Nempuku Sato - Por um Discípulo

H. Masuda Goga


O meu primeiro encontro com o Mestre Nempuku (Kenjiro Sato), aconteceu no mês de julho de 1935 no salão do Hotel Esplanada, no centro de São Paulo.


Nesta ocasião, a comitiva de uma missão econômica do Japão estava hospedada neste hotel e um dos membros da mesma, Keizo Seki (nome literário Keisô) queria encontrar-se com o Mestre Nempuku, seu amigo. De minha parte visitava o Sr. Seki que era colega de trabalho de meu tio, Shigekazu Kawamura, com o objetivo de ouvir dele notícias recentes sobre meu parente.


No fim do encontro, Keisô perguntou-me se eu gostaria de aprender haiku com o Mestre Nempuku. Respondi-lhe positivamente, sem hesitar, porque já conhecia o nome do Mestre na coluna de haiku da revista Nôgyô no Burajiru que circulava na colônia japonesa e eu mesmo já experimentara fazer o haiku a meu modo.


Logo depois, comecei a mandar os meus haikus para serem selecionados pelo Mestre, que mantinha sua coluna de haiku do jornal em japonês Burajiru Jihô. Essa relação do mestre e discípulo foi mantida até o dia de seu falecimento, em 22 de outubro de 1979.


A orientação do Mestre sobre o haiku era rigorosa, baseada na observância do estilo tradicional da escola de Bashô, inovando sobremaneira a independência do hokku (a estrofe inicial do poema encadeado) que se chama atualmente haiku.


É famosa a história de que Nempuku imigrou para o Brasil a fim de divulgar o haiku entre os japoneses em sua nova terra, incumbido pelo Mestre Takahama Kyoshi, com quem aprendeu haiku desde a mocidade, quando morava em uma aldeia da província de Niigata, no noroeste do Japão.


Nempuku recebeu um haiku de despedida, como segue:
hata utte
haikai koku o
hirakubeshi

(1927)



Cultivando a terra,
construa uma nação
de haikai*.

(Tradução de Goga)



* Este termo em japonês abrange todos os estilos de poesia do gênero.


O Mestre Nempuku homem de caráter positivo, sincero e batalhador, trabalhou arduamente para realizar o ideal de seu professor. Após alguns anos da vinda para o Brasil, iniciou sua peregrinação haicaísta, visitando os núcleos agrícolas e promovendo sessões de haiku onde se praticavam concursos. O mestre ensinou aos presentes o "verdadeiro haiku", isto é, o haiku tradicional que obedece rigorosamente à métrica e contém sempre o kigo.


Ele descobriu os diversos kigos tipicamente brasileiros, ao observar atentamente a natureza do país e mostrou aos discípulos como fazer haikus com os novos kigos brasileiros.


A coluna de haiku do jornal Burajiru Jihô cresceu e aumentou o número de participantes que disputavam classificação num concurso mensal. Assm sendo, o haiku tradicional foi divulgado não só entre os agricultores, mas também entre pessoas de outras profissões.


Pouco antes da eclosão da 2a Guerra Mundial, o governo do presidente Getúlio Vargas proibiu a circulação de jornais em língua estrangeira. E a atividade haikuísta por meio do jornalismo entrou em colapso. No entanto, Nempuku não perdeu ânimo e, ao contrário, criou mais coragem de divulgar o ideal do haiku tradicional por meio da seleção e orientação por correspondência, para o bem dos discípulos espalhados por todo o território do país. A maioria se concentrava nos estados de São Paulo e Paraná.


Nesta época, eu estava fixando residência em Pedregulho, no interior paulista, próximo ao limite com Minas Gerais, na altura do Triângulo Mineiro. E mandava sempre a produção não só minha mas também de meus companheiros, mantendo reuniões de haiku clandestinamente em minha residência. Este sistema de orientação de haiku diretamente pelo Mestre tornou-se cada dia mais difícil e depois da declaração oficial de ruptura de relações diplomáticas entre o Brasil e os países do Eixo, a iniciativa de Nempuku impossibilitou-se por completo.


No entanto, logo depois do término da guerra, a atividade dos haikuístas tornou-se mais viva e animada porque, em janeiro de 1947, saiu a primeira edição do Jornal Paulista (bilíngüe), na qual foi criada uma coluna de haiku pelo Mestre Nempuku. Todos quantos perderam contato com o Mestre durante a guerra ficaram entusiasmados com o reinício da seleção direta do haiku por Nempuku.


No inverno de 1947, a direção do periódico organizou o 1o Encontro de Haiku, em São Paulo, do qual participei e fui premiado com o seguinte haiku:
togiretaru
denwa ni seki no
kikoekeri

A pausa no fone
e no fundo, do aparelho,
ouvindo-se a tosse...

(Tradução de Goga)




Desta ocasião em diante, o encontro de haiku foi realizado anualmente pelo Jornal Paulista até o dia em que o Mestre caiu enfermo. Eu, durante anos, como um dos redatores desta folha, colaborei para organizar o evento sob a orientação do Mestre. Ele reconhecia a importância desta reeunião anual para a difusão do haiku e de seu ideal. O número dos participantes ao encontro anual cresceu ano após ano até atingir o recorde de mais de trezentas pessoas por ocasião da reunião especial em comemoração da 300a edição da revista Kokage, que foi criada e administrada pelo próprio Mestre. Além disso, Nempuku aceitava abnegadamente convites para comparecer a encontros regionais apenas para satisfazer os discípulos com sua presença.


Essas viagens haikaístas deram um resultado digno de menção: conforme um cálculo por alto, o número de adeptos atingiria, no auge, a casa dos dois milhares.


Sua filosofia, quanto ao haiku tradicional, era intransigente e nunca cedeu um passo sequer ao "adversário" que desrespeitava o espirito da tradição. Ele defendia a todo custo a escola Hototogisu, dirigida por Kyoshi Takahama, assim como lutava para consolidar a situação da revista Kokage.


A relação entre o meu professor Nempuku e eu durou mais de 40 anos, e aprendi com ele a excelência do haiku do "aqui-agora". O Mestre, quando publicou a primeira edição de sua coletânea, escreveu um trecho como se segue:


"Nasci como filho de um pequeno comerciante de aldeia, mas não aprendi nada sobre negócios e recebi apenas educação primária. Sem cultura alguma, cheguei ao Brasil e por aqui passei a metade de minha vida sem conseguir sucesso digno de nota. Por isso, meus haikus são apenas um diário banal de vida sem valor para ser apreciado. Porém, o haiku tem sido minha vida nestes 25 anos, mesmo nos instantes em que fui impedido de compor pelo cansaço do trabalho pesado. Assim sendo, eu considerava que o haiku era a animação da vida e fui consolado e encorajado pelo mesmo..."


E no prefácio da segunda coletânea, escrito pelo amigo do autor, professor, médico e haikuísta Mizuho, há um trecho que trata da personalidade de Nempuku:


"Era um moço de corpo frágil e magro; porém, depois da chegada ao Brasil, recuperou a saúde e resistiu a todas as dificuldades físicas e mentais", e disse também "um grande sucesso conseguido pelo Mestre Nempuku, como fruto da forte personalidade e enérgica pertinácia".


O Mestre Nempuku, meu venerável professor, era sério em todos os sentidos. Ele exigia honestidade de si mesmo e também dos discípulos. Por isso, não dava aos alunos a liberdade de pertencerem a outras escolas de haiku, de nenhuma maneira. O Mestre queria justificar a solidariedade ao "nosso partido" e nunca cedeu um palmo ao movimento "contra Nempuku". Por esta atitude firme, ele conseguiu subir ao trono de soberano do "país do haiku", o Brasil. Esta história foi televisionada em 1997 pela rede japonesa NHK, num programa cultural muito elogiado entre os espectadores japoneses. Assim, Nempuku cumpriu a responsabilidade de pioneiro cultural, ao plantar a pedra fundamental do "Império do Haiku Tradicional".


Eu, como um dos discípulos de maior intimidade e como um dos redatores do Jornal Paulista, tive a honra de colaborar para concretizar o sonho sublime do "poeta agricultor". Alem dos dois volumes da coletânea de seus haikus, editados em 1953 e 1961, foram publicadas a sob sua orientação uma antologia brasileira (1948) e uma antologia paulista (1952).


Finalmente, vem à lembrança que, quando fiz uma visita pouco antes de sua despedida final, ele me solicitou o máximo de esforço na divulgação do haiku com kigo, oferecendo-me o uísque proibido por orientação médica.


Os seguidores do criador do "país do haiku", todos os anos, no domingo mais próximo ao aniversário de seu passamento, 22 de outubro, prestam suas homenagens, realizando uma grande reunião nacional em São Paulo, onde é realizado um concurso de haiku. Dia de Nempuku:
Ofereço o meu haicai
no lugar de flores.

Goga
Akasha De Lioncourt
Enviado por Akasha De Lioncourt em 02/09/2006
Reeditado em 09/01/2007
Código do texto: T231352
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