Do poetrix ao Concreto, por Pedro Cardoso

Do poetrix ao Concreto

Pedro Cardoso (DF)

Viva a poesia!!! É assim que vou começar a escrever, é assim que tem que

ser. Escrever é um passatempo espantoso, nos permite percorrer outros

mundos, outras galáxias, nos leva a caminhar pelas entranhas dos nossos

pensamentos em verdadeiros labirintos, na maioria das vezes, floridos e

verdejantes. A metáfora é a alma da poesia, é o elo entre o real e o

imaginário, por isso, vou além, vou ao Concreto.

O concretismo teve seu inicio no Brasil na década de cinqüenta, mas hoje

parece meio que adormecido. Justo agora que temos mais recursos tecnológicos

que podem ajudar na valorização gráfica, principalmente com os novos

programas de computação que são desenvolvidos para facilitar as combinações

de cores, sons, tamanho das letras e, até modelos em três dimensões.

Acredito que este seja um bom momento para a retomada dessa escrita tão

vibrante, tão rica em forma e conteúdo, porém carente de poetas.

O poema concreto dispensa idiomas, dispensa as regras básicas da escrita

formal. Em contrapartida, exige do autor novos horizontes, outras "falas"

que são mais do que sílabas, sons, ritmo ou métrica. Ele não é, no meu

entender, algo genérico - vai além da nossa vã imaginação. Deve ser

entendido como um poema "minimalista" e de relativa compreensão. É um poema,

antes de tudo, visual, mas ao mesmo tempo, lógico e palpável. Nos oferece

várias leituras que podem ser abstraídas tanto do texto, quanto do formato

do desenho e das cores que são oferecidas ao leitor. É, sem sombra de

dúvida, um trabalho artesanal, de muito estudo e dedicação.

Neste texto vou ater-me apenas ao poema concreto que vejo dentro das

possibilidades do poetrix enquanto "...poema composto de título e uma

estrofe de três versos", por entender que o mesmo não tem uma fórmula rígida

na sua estrutura, embora tenha algumas regras básicas que devem ser seguidas

por todos aqueles que querem enveredar pelos vastos caminhos desses

tercetos. Vejo no poetrix um desafio a mais, uma oportunidade ímpar para a

discussão do poema concreto, por tratar-se de um poema altamente conciso e

claro, onde podemos usar e abusar da metáfora, da concisão, do cotidiano, do

piegas, do humorístico, da filosofia, da matemática e até do horror.

Um dos exemplos que mais gosto no poema concreto dentro do poetrix, está

retratado em "Devolva-me" da poetisa Sonia Godoy, uma das mais importantes

escritoras desta nova linguagem.

Devolva-me

AS

AS

AS

Pedro Cardoso - Este poema está absolutamente dentro dos padrões aceitos

como poetrix, ou seja: é um terceto (onde os três versos estão representados

pelas letras A e S), tem título, tem concisão e acima de tudo, tem

personalidade. A leitura poética parece simples, mas não é. Uma delas nos

leva a entender que a autora está pedindo que lhe devolvam a liberdade - o

"poder" sair por aí, pois algo está lhe sufocando, lhe tirando a respiração.

É importante notar que, mesmo sendo um poema concreto, o título, neste caso,

exerce papel fundamental na compreensão do texto. Sem ele o entendimento

seria impraticável. Outro fato marcante no poema é que a autora não escreveu

o texto na vertical, o que seria mais lógico. Preferiu uma escrita na

diagonal para nos passar a idéia de que as suas inquietações estão em

constante agitação, uma vez que: "as asas" sugerem tais movimentos.

Vejam uma outra leitura feita pela poetisa Tê Soares. Uma ferrenha defensora

do poetrix, professora de literatura, uma baita amiga.

Tê Soares - "Este concreto exige um certo vôo na leitura já que eu o

interpreto como tendo a mensagem final: devolvam-me as asas, os sonhos, a

capacidade de sair do chão. A forma que o aprisiona é a mensagem subliminar

do concreto. Nem sempre retratar uma contradição é fácil e, nesse caso, o

visual se apresenta como uma imposição da realidade, já que, de outra forma

(as sílabas em outra posição), representaria leveza".

Mais uma leitura, desta vez, de uma contista gaúcha de nome Tânia Melo, uma

amiga que gosta dos concretos.

Tânia Melo - Interpretei, inicialmente, como o "querer de volta", diversas

coisas que lhe foram roubadas pela relação. Só depois consegui vislumbrar

"as asas" e, com isso valorizei ainda mais o poema, muito bom.

A leitura da própria autora. "Estava apaixonada, fui abrindo mão de tudo,

perdendo as asas. Finalmente tentei voar, voar pra longe (mas não

conseguia), assim descobri que asas são formadas por "as" e mais "as". Daí

...foi só gritar, gritar: Devolva-me as asas, como se a culpa da minha

incapacidade fosse ele."

A riqueza dos poemas concretos me inspirou a escrever este poema:

N(amor)o

->

<-

-><-

Pedro Cardoso - Já, no título, podemos visualizar um poema concreto, onde

lemos: no amor, o que mais importa é o namoro. Vejam que não fiz uma leitura

literal, mas sim, às avessas, ou seja, parti das extremidades para o centro.

Os poemas concretos nos oferecem essas artimanhas, esses artifícios que

enriquecem a própria poesia. No texto não usei uma única letra, mas símbolos

que representam imagens de pessoas que caminhavam em direções opostas, mas

que, em um dado momento de suas vidas, ficaram frente à frente, olho no

olho, homem e mulher, ou masculino e feminino. Para melhor diferenciação

coloquei as setas nas cores vermelho e preto.

Tê Soares - "Este concreto é auto-explicativo. Sozinho ele se diz, se

completa, se satisfaz, se enternece e demonstra com clareza o que é o namoro

e o amor: encontro (que poderá ser choque ou afago, depende de como ocorre.

E, por isso, eu ainda colocaria reticências, pra deixar claro que o futuro

pertence a quem o faz com o livre arbítrio exercendo-se) inFeliz."

Tânia Melo - O poema N(amor)o, fala tudo pela cor e posição das setas. Acho

que as reticências acrescentariam, conforme o comentário da Tê, deixando ao

leitor a impressão de que não se sabe o final. Que existiu o amor, o

encontro(namoro), mas...

Outro exemplo de minha autoria.

inFeliz

al c (o.ó) l atra

a e

i v

a

n

t

a

Pedro Cardoso - Aqui o título é dispensável, pois o texto seria entendido

mesmo sem ele. Mas, ainda assim, prefiro com o título, pois ele me permitiu

valorizar o texto uma vez que, neste caso, oferece duas leituras: infeliz ou

Feliz? Alguns acham que o alcoólatra é feliz com a bebida, outros, acham que

são infelizes os que bebem. A palavra alcoólatra foi escolhida, pensada,

para que eu pudesse fazer a representação de uma pessoa com as letras "o". E

mais, coloquei um dos "o" na cor vermelha para caracterizar o olho

irritadiço dos que bebem. O segundo verso está representado na palavra cai,

que se observarmos bem, vamos ver que ela está realmente caindo (atos

próprios dos alcoólatras). No terceiro verso, temos a palavra "levanta".

Observe que foi digitada na forma de degraus, dando a entender que o bêbado

cai e levanta, cai e levanta.

Tê Soares - "Engraçado, sujeito a muitas leituras dentro de uma só, que é a

parte risível do desacerto provocado pelo álcool. O tema é corriqueiro e o

seu tratamento também, mas a facilidade do cair e trôpego levantar estão

divertidamente bem colocados".

Tânia Melo - inFeliz - está perfeito. Compreendi tudo. Apenas quanto à

diferença de cores nas letras o.o foi que tive outra impressão. Achei que se

referia ao sentimento de felicidade do alcoólatra ao conseguir levantar-se,

mesmo que de uma forma difícil.

Pedro Cardoso - Outro concreto que me chama a atenção é o poema "Exemplo" da

poetisa baiana Sandra Mamede, que está sempre nos brindando com seus belos

concretos.

v

i

v

a

m

o

s

como

o

s

g

a

n

s

o

s

Pedro Cardoso - O mais interessante é a idéia da autora de nos conclamarmos

a viver como os gansos. Veja que ela nos remeteu a uma forma de vida mais

rude do que a nossa, porém, esses pássaros são, como espelha o título,

exemplos de cooperativismo, onde um "puxa" o outro. Dizem que, quando o

primeiro está cansado, ele troca de posição com o que está logo atrás, está

mudança é para que nenhum fique mais sobrecarregado do que o outro. Outro

dado fundamental neste poema está na ponta da asa inferior, onde a autora

pede socorro. O "sos" em vermelho diz tudo.

Tê Soares - "Este é magistral. É contundente, explícito e me deixa sem ter o

que falar pela concretude, pela capacidade de ser a poesia na imagem fiel da

realidade".

Tânia Melo - O poema dos gansos é belíssimo. Fala só pela imagem, mesmo

antes de serem lidas as palavras.

Finalmente, tentei demonstrar a importância do poetrix para o concreto e,

mais do que isto, mostrar que estes poemas podem ter várias leituras, vários

entendimentos, se assim não fosse, não teriam o valor que tem dentro da

poesia que hoje estamos propondo. Espero que estas informações sirvam para

que outros e mais outros venham a escrever novos poemas concretos

aproveitando essa extraordinária abertura que o poetrix nos permitiu

vislumbrar desde o seu início.

Poetrix
Enviado por Poetrix em 24/11/2006
Código do texto: T300498
Classificação de conteúdo: seguro