Encontros e Desencontros: Ser amante não é a mesma coisa que ser amado!
Toda vez que nos deparamos com alguém que nos atrai, alguém que nos desperta interesse, somos geralmente tomados pela dúvida: será que esta pessoa também gosta de mim?
Diante deste questionamento ficamos inseguros e, nesta condição, é muito difícil que o encontro com a pessoa querida ocorra. É comum no relato de quem conseguiu formar um casal que o encontro entre os dois se deu de maneira inesperada, por acaso, quando não havia expectativas ou cobranças, quando se estava desarmado.
Quando estamos armados da dúvida sobre a correspondência ou não do amor de quem supomos querer, ficamos no lugar de carentes. A pessoa carente tem a crença de que o seu amado tem as características necessárias para lhe trazer a satisfação, a felicidade plena. Enfim, o carente idealiza o outro como aquele que lhe trará a completude. A sua expectativa na relação é ser completado pelo outro.
Para conseguir ser amada, a pessoa carente vende a esperança de que só ela também pode completar o amado, que só ela realmente o ama, que foram feitos um para o outro. Cobra que o outro reconheça isto, como se o amor fosse uma troca na mesma medida. O relacionamento, então, quando ocorre, se dá pelo medo de perder o outro, por uma busca de segurança, como uma obrigação ou um dever.
Uma relação que se sustente no temor e na cobrança pode até trazer uma promessa de conforto e segurança para o casal, mas na prática é vivida de forma bastante conflituosa. Normalmente em um casal assim, um ocupa o lugar de carente e o outro o de amado. As posições podem se inverter com o tempo, mas sem uma coincidência temporal dos lugares. Como em uma disputa de gato e rato, quando se é amado não se ama e quando se ama não se é amado.
Para manter este jogo, é necessário que a pessoa amada permaneça no seu lugar idealizado, sempre superior e distante. O carente só sustenta seu amor enquanto é desprezado pelo outro. Diante de qualquer ideal, como o da pessoa amada que nos completaria, ficamos no lugar de defeituosos, de menos, de insuficientes, de errados, de pecadores. A pessoa carente se coloca em uma lugar de inferioridade e justamente neste lugar que é reconhecida e tratada: como uma porcaria, como alguém sem sensualidade ou capacidade de sedução, alguém que não merece ser amado ou que se está junto apenas por obrigação ou dó.
Se por alguma razão o carente percebe que o amado também o ama, que o outro lhe disse sim finalmente, passa pouco a pouco a pensar que se enganou, que agora não quer mais, que gosta de outra pessoa. E os que sempre ocuparam o lugar de amados, se por algum motivo perdem os seus adoradores, quando por exemplo estes morrem, descobrem que na verdade amavam o outro que desprezavam, mas agora é tarde para voltar atrás. Enfim, o amor sustentado na idealização é um eterno desencontro.
É possível que os relacionamentos baseados no ideal de completude só se sustentem em uma sociedade organizada por obrigações e compromissos sociais, como o casamento e o dever de formar uma família.
Em um mundo como o nosso, em que cada vez mais não há padrões gerais que definam as relações entre as pessoas e em que, a princípio, se poderia escolher qualquer um para amar e estar, a expectativa de ser amado talvez não permita a união entre as pessoas. É curioso observar que em uma sociedade em que os casais podem se unir por amor e nenhuma outra obrigação, o encontro entre duas pessoas pareça cada vez mais ser superficial e fugaz.
Quando estamos livres, quando não temos mais proibições ou deveres para poder amar, nos deparamos com a frustração de que o outro não pode nos completar. Diante desta constatação, podemos ficar desanimados, queixosos ou nos resignarmos de que o amor não existe, que é uma ilusão boba, que só queremos sexo ou uma companhia para ir ao cinema, nada muito duradouro.
Talvez devêssemos mudar de expectativa amorosa para possibilitarmos novos encontros. Temos práticas novas mas ainda estamos permeados por crenças antigas.
Se conseguíssemos abandonar a fé na completude e se, em vez de uma obrigação ou uma prisão, pudéssemos perceber uma relação a dois como uma escolha, é provável que encontrássemos a oportunidade de um novo amor.
Quando idealizamos alguém e queremos que este nos complete, chamamos de amor a expectativa de ser amado. Neste caso, amar e esperar ser amado se confundem. De forma diferente, quando alguém por acaso nos despertar paixão, podemos considerar que esta pessoa na verdade está nos convidando a nos percebermos como desejantes e não como carentes. Desejar é amar na posição de quem se sabe imperfeito sem possibilidade de cura, de alguém que ama mas não pode ser amado ou completado e que por isto tem de estar sempre amando, animado, inventando e criando repostas na vida.
Podemos, assim, tentar apostar que quando alguém nos fala “eu te amo” está dizendo “você provoca amor em mim”, “você desperta o meu amor” “você me faz amante” e não “você é amado por mim” ou “eu te completo e você me completa”. O amor do outro não faz ninguém completo, mas desejante.
Ser amado é um ideal ou um fim e, por isto, nunca deve ser alcançado. Deve ficar só na promessa. Apenas amar, sem a cobrança de ser amado, permite uma oportunidade real de encontro. Amar sem idealizar é perceber encanto no enigma que é o outro para mim. É ver beleza na incompletude, no que a outra pessoa nos traz de real, quando estamos próximos, no presente e não apenas enquanto ideal, no como deveria ser, quando estamos distantes, na impossibilidade, no não tem jeito, no desencontro. No amor idealizado quando um ama o outro não pode amar, um é amado e o outro quer ser amado. No amor desejante os dois provocam amor um no outro, os dois são amantes ao mesmo tempo.
Para que haja o encontro entre dois amantes é necessário que pelo menos um dos dois consiga sair da dúvida, da insegurança de ser amado e acreditar e insistir em amar apenas. Que um não exija provas de amor do outro e nem se sinta na obrigação de oferecê-las. Que ensine, com o seu exemplo, que é possível amar sem a expectativa de ser amado. Deste modo, não deve cobrar que o outro faça o mesmo que ele e que queira ser amante também, não dever fazer ameaças e nem colocar temores, mas permitir a escolha. Se por acaso a outra pessoa topar poderá haver o encontro.
Quem vive de idealizar o amor exige do outro uma coisa que ele não pode dar. Como é impossível completar alguém (talvez só na morte se encontre o sossego, a segurança e a paz da completude) o final de toda idealização são acusações contra o amado que lhe prometeu uma coisa e entregou outra. Dormimos com o príncipe ou a princesa e acordamos com o vilão ou a bruxa.
Os aspirantes a amados estão sempre inseguros, sempre na expectativa de perder o lugar imaginário que buscam, sempre ansiosos, na paranóia, no medo de ser menos queridos e por fim rejeitados.
Diante da angústia de se perceber incompleto, do nosso mal-estar incurável, podemos apelar para a ilusão do outro, para a crença de que se pode encontrar alguém que nos complete, que nos ame totalmente. Outra alternativa seria lançar mão da criatividade, ter o amor não como um fim, mas como ferramenta para viver. Quem escolhe desconhecer a incompletude vive na esperança de um outro que nunca vem, se entretendo em expectativas frustradas e paralisado em sua capacidade criativa. Quem sabe do impossível e inclui a impossibilidade de perfeição em sua vida, se vê como criador, como agente. Um fica no lugar de mal-amado, o outro no de amante.
Afinal, o impossível de ser compreendido é que permite comunicar, o impossível de ser escutado é que permite falar e o impossível de ser amado é que permite amar.