Literatura de cordel
A cultura popular nordestina é rica em formas e gêneros. Fazem parte dessa cultura os cantos de improviso dos repentistas e emboladores, os causos, as lendas, histórias de Trancoso, bem como a Literatura de Cordel.
A literatura de cordel, mais comumente chamada apenas Cordel, nasceu como uma literatura popular, publicada em livros de impressão simples, para serem vendidos em feiras e mercados, pendurados em cordéis (o que lhe deu o nome). Seus divulgadores os recitam nas feiras, ou cantam seus cantares, e nisso são muito próximos dos improvisos no formato, mas não na temática.
A temática do cordel é preponderantemente épica, em poemas longos, utilizando vários formatos de estrofes, versos e rimas. O cordelista conta uma história (ficção, verdade, paródia, ironia, tragédia, humor, narrativa de um acontecimento, etc.) utilizando versos na sua construção. O cordel é, basicamente, um conto feito em versos.
Quanto ao formato das estrofes, o cordel utiliza as quadras, as sextilhas ou sextas, as septilhas ou sétimas, as oitavas e as décimas.
Com exceção das décimas, nos formatos de Martelo agalopado e de Galope à beira-mar (estes mais utilizados nos repentes), os versos são quase que uniformemente redondilhas maiores.
Quanto às rimas, não existe o cuidado de se procurar rimas ricas, nem a obrigação de apresentar rima em todos os versos. Há até o costume de não se utilizar rimas nos versos ímpares nas quadras e nas sextilhas.
A quadra
A quadra ou quarteto é uma estrofe de 4 versos. Utiliza esquema rímico semelhante ao da trova (ABAB ou ABBA) mas encontramos com freqüência o esquema mais simples, dos cantadores, que utilizam a rima final apenas nos versos pares (xAxA).
Exemplos:
1) “Depois destes versos feitos,
quando voltei para a mesa
e lê-los para as pessoas,
tive mais uma surpresa.
Alguns estavam comendo
ovo frito com gordura,
que, por ser do seu terreiro,
estava uma gostosura.”
(Adauto Barreto, “Na casa de Emília”)
2) “O gringo, um homenzarrão,
era bastante educado
mas tinha um cuspir-de-lado
que incomodava um montão.
Era magro, alto, esguio,
barba fechada no rosto.
Não sei que Maria viu,
mas caiu-lhe no seu gosto.”
(Paulo Camelo, “A história do gringo e do vendedor de bode”)
A sextilha
É uma das formas mais utilizadas nos cordéis, juntamente com a sétima.
As estrofes são quase invariavelmente feitas em redondilhas, com as rimas nos versos pares, raramente utilizando-se rima nos ímpares.
Exemplo:
“Minutos depois Josefa
bastante ração cortou.
Fez um feixe com cuidado,
na cabeça colocou.
Neste momento ela ouviu
quando a filhinha chorou.
Porém sua casa ficava
bastante longe dali
e sendo assim impossível
seu choro poder ouvir,
também sozinha jamais
poderia chegar ali.”
(Madalena Castro, “As travessuras de Comadre Fulozinha”)
A Sétima
A estrofe de sete versos, chamada sétima, de muita utilização no cordel, apresenta um esquema rímico próprio, com uma variante. As rimas são apresentadas nos esquemas xAxABBA ou ABABCCB, vendo-se aí a semelhança dos primeiros versos com a quadra, descuidando-se dos versos ímpares algumas vezes.
Exemplos:
1) “A cera de carnaúba
Alto Longá tem fartura.
Arroz, milho e feijão
aumenta a sua cultura.
O azeite do babaçu,
banana, manga e caju,
a cana da rapadura.
Alto Longá tem poeta
que canta o mundo em repente,
canta a vida do seu povo
do passado e do presente.
Pesquisei, guardei no crânio,
escrevo pra o conterrâneo
a história de sua gente.”
(Pedro Costa, “Alto Longá e sua gente”)
2) “Minha poesia é simples
porém a rima é completa
e quem ler o meu cordel
diz: este poeta presta.
Mas levo aqui o louvor
ao amigo professor
do ‘A menina do poeta’.
São muitas as suas obras
falando do meu sertão.
Não esquece o seu lugar,
fala de todo o torrão.
Nos seus versos incomuns
enaltece os inhamuns
com uma inensa paixão.”
(Paulo de Tarso, “A menina do poeta”)
3) “Remando nessa maré,
Pernambuco faz bonito,
pois teve Agostinho Lopes,
de São José do Egito.
Exu mostra seu valor
com o João Serrador,
que por lá nunca foi frito.
Não ouvi, mas acredito
que uma das coisas belas
é ouvir Manoel Domingos,
da cidade de Panelas.
Antes da lista vindoura,
lembro Eduardo Moura,
que nunca cantou balelas.”
(Ismael Gaião da Costa, “Gerações de poetas repentistas que divulgam a cultura nordestina”)
A oitava
A oitava é estrofe menos utilizada no cordel. Seu formato deriva da junção de duas quadras, até com seus esquemas rímicos, que podem ser continuados nas duas quadras da estrofe ou diferentes em cada parte, mas, na maioria dos casos, deixando os versos ímpares como versos brancos. Utiliza esquema xAxAxAxA, ou ABABABAB ou, ainda, ABABCDCD.
Exemplo:
“Venho, com toda firmeza,
registrar a pelintragem
de uma rameira afoita.
Fez de tudo, até chantagem...
Assim, todos iludia,
tenho a prova na bagagem.
A quem couber o barrete,
encare-me, se tem coragem.”
(Dulcinéa de Oliveira, “Sarrabulho de uma mundiça”)
A décima
A décima é, no cordel, o que se pode chamar de “forma erudita”, pois sua utilização é mais trabalhada, até quando é utilizada pelos repentistas.
Como nos outros esquemas estróficos, a décima também se utiliza da redondilha, mas é nesse formato que aparecem versos de arte maior, como o Martelo Agalopado e o Galope à beira-mar.
Embora possa apresentar esquema rímico diverso, o mais utilizado (a grande maioria) é o esquema ABBAACCDDC.
É nesse esquema estrófico (juntamente com o esquema rímico) que encontramos a glosa, formada por uma ou duas estrofes nos improvisos e por várias estrofes no cordel.
As posições tradicionais do mote em dístico na glosa são nas posições 4 e 10 ou nos dois últimos versos, 9 e 10.
Porém o cordel assim apresentado não necessita obrigatoriamente de utilizar o mote, mantendo a temática livre como os cordéis que utilizam estrofes menores.
Exemplos:
1) “Pernambuco se levanta
dentro desta nova glosa
com Severino Feitosa,
que no improviso encanta.
Muita gente se espanta
quando escuta Minervina.
O que também me fascina
é ver Santinha Maurício,
que canta sem sacrifício:
tudo eu sei, ninguém me ensina.
Comigo, o rojão é quente,
diz Mocinha de Passira.
E quem nela se inspira
canta a glosa facilmente.
É Pernambuco presente
com sua matéria-prima,
onde também tá de cima
Oliveira de Panelas,
que faz poesias belas
na junção de verso e rima.”
(Ismael Gaião da Costa, “Gerações de poetas repentistas que divulgam a cultura nordestina”)
2) “Plantei roça sem comer
a minha última semente.
Na terra seca, o sol quente,
vi a criação morrer.
Esperei Deus resolver
mandar chuva pro roçado,
toró dágua controlado
e não uma tromba dágua,
pra não aumentar a mágoa,
levando o que foi plantado.
Do Ceará ao Cariri
açudes estorricados
em blocos espedaçados,
Pernambuco e Piaui.
O Nordeste todo aqui
nesta gleba tão sofrida
do nosso Brasil sem vida.
Não chovendo no sertão,
torra a semente no chão
e a luta fica perdida.”
(Anélio Souza, “O drama da seca”)
3) “Eu guardei meu dinheiro mês a mês
pra poder ter um pouco no futuro
e esse cara me toma ele de vez,
de uma hora pra outra eu fico duro
e não vejo maneira de rever
o dinheiro que o homem me tomou;
o que é meu já fugiu do meu poder:
a poupança que fiz se evaporou,
o salário encolheu, se degradou,
vitimado que foi por roubo puro.
Eu entrei numa fossa, fiquei triste
e quedei-me a pensar o que é que eu faço;
esse cara nos vem de dedo em riste
e nos faz novamente de palhaço.
Inda bem que a justiça não tardou
e o Congresso implantou a CPI,
do Planalto ele logo se afastou,
hoje está sem função, sem pedigree,
mas a grana ele já levou daqui
e de novo pergunto: o que e que eu faço?”
(Paulo Camelo, “E eu só queria votar...”)
A cultura popular nordestina é rica em formas e gêneros. Fazem parte dessa cultura os cantos de improviso dos repentistas e emboladores, os causos, as lendas, histórias de Trancoso, bem como a Literatura de Cordel.
A literatura de cordel, mais comumente chamada apenas Cordel, nasceu como uma literatura popular, publicada em livros de impressão simples, para serem vendidos em feiras e mercados, pendurados em cordéis (o que lhe deu o nome). Seus divulgadores os recitam nas feiras, ou cantam seus cantares, e nisso são muito próximos dos improvisos no formato, mas não na temática.
A temática do cordel é preponderantemente épica, em poemas longos, utilizando vários formatos de estrofes, versos e rimas. O cordelista conta uma história (ficção, verdade, paródia, ironia, tragédia, humor, narrativa de um acontecimento, etc.) utilizando versos na sua construção. O cordel é, basicamente, um conto feito em versos.
Quanto ao formato das estrofes, o cordel utiliza as quadras, as sextilhas ou sextas, as septilhas ou sétimas, as oitavas e as décimas.
Com exceção das décimas, nos formatos de Martelo agalopado e de Galope à beira-mar (estes mais utilizados nos repentes), os versos são quase que uniformemente redondilhas maiores.
Quanto às rimas, não existe o cuidado de se procurar rimas ricas, nem a obrigação de apresentar rima em todos os versos. Há até o costume de não se utilizar rimas nos versos ímpares nas quadras e nas sextilhas.
A quadra
A quadra ou quarteto é uma estrofe de 4 versos. Utiliza esquema rímico semelhante ao da trova (ABAB ou ABBA) mas encontramos com freqüência o esquema mais simples, dos cantadores, que utilizam a rima final apenas nos versos pares (xAxA).
Exemplos:
1) “Depois destes versos feitos,
quando voltei para a mesa
e lê-los para as pessoas,
tive mais uma surpresa.
Alguns estavam comendo
ovo frito com gordura,
que, por ser do seu terreiro,
estava uma gostosura.”
(Adauto Barreto, “Na casa de Emília”)
2) “O gringo, um homenzarrão,
era bastante educado
mas tinha um cuspir-de-lado
que incomodava um montão.
Era magro, alto, esguio,
barba fechada no rosto.
Não sei que Maria viu,
mas caiu-lhe no seu gosto.”
(Paulo Camelo, “A história do gringo e do vendedor de bode”)
A sextilha
É uma das formas mais utilizadas nos cordéis, juntamente com a sétima.
As estrofes são quase invariavelmente feitas em redondilhas, com as rimas nos versos pares, raramente utilizando-se rima nos ímpares.
Exemplo:
“Minutos depois Josefa
bastante ração cortou.
Fez um feixe com cuidado,
na cabeça colocou.
Neste momento ela ouviu
quando a filhinha chorou.
Porém sua casa ficava
bastante longe dali
e sendo assim impossível
seu choro poder ouvir,
também sozinha jamais
poderia chegar ali.”
(Madalena Castro, “As travessuras de Comadre Fulozinha”)
A Sétima
A estrofe de sete versos, chamada sétima, de muita utilização no cordel, apresenta um esquema rímico próprio, com uma variante. As rimas são apresentadas nos esquemas xAxABBA ou ABABCCB, vendo-se aí a semelhança dos primeiros versos com a quadra, descuidando-se dos versos ímpares algumas vezes.
Exemplos:
1) “A cera de carnaúba
Alto Longá tem fartura.
Arroz, milho e feijão
aumenta a sua cultura.
O azeite do babaçu,
banana, manga e caju,
a cana da rapadura.
Alto Longá tem poeta
que canta o mundo em repente,
canta a vida do seu povo
do passado e do presente.
Pesquisei, guardei no crânio,
escrevo pra o conterrâneo
a história de sua gente.”
(Pedro Costa, “Alto Longá e sua gente”)
2) “Minha poesia é simples
porém a rima é completa
e quem ler o meu cordel
diz: este poeta presta.
Mas levo aqui o louvor
ao amigo professor
do ‘A menina do poeta’.
São muitas as suas obras
falando do meu sertão.
Não esquece o seu lugar,
fala de todo o torrão.
Nos seus versos incomuns
enaltece os inhamuns
com uma inensa paixão.”
(Paulo de Tarso, “A menina do poeta”)
3) “Remando nessa maré,
Pernambuco faz bonito,
pois teve Agostinho Lopes,
de São José do Egito.
Exu mostra seu valor
com o João Serrador,
que por lá nunca foi frito.
Não ouvi, mas acredito
que uma das coisas belas
é ouvir Manoel Domingos,
da cidade de Panelas.
Antes da lista vindoura,
lembro Eduardo Moura,
que nunca cantou balelas.”
(Ismael Gaião da Costa, “Gerações de poetas repentistas que divulgam a cultura nordestina”)
A oitava
A oitava é estrofe menos utilizada no cordel. Seu formato deriva da junção de duas quadras, até com seus esquemas rímicos, que podem ser continuados nas duas quadras da estrofe ou diferentes em cada parte, mas, na maioria dos casos, deixando os versos ímpares como versos brancos. Utiliza esquema xAxAxAxA, ou ABABABAB ou, ainda, ABABCDCD.
Exemplo:
“Venho, com toda firmeza,
registrar a pelintragem
de uma rameira afoita.
Fez de tudo, até chantagem...
Assim, todos iludia,
tenho a prova na bagagem.
A quem couber o barrete,
encare-me, se tem coragem.”
(Dulcinéa de Oliveira, “Sarrabulho de uma mundiça”)
A décima
A décima é, no cordel, o que se pode chamar de “forma erudita”, pois sua utilização é mais trabalhada, até quando é utilizada pelos repentistas.
Como nos outros esquemas estróficos, a décima também se utiliza da redondilha, mas é nesse formato que aparecem versos de arte maior, como o Martelo Agalopado e o Galope à beira-mar.
Embora possa apresentar esquema rímico diverso, o mais utilizado (a grande maioria) é o esquema ABBAACCDDC.
É nesse esquema estrófico (juntamente com o esquema rímico) que encontramos a glosa, formada por uma ou duas estrofes nos improvisos e por várias estrofes no cordel.
As posições tradicionais do mote em dístico na glosa são nas posições 4 e 10 ou nos dois últimos versos, 9 e 10.
Porém o cordel assim apresentado não necessita obrigatoriamente de utilizar o mote, mantendo a temática livre como os cordéis que utilizam estrofes menores.
Exemplos:
1) “Pernambuco se levanta
dentro desta nova glosa
com Severino Feitosa,
que no improviso encanta.
Muita gente se espanta
quando escuta Minervina.
O que também me fascina
é ver Santinha Maurício,
que canta sem sacrifício:
tudo eu sei, ninguém me ensina.
Comigo, o rojão é quente,
diz Mocinha de Passira.
E quem nela se inspira
canta a glosa facilmente.
É Pernambuco presente
com sua matéria-prima,
onde também tá de cima
Oliveira de Panelas,
que faz poesias belas
na junção de verso e rima.”
(Ismael Gaião da Costa, “Gerações de poetas repentistas que divulgam a cultura nordestina”)
2) “Plantei roça sem comer
a minha última semente.
Na terra seca, o sol quente,
vi a criação morrer.
Esperei Deus resolver
mandar chuva pro roçado,
toró dágua controlado
e não uma tromba dágua,
pra não aumentar a mágoa,
levando o que foi plantado.
Do Ceará ao Cariri
açudes estorricados
em blocos espedaçados,
Pernambuco e Piaui.
O Nordeste todo aqui
nesta gleba tão sofrida
do nosso Brasil sem vida.
Não chovendo no sertão,
torra a semente no chão
e a luta fica perdida.”
(Anélio Souza, “O drama da seca”)
3) “Eu guardei meu dinheiro mês a mês
pra poder ter um pouco no futuro
e esse cara me toma ele de vez,
de uma hora pra outra eu fico duro
e não vejo maneira de rever
o dinheiro que o homem me tomou;
o que é meu já fugiu do meu poder:
a poupança que fiz se evaporou,
o salário encolheu, se degradou,
vitimado que foi por roubo puro.
Eu entrei numa fossa, fiquei triste
e quedei-me a pensar o que é que eu faço;
esse cara nos vem de dedo em riste
e nos faz novamente de palhaço.
Inda bem que a justiça não tardou
e o Congresso implantou a CPI,
do Planalto ele logo se afastou,
hoje está sem função, sem pedigree,
mas a grana ele já levou daqui
e de novo pergunto: o que e que eu faço?”
(Paulo Camelo, “E eu só queria votar...”)