relação, é o rompimento

entre a matéria (poema) e o espírito (alma), neste momento, a alma se livra

do corpo que o aprisionava voltando para o seu criador.

Poetrix
Enviado por Poetrix em 24/11/2006
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