Masuda Goga - Biografia e os Dez Mandamentos do haicai

Segundo a Revista Brasileira de Haicai – Caqui (2007), Hidekazu Masuda, mais conhecido como Goga, nasceu na província de Kagawa, no Japão, em 08 de agosto 1911. Sua relação com o Brasil se estreitou em 1929, ano de sua emigração.

Em seus primeiros anos no Brasil, especificamente em São Paulo, Goga trabalhou em atividades ligadas à agricultura até tornar-se comerciante na cidade de Pedregulho.

Durante esse percurso, conhece, em 1935, o mestre Nempuku Sato (1898-1979), que o orientou sobre o haikai japonês até a sua morte. Embora já escrevesse ao seu modo, é deste encontro que Masuda vai verdadeiramente mergulhar na prática do haikai. Foi um discípulo dedicado, colaborou com seu mestre na divulgação do haikai entre os imigrantes.

Além de divulgar o haikai entre seus conterrâneos, Goga foi além, rompeu os limites nipônicos e buscou novos caminhos para poder promover o haikai no Brasil. Manteve contato com intelectuais e poetas brasileiros, dentre eles, Jorge Fonseca Júnior, com quem iniciou suas pesquisas sobre o haikai no país, Guilherme de Almeida, com quem travou discussões sobre o haikai em português.

Em 1943, Masuda publica seus primeiros haikais em língua portuguesa no Anuário do Oeste, de Corumbá, editado por Jorge Fonseca Júnior. Em 1948, muda-se para São Paulo. Torna-se jornalista no diário nipo-brasileiro “Jornal Paulista”, onde chega a ser redator-chefe.

Na década de cinqüenta, foi correspondente de um jornal japonês e funcionário da Cooperativa Agrícola de Cotia. Naturalizou-se brasileiro em 1962. No ano seguinte, associou-se ao Grupo Seibi de artistas plásticos nipo-brasileiros e foi administrador-chefe da Sociedade Beneficente da Cooperativa Agrícola de Cotia. Em 1984, fundou o primeiro grupo brasileiro direcionado à prática de renga em língua japonesa e selecionou haikais em japonês para a revista Agronascente até 1998.

Em 1987, foi co-fundador do primeiro grupo brasileiro devotado exclusivamente à prática do haikai, o Grêmio Haicai Ipê, a mais expressiva entidade que representa o haikai no Brasil. Selecionou haikais em português para a revista de cultura japonesa “Portal” e para o jornal nipo-brasileiro “Notícias do Japão” durante a maior parte da década de 90. Foi ainda fundador do Grêmio Caleidoscópio, em 1994, grupo brasileiro voltado à prática do renga em português.

Apesar de ter se aposentado em 1973, Goga sempre manteve suas atividades de divulgador e praticante da arte do haikai. Em 1999, depois de uma vida dedicada ao haikai, encerrou suas atividades sociais e mudou-se para um sítio no interior de Minas Gerais, onde vive tranqüilamente. Apesar disso, ainda continua escrevendo os seus haikais, mesmo próximo de ser um homem centenário.

O que o difere de seu mestre, Sato, é que Goga ousou ir além de sua própria língua materna, aclimatizou o haikai em língua portuguesa e o difundiu de forma cristalizada, permitindo, desta forma, o cultivo da arte do haikai entre os brasileiros, sempre baseada nos valores tradicionais do haikai japonês. Graças a este mestre, a língua portuguesa foi contemplada com a oportunidade de beber diretamente na fonte do haiku.

Seus trabalhos em língua portuguesa são:

• O Haicai no Brasil, publicado pela Editora Oriente, em 1988. São Paulo.

• 100 Haicaístas Brasileiros, organizado com Roberto Saito e Francisco Handa e publicado pela Aliança Cultural Brasil-Japão e Massao Ohno, em 1990. São Paulo.

• As Quatro Estações, organizado com Roberto Saito e Francisco Handa e publicado pela Aliança Cultural Brasil-Japão e Massao Ohno, em 1991. São Paulo.

• Antologia do Haicai Latino-americano, organizado com Humberto Senegal, Roberto Saito e Francisco Handa e publicado pela Aliança Cultural Brasil-Japão e Massao Ohno, em 1993. São Paulo.

• Haicai – A poesia do Kigo, com a co-autoria de Teruko Oda e Eunice Arruda, publicado pela Aliança Cultural Brasil-Japão, em 1995. São Paulo.

• Natureza – Berço do Haicai, com a co-autoria de Teruko Oda, pela Empresa Jornalística Diário Nippak, em 1996. São Paulo.

• Ecos do Silêncio, com fotos de Isabel Kioko Noda, pela Editora Escrituras, em 2002. São Paulo.

• Masuda Goga, discípulo de Basho. Documentário dirigido por Guto Carvalho, em 2002. São Paulo.

Descrevemos abaixo os conhecidos Dez Mandamentos do Haicai, elaborados a partir de definições comuns entre os praticantes do Grêmio Haicai Ipê e com a orientação e supervisão de Goga (ODA et al., 1994, p. 04)

1. O haicai é um poema conciso, formado de 17 sílabas, ou melhor, sons, distribuídas em três versos (5-7-5), sem obrigação de rima nem título e com o termo de estação do ano, o kigo.

2. O kigo é a palavra que representa uma das estações do ano: primavera, verão, outono e inverno. Exemplos: “borboleta”, “ipê”, “jacarandá”, etc, representam a primavera; “pernilongo”, “cigarra”, “maracujá”, etc, representam o verão; “neblina”, “pica-pau”, “Dia das Mães”, etc, representam o outono; “lareira”, “fogueira”, “festa junina”, etc, representam o inverno (ODA et al., 1994, p. 04).

3. Cada estação do ano tem a sua própria característica do ponto de vista da sensibilidade do poeta. Cada uma das quatro estações do ano transmite uma determinada emoção, que é captada pelo poeta e transformada em verso. Assim sendo, como referência de primavera, a sensação de alegria (ODA et al., 1994, p. 05):

Pelas mãos do vento

Deus colhe flores no campo

que festa há no céu?

(Primo Vieira)

Mil andorinhas

de pega-pega brincam

por sobre a cascata

(José Reis)

Como referência de verão, a vivacidade e a idéia de movimento (ODA et al., 1994, p. 06):

Sobe a piracema

desafiando a correnteza

do rio caudaloso

(Fanny Dupré)

Disparos de flashes

vaga-lumes fotografam

minhas retinas

(Francisco Moura)

A sensação de melancolia é a característica do outono (ODA et al., 1994, p. 07):

Os grilos cantam apenas

do meu lado esquerdo –

estou ficando velho

(Paulo Franchetti)

Flores-de-maio

no meu quintal lavado

gotas de orvalho

(Sílvia Rocha)

Os sentimentos de solidão e frieza caracterizam o inverno (ODA et al., 1994, p. 08):

Cálidos casacos

todos rodeando o morto –

pálido, gelado

(Roberto Saito)

A mulher abraça

a garrafa de cachaça

miserável casaco

(Jorge Lescano)

4. O haikai é poema que expressa fielmente a sensibilidade do autor. Por isso (ODA et al., 1994, p. 08):

• Respeitar a simplicidade. Exemplo:

Chuva violenta

goteiras tocam tambor

em velhas bacias

(José Reis)

Pipa colorida

riscando azul infinito

menino desenha

(Francisco Handa)

Evitar o "enfeite" de "termos poéticos". Exemplo (ODA et al., 1994, p. 09):

Oh linda lua cheia

Brilho de prata das noites serenas

Suave como seu meigo olhar

As expressões em destaque apontam para uma redundância perfeitamente dispensável, cuja inclusão nada acrescenta ao poema em si.

Captar um instante em seu núcleo de eternidade, ou melhor, um momento de transitoriedade. Exemplos (ODA et al., 1994, p. 09):

Rua de São Paulo

de repente, esta paineira:

travesseiro antigo

(Eunice Arruda)

Estrela cadente

no seu rastro luminoso

um desejo meu

(Fanny Dupré)

Evitar o raciocínio. Exemplo (ODA et al., 1994, p. 10):

No paraíso terreno

o arco-íris enfeita

o paraíso celeste

Percebe-se que este haikai foi escrito a partir de idéias pré-concebidas, através de elaboração mental e analítica.

Exemplo de haikai onde não se percebe nenhuma elaboração mental (ODA et al., 1994, p. 11):

Fugindo do sapo

o vaga-lume se esconde

no meu sapato

(Jorge Lescano)

5. A métrica ideal do haikai é a seguinte: 5 sílabas/sons no primeiro verso, 7 no segundo e 5 no terceiro, mas não há exigência rigorosa, obedecida a regra de não ultrapassar 17 sílabas ao todo, e também não muito menos que isso. E a contagem das sílabas termina sempre na sílaba tônica da última palavra de cada verso, sendo permitidas também as elisões (vide item 2.1) (ODA et al., 1994, p. 11).

6. O haikai é poemeto popular; por isso usa-se palavras do quotidiano e de fácil compreensão. (ODA et al., 1994, p. 13).

7. O dono do haikai é o próprio autor, por isso, deve-se evitar imitação de qualquer forma, procurando sempre a verdade do espírito haicaísta, que exige consciência e realidade (ODA et al., 1994, p. 13).

8. O haicaísta atento capta a instantaneidade, qual apertar o botão da câmera para obter o “snap” (ODA et al., 1994, p. 14).

9. O haikai é considerado como uma espécie de diálogo entre autor e apreciador, por isso, não se deve explicar tudo por tudo. A emoção ou a sensação sentida pelo autor deve ser apenas sugerida a fim de permitir ao leitor o re-acontecer dessa emoção, para que ele possa concluir, à sua maneira, o poema assim apresentado. Em outras palavras, o haikai não deve ser um poema discursivo e acabado. (ODA et al., 1994, p. 15).

10. O haikai é uma criação poética emanada da sensibilidade do haicaísta, por isso, deve-se evitar expressões de causalidade ou de sentimentalismo vazio. Um haikai piegas, que deve ser evitado, teria a seguinte forma (ODA et al., 1994, p. 16):

Folhas secas caem

pobre ceguinho – tão triste –

em noite de insônia

Abaixo, alguns haikais de Goga extraídos da Revista de Haicai Caqui (2007):

Em cima do túmulo

cai uma folha após outra.

lágrimas também...

Primavera alegre

os namorados com walk-man

percorrem o parque

Paineira em flor:

casa-grade abandonada,

sem telha nem porta

Uma aldeia pobre

ao pé da serra de inverno

mina antiga de ouro

REFERÊNCIAS:

ODA, Teruko; HANDA, Francisco. Introdução ao Haicai. São Paulo: Grêmio Haicai Ipê/Aliança Cultural Brasil-Japão Editores, 1994.

Caqui - Revista Brasileira de Haicai. Artigo sobre H. Masuda Goga, mestre de haicai. São Paulo, 2007. Disponível em http://www.kakinet.com/caqui/goga.shtml. Acesso em 10 mai. 2007.

Nota: Goga faleceu no dia 28 de maio de 2008.

Obs: Este texto foi extraído do TCC "O HAIKAI EM SALA DE AULA", de Alvaro Mariel Posselt, Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, junho de 2007.