O CAMPO
1- Meu Mundo
Dizem de mim: - "Este sujeito quis
Deixar cidade, asfalto e coisas tantas,
Que a gente busca conseguir, por quantas
Maneiras pode... E volta-se à raiz".
Ninguém calcula, ninguém sente ou diz,
Que eu tenho aqui, nestas paragens santas,
Num mundo meu, sem cobras salamantas,
A vida que meu pai viveu feliz.
Não quero mais que a roça, a rede, a calma,
A paz que o ser me envolve o sangue, a alma,
Neste descuido de viver sem pressa.
Sem hora de chegar ou de sair,
E obrigação de ver, de ir e vir,
A vida mais feliz que achei foi essa.
2 - A Casa
A casa é minha do alicerce à viga,
Ampla, alpendrada, com janela e tudo.
é o suor da mocidade, esforço e estudo!
Hoje, rede estendida... O mundo, à figa!
Nada me importa se ninguém me liga.
Não penso nada sério e me transmudo
No homem de outrora. Por não ser tão rudo,
Componho uns versos à maneira antiga.
Não tenho calendário ou almanaque,
Nem vejo o tempo. Num viver basbaque,
Percebo mal, o dia da semana.
É a vida que sonhei para a velhice,
Sem pressa e sem cuidados. A alma ri-se
Do mundo que está longe e não me engana.
3 – A Roça
O campo é meu. E a vida... Que bacana!
Tenho uma roça. De manhã e de tarde
Vejo-a sem pressa. Que se não retarde
O fruto. Há milho, feijão verde e cana.
A aragem da manhã ao sol se irmana
Para alegrar as plantas. Sem alarde,
Brotam as flores. A água desencarde
E molha o solo. A minha enxada o amanhã...
A roça é o meu prazer de todo dia.
Manhã cedinho, vou regar as plantas
E esqueço tudo. Quando lá pras tantas,
Regresso a casa, a rede está vazia.
Pego um cochilo. A vida que eu queria,
Tenho-a aqui, nestas paragens santas.
4 - A Vida
A casa, a roça, a rede... Eu mesmo ordenho
De manhãzinha a vaca. E há leite, à beça!
Tomo cuidado nisso, boto empenho,
Que o resultado é bom e me interessa.
Quando é no tempo verde - à noite eu tenho,
De excelente umbuzada uma travessa.
Coalhada, é todo dia. Há mel de engenho
E mel de abelha. A sobremesa é essa!
A janela do quarto é escancarada
Durante toda à noite. Não há medo
Nesse mundo onde tudo é camarada.
Não amanhece ainda, e o passaredo.
Já me desperta. Ou antes, madrugada,
Cantando diz o galo: - "acorde cedo"!
5- A Natureza
Acordo habitualmente muito cedo,
Ouvindo o galo - para ver a aurora.
E em pouco estou de pé, disposto, ledo,
A contemplar as nuvens (Não demora
Que eu seja o donatário do segredo
Da natureza. Exemplo: - quando enflora
A juremeira é chuva - Este degredo.
Nada oculta aos que acordam com a aurora!
Servido o almoço matinal, me ponho,
A andar à toa. Vezes, vou à fonte,
Outras à roça, enquanto cismo e sonho.
Quando é a tardinha, a luz do sol extinta,
Há uma festa de cores no horizonte,
- Um desses quadros que só Deus os pinta.
6- Pincel Divino
Nos Quadros sertanejos que Deus pinta,
Confundem-se os matizes do sol posto:
Pincel divino, borrifando tinta
De luz e nuvens pelo mês de agosto!
Restos de sol no céu, bordando a cinta
Da noite que na serra toma encosto!
A noite desce sem que Deus pressinta,
Muda os matizes desdobrando o rosto.
Quando não surge a lua, há um céu de estrelas,
E raras nuvens passam lentamente.
As noites do sertão são sempre belas!
Deus vela à noite. E quando traz dos montes
De manhã cedo a luz do sol nascente,
Volta ao pincel, retoca os horizontes!