INTRODUÇÃO AO HAICAI
(Benedita Azevedo)
 
CEM ANOS DE HAICAI NO BRASIL
 
No ano do centenário da imigração japonesa no Brasil prestamos a nossa homenagem a todos os imigrantes e seus descendentes. Em 18.06.2008, o primeiro haicai japonês escrito no Brasil, completará 100 anos. O histórico navio Kasato Maru, ancorou no Porto de Santos em 18. 06. 1908.  Seu comandante, Shuhei Uetska (1876-1935), encarregado de conduzir os primeiros 793 imigrantes ao Brasil, compôs, logo ao pisar em terras brasileiras, este haicai:
 
A nau imigrante
Chegando: Vê-se lá no alto
A cascata seca.
 
Onze anos depois, em 1919, Afrânio Peixoto publicou em seu livro “Trovas Populares Brasileiras”, 05 haicais e compara a trova brasileira com o haicai japonês. 
 
Em 1926, Wenceslau de Moraes publicou “Relance da Alma Japonesa”, o segundo livro que publicava haicais no Brasil.
 
Mas, só em 1933, Waldomiro Siqueira Júnior publicou o primeiro livro exclusivamente de haicais “HAI – KAIS”.
 
Afrânio Peixoto, Guilherme de Almeida, Haroldo de Campos, Millôr Fernandes, Paulo Leminski e Luís Antônio Pimentel, encabeçam a lista dos iniciadores do haicai no Brasil.
 
 Na poça de lama
Como no divino céu                                                   
Também passa a lua.                                            
              Afrânio Peixoto.                                    
 
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  Haicai Guilhermino com rima e título.
 
Infância
 
Um gosto de amora
Comida com sol. A vida
Chama-se agora.
 
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Luiz Antônio Pimentel nascido em 1912, faleceu em 2015, aos 103 anos, ainda escrevendo seus haivais.
 
Que é um haicai?
É o cintilar das estrelas
Num pingo de orvalho!
 
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COMPOSIÇÃO DO HAICAI
 
A composição do haicai como é praticada hoje, é resultado do “haicai do renga”, muito usada antes de Bashô. Era um poema coletivo em que um poeta compunha a primeira estrofe (hokku), um terceto de 5-7-5 (sons). Em seguida, outro poeta compunha a segunda estrofe, um dístico de 7-7 (sons). Assim, após cada terceto escreviam um dístico, atingindo a centenas. Levavam anos para completarem o poema. Não havia pressa em concluí-lo.
 
TANKA – dois autores e o RENGA uma sequência de tANKAS com vários autores.
 
Chegada do outono                                                            
Aquelas nuvens de chuva                                                    
Passarão ligeiras.
                      José Marins
 
Depois de uma semana
Um céu azul profundo.
                       Pichorim
  
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No século XVII, Bashô que nasceu em 1644 em Ueno, pequena cidade japonesa da província de Iga, fez escola e consolidou o haicai, esta poesia essencialmente sintética, muito popular no Japão. Porém, a poesia mais popular é a “tanka” de 31 sílabas.
 
Aquarela                                                         Inverno
Sol de primavera.                                       No céu de cristal
Céu azul, jardim em flor                              cintila o sol sem calor.
Risos de crianças.                                       Sopra um vento frio.
 
Na pauta dos fios elétricos,                          Tiritam árvores nuas
Uma escala de andorinhas.                          Nos campos que a geada veste.
 HelenaKolody                                         Helena Kolody                   
 
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Bashô era adepto do “kasen”, poema encadeado de apenas 36 estrofes (haikai do renga). Vejamos um fragmento do KASEN do Grupo de RENKU caleidoscópio, fundado em 22. 08. 93 em São Paulo.
  
KAZEN – UM OUTONO QUENTE
 
01
Um outono quente:
Gente anda sem paletó
Na rua ou no ônibus.
                   Goga
02
O tráfego escoa lento
Entre flores de paineira.
                       Teruko
03
Quando a chuva para
Por uma fresta nas nuvens
Surge a lua cheia.
                   Franchetti
04
Enquanto vou para casa
Contorno as poças de lama.
                      Francisco
(...)
 
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Para compormos haicai precisamos conhecer algumas regras básicas.  Comecemos por uma definição de haicai.
 
HAICAI é uma pequena composição poética japonesa, em que se contam as variações da natureza e a sua influência na alma do poeta. Consta de dezessete sílabas, divididas em grupos de (cinco, sete, cinco).
Michaelis: Moderno dicionário da Língua Portuguesa,
1998, Companhia Melhoramentos, p. 1068.
 
Exemplo:
 
Nas trevas da noite,
Galhos que rangem caindo
Ao peso da neve.
       (Bashô – Palhas de Arroz)
 
 
Não é qualquer terceto que podemos chamar de haicai, mesmo que tenha (5-7-5 sílabas) ou sons.
 
Observe a diferença:
 
Tercetos extraídos de um poema de Cecília Meireles.
 
 
A zoeira dos insetos                                 
Cresce nos vales fechados                        
Com o perfume das resinas.                     
 
Altas capelas contam-me divinas
Fábulas. Torres Santos e cruzeiros
Apontam-me atitudes e neblinas.
                         Cecília Meireles
 
Poetrix - é um poema composto de título e uma estrofe de três versos (terceto) com um máximo de trinta sílabas métricas.  No poetrix o título é obrigatório, podendo complementar o texto;  não existe rigor quanto a métrica ou rimas;  metáforas e outras figuras de linguagem, assim como neologismos, são uma constante no poetrix;
 
um terço de mim delira
um terço de mim pondera
outro terço: ah! quem dera!
 
Goulart Gomes 
 
 
Senryu – com a mesma métrica do haicai, porém pode-se expressar lirismo e raciocínio em seu conteúdo. É também de origem japonesa.
 
No meio do mato
Ou subindo algum morro
Eu... mato e morro.
            Sérgio Pichorim
 
 
Haicai Guilhermino: Guilherme de Almeida adaptou seus haicais à sonoridade da trova e colocou título. Seus haicais rimam o primeiro com o terceiro verso e a segunda sílaba com a sétima do segundo verso.
 
Velhice
 
Uma folha morta.
Um galho no céu grisalho
Fecho a minha porta
 
           Guilherme de Almeida
 
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Haicai clássico
 
Cobertor de lã                                                  Vento de inverno
Esquenta o menino pobre:                                O gato de olho vasado
Um sonho possível.                                           Procura seu dono.
           Francisco Handa                                               Edson Kenji Yura
 
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KIGO  
é a palavra que representa uma das estações do ano: primavera, verão, outono, inverno.
 
Alguns kigos
 
Primavera – lembra: alegria, renovação, amor, flores, juventude.
Flor (de modo gera), beija-flor, ipê, jacarandá, rã, campo de primavera, pipa, lua enevoada, borboleta, sibipiruna, plantio (época de), rio de primavera, mar de primavera, lua vernal, dia da criança, dia de finados, bem-te-vi, jabuticaba, abelha, balanço, canário, dia da árvore, poda,  sabiá, semana da pátria, viuvinha (flor), ninho de pássaro.
 
Andando na trilha
sob retalhos de sol –
Canta o bem-te-vi.
             Benedita Azevedo
 
Verão – lembra: vivacidade, liberdade, calor etc.
Ano-novo, barata, guarda-sol, alamanda (flor), chuva de granizo, noite de verão, vaga-lume, piracema, traça, cigarra, pernilongo, lua de verão, aranha, minerva (flor), melancia, jaca, trovão, jacaré, rosa etc.
 
Manhã calorenta –
A sinfonia de pássaros
Na velha palmeira.
            Benedita Azevedo.
 
Outono – lembra: melancolia, decadência, nostalgia, colheita, senectude.
 
Espatódea (flor), orvalho, libélula, outono, lua cheia, folha de outono, vento de outono, estrela cadente, relâmpago, nuvem de outono, céu de outono, colheita de arroz, campo de outono, espantalho, crepúsculo outonal, folha vermelha, dia das mães, flor de maio, grilo, crisântemo, arara, paineira, caqui, arapuca etc.
 
Outono fenece.
Até os marrecos andam
mais devagarzinho.
            Benedita Azevedo
 
Inverno – lembra: tranquilidade, reclusão, morte, repouso, frio.
 
Cobertor, tosse, inverno, rosa de inverno, árvore de inverno, garoa, nevoeiro de inverno, manhã de inverno, balão, cipó-de-São João, fogueira, frieza, noite fria,  rio minguante (com pouca água), camélia, mar de inverno, mosca de inverno, pitanga, agasalho, casaco, chuva fria, frente fria, planura seca, salsão, fogos de artifício etc.
 
Frescor da manhã.
Com o xale sobre os ombros
vovó faz café.
             Benedita Azevedo
 
 
Algumas dicas para escreve haicais clássicos.
 
1. 
Escreva-os em três versos (5-7-5).  
2. 
Não use rima nem título. A rima prejudica a leveza e o título restringe seu universo, pois direciona a leitura.   
3. 
Deve ser uma oração de sentido completo.  
4. 
Deve ter como função central um kigo: o assunto do haicai é a natureza.  
5. 
Deve refletir o momento presente (acontecendo agora): use o verbo no presente.  
6. 
o poema deve ser fruto de uma experiência verdadeira (evite pré-conceito, comentários, não invente, não ache).  
7. 
Use palavras de fácil compreensão, linguagem simples,(vocabulário do cotidiano), fuja das frase de efeito, dos adjetivos, verbos e advérbios que explicam a sua emoção / sensação.
8.  Evite descrições fúteis e expressões redundantes.
 9. Não inclua suas opiniões e conclusões no poema.  
10. 
Evite compor poemas à luz da razão (analíticos). Haicai é realização instantânea, espontânea, intuitiva.  
11. 
Linguagem clara e objetiva: (quem? Quê? O quê?, Quando? Onde?)  
12. 
Prefira sempre a composição por justaposição, formando dois segmentos frasais separados por ponto final ou travessão.  
13. 
O bom haicai é aquele que nos fala de plenitude de vida e não necessariamente (ou apenas) de beleza.
            Fonte: Apostila distribuída pela mestra Teruko, 
as oficinas do Grêmio Haicai Ipê.

BIBLIOGAFIA
1.  AZEVEDO. Benedita, Nas trilhas do haicai, HP Comunicações Editora, Rio de Janeiro, 2004.
2.  AZEVEDO. Benedita, Canto de Sabiá – Haikai, Araucária Cultural, Curitiba, 2006.
 3. AZEVEDO. Praia do Anil  – Haikai, Araucária Cultural, Curitiba, 2006.AZEVEDO. Gota de Orvalho – Haikai, Araucária Cultural, Curitiba, 2007
 
4. Oda. Teruko, Apostila distribuída no Grêmio Haicai Ipê.
5. GOGA. H. Masuda e ODA. Teruko, NATUREZA – BERÇO DO HAICAI, kigologia e antologia, Empresa Jornalística Diário Nippak LTDA, SP.  
6. MARINS. José e PICHORIM. Sérgio Francisco, Pinha, Pinhão, Pinheiro, Araucária Cultural, Curitiba, 2004.  
7. PICHORIM. Sérgio Francisco, O haicai e nossos (seis) sentidos.  
8. www.kakinet.com  
9. www.beneditaazevedo.com
 

Quem é Benedita Azevedo?
 
Benedita Azevedo (Benedita Silva de Azevedo) Filha de Euzébio Alberto da Silva e Rosenda Matos da Silva. Nasceu a 10 de maio de 1944, na cidade de Itapecuru Mirim MA. Morou em São Paulo-capital,  Santa Catarina e está radicada  no Rio de Janeiro desde janeiro 1987.  Recebeu o título de cidadã Mageense em 2003. Educadora, poeta, escritora, haicaísta, antologista e ativista cultural. Formada em Letras e pós-graduada em Linguística.

MEMBRO EFETIVO: Presidente da Academia Pan-Americana de Letras e Artes, 2010-2012; Presidente-Fundadora da ACLAM; Academia de Ciências, Letras e Artes de Magé; Diretora Cultural do Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais, ImBrasCI; Membro da Academia Brasileira de Estudos e pesquisas Literárias; da Academia Mageense de Letras; da União Brasileira de Trovadores, sessão RJ; do Grêmio Haicai Ipê-SP; da Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas – SBPA, Mariana, MG e da ABRALI. Membro fundador da Academia de Letras e Artes Lusófonas-ACLAL; Patronesse da Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores; Membro do Portal CEN e do Portal BVEC - Portugal; Membro correspondente da Real Academia de Letras de Porto Alegre/RS-Cônsul Honorífico de Magé. Pertence ao movimento Poetas Del Mundo - Cônsul de Magé-  RJ. Membro do Centro de Literatura do Forte de Copacabana. Membro Honorário da Academia de Letras e Artes de Castro/Acre. Membro Correspondente da Divine Academie Française des arts Lettres et Culture; Académico Correspondente da Academia Portuguesa de EX- LÌBRIS- PT, Membro Honorário da Academia Internacional de Heráldica – PT, Membro Correspondente Honorário – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia-PT, Membro Honorário da Tertúlia Rafael Bordalo Pinheiro-PT, Sócia do Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro. Idealizou e fundou  o Grêmio Haicai Sabiá-Magé-RJ e o Grêmio Haicai Águas de Março, Rio de Janeiro-RJ.

DELEGADA da Associação Profissional de Poetas do Rio de Janeiro (APPERJ) e do Clube de Escritores de Piracicaba.

PREMIAÇÃO: No mundo do Haicai - recebeu vários prêmios nacionais, inclusive, o 1º lugar no 17º Encontro Brasileiro de haicai, Grêmio Haicai Ipê, São Paulo, novembro/2005; 4º lugar Concurso de Haicais do 28º Festival das Estrelas (Tanabata Matsuri)-SP;  4º e 9º lugares, na 1ª edição do Concurso Nacional de Haicai Caminho das Águas, 2006;  4º lugar na 2ª edição do Concurso Nacional de Haicai Caminho das Águas, 2007; Menção Honrosa no 27º Concurso Literário Yoshio Takemoto de haicai, São Paulo, 2008; Menção Honrosa no 1º Concurso Nacional de Haicai Nempuku Sato – PR, 2008; 4º lugar na 4ª edição do Concurso Nacional de Haicai Caminho das Águas (2009) São Paulo/2008 e o 1º lugar na V Edição do  Concurso Nacional de Haicai Caminho das Águas, Santos - SP, 2011Em outras áreas: Diploma e a Medalha “Henrique Valadares”. Diploma e a Medalha Recompensa à Mulher na Maçonaria Fluminense /2008-RJ;. Prêmio Personalidade de Destaque na Literatura, no 8º Fórum Cultural da Baixada Fluminense, 2009. Seu livro de haicai, “Rumor das ondas” recebeu da Câmara do livro a classificação de “Livro medalha de ouro 2010”; Recebeu a Medalha de Mérito Cultura “Austregésilo de Athayde, outorgada pela Academia de Letras e Artes de Paranapuã-ALAP (2011). Recebeu o título de “Dama Grã-Cruz” da Real Academia de Letras-Prêmio Jucá Santos-outubro (2011) e o XI Prêmio Cultura Nacional, da Ordem da Confraria dos Poetas-Brasil, novembro, Porto Alegre-RS, 2011; Comenda Arcádia Real – Real Academia de Letras – Ordem da Confraria dos Poetas – Brasil, 2012; Título  de Cônsul Honorífico – Real Academia de Letras, Porto Alegre-RS, 2012; Recebeu as Altas Insígnias da Divine Academie Française des arts Lettres et Culture, em Belo Horizonte-MG /2012; Medalha Jorge Amado, pelos 6 anos de fundação do ImBrasCI, do qual é Membro Fundador.  Prêmios Cultura Nacional - Ordem da Confraria do Poetas - Brasil, 2010- 2011 - 2012 - 2013 – 2014 e 2015
Publicou 25 livros individuais, 01 em parceria com Demétrio Sena; 01 em parceria com a portuguesa Elvira Araújo; 01 livros no prelo; organizou 23 antologias. Autora do

PROJETO HAICAI NA ESCOLA, levando a poesia às escolas, desde outubro/2004. Tem participação em jornais, sites e em mais de 115 antologias e revistas. É verbete na Enciclopédia da Literatura Brasileira Contemporânea, volume XIV, 2009.

 
Benedita Silva de Azevedo

Presidente da ACLAM - Academia e Ciências, Letras e Artes de Magé
Coordenadora dos Grêmios de Haicai Sabiá
Coordenadora do Grêmio Haicai Águas de Março
Página pessoal:www.beneditaazevedo.com
E-mail: benesazevedo@yahoo.com.br
Benedita_azevedo@yahoo.com.br
 
 
Benedita Azevedo
Enviado por Benedita Azevedo em 16/06/2016
Reeditado em 08/02/2022
Código do texto: T5669372
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