QUATRO SONETOS DE AMOR

(Post coitum omne animal triste)

I
Como eu me sinto nua ao pé de ti,
e sem inibições, sem embaraços!...
E este quebranto nos meus olhos baços,
quando te bejo e a minha alma ri...

ri bendizendo o dia em que eu nasci,
quando me envolvo toda nos teus braços!...
Cobre-me toda, amigo, eu sinto passos
e tenho medo venha alguém aí...

Deixa-me aconchegar bem no teu peito
e escorregar pra dentro do teu leito
para que ninguém descubra o meu segredo...

Que força é esta, amigo, que me faz,
ao mesmo tempo tímida e audaz,
gemer de gozo e tremer de medo?



II
Psiu! meu amor... que estás no limiar
dum santuário onde o peregrino
vem se imolar ao estro fescenino
de Eros... Mas ele dorme. Vem beijar

meus olhos antes que desperte. Calar
meu triste anseio antes que o divino
impulso empolgador desse menino
obsceno e vil nos venha arrebatar.

Quisera não entrar... ficar aquém,
onde pudesses só e docemente
ser minha companheira, amiga, irmã.

Mas o destino impõe o ir além
desse portal fatídico, impudente,
p´ra ser brinquedo desse deus galã...



III
Oh, como eu temo já aquela hora
em que ele, farto do ignóbil dolo,
me abandonar prostrado no teu colo,
como boneco usado e posto fora

pelo menino mau... Oh, como chora
já de remorso... já de desconsolo...
minha alma ao antever-se no controlo
desse deusinho obsceno que a devora...

Perdoa, amiga, o gesto vil, grotesco,
perdoa o frenesi animalesco
com que hei-de arrebatar a tua dor...

com que hei-de machucar tua ternura,
tua delicadeza... e a candura
com que me amas tanto, meu amor.



IV
Oh, vem, amigo, vem aconchegar-te
no meu abraço frágil, mas seguro...
deixa abraçar-te neste tempo escuro
dessa tua tristeza... e mostrar-te

que além de ser o que é, amor é arte...
Além de ser divino, obsceno e duro,
ele é também humano, doce e puro,
capaz de aconchegar, de consolar-te...


Depois de partilhar do teu delírio,
de machucar contigo o mesmo lírio,
quero juntar a lágrima ao suor

do teu corpo prostrado no meu colo.
É nesta condição que eu me consolo
de ser mulher - crisol de gozo e dor!