SONETO DA AMADA INCERTA*
“Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura!”
Eterna musa a povoar meu verso
És doce paixão e meu universo
Que me satisfaz com tal brandura.
Flor bela do céu que a terra chegou
E em meu canteiro se fez candura.
Forte rebuliço que me inquietou
Propôs-me amor e qualquer loucura.
Oh! Musa de sonhos! Meu doce esperar
Singela oferta de amor no porvir
Em teu coração há força do amar.
Se não posso ter-te, que venha a mortalha
Sem ti quero a morte e o que dela advir:
“Perde-se a vida, ganha-se a batalha!”
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(*) No ano de Machado de Assis, aceitei o Desafio Poético de escrever o soneto que Dom Casmurro não escreveu, aproveitando o primeiro e o último versos por ele criados. Você também pode fazer o mesmo, recordando a passagem a seguir do livro do grande romancista brasileiro.
E Dom Casmurro (ou seria Machado de Assis?) disse:
“Capítulo LV“
Um Soneto
( ... ) contarei a história de um soneto que nunca fiz. Era no tempo do seminário, e o primeiro verso é o que ides ler:
Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura!
Como e por que me saiu este verso da cabeça, não sei; saiu assim, estando eu na cama, como uma exclamação solta, e, ao notar que tinha a medida de verso, pensei em compor com ele alguma coisa, um soneto.
( ... )
Quem era a flor? Capitu, naturalmente; mas podia ser a virtude, a poesia, a religião, qualquer outro conceito a que coubesse a metáfora da flor, e flor do céu. Aguardei o resto, recitando sempre o verso, e deitado ora sobre o lado direito, ora sobre o esquerdo; afinal deixei-me estar de costas, com os olhos no teto, mas nem assim vinha mais nada. Então adverti que os sonetos mais gabados eram os que concluíam com chave de ouro, isto é, um desses versos capitais no sentido e na forma. Pensei em forjar uma de tais chaves, considerando que o verso final, saindo cronologicamente dos treze anteriores, com dificuldade traria a perfeição louvada; imaginei que tais chaves eram fundidas antes da fechadura. Assim foi que me determinei a compor o último verso do soneto e, depois de muito suar, saiu este:
Perde-se a vida, ganha-se a batalha!
A sensação que tive é que ia sair um soneto perfeito. Começar bem e acabar bem não era pouco. Para me dar um banho de inspiração, evoquei alguns sonetos célebres, e notei que os mais deles eram facílimos; os versos saíam uns dos outros, com a idéia em si, tão naturalmente, que se não acabava de crer se ela é que os fizera, se eles é que a suscitavam. Então tornava ao meu soneto, e novamente repetia o primeiro verso e esperava o segundo; o segundo não vinha, nem terceiro, nem quarto; não vinha nenhum.
( ... )
Trabalhei em vão, busquei, catei, esperei, não vieram os versos ( ... ). Mas, como eu creio que os sonetos existem feitos, como as odes e os dramas, e as demais obras de arte, por uma razão de ordem metafísica, dou esses dois versos ao primeiro desocupado que os quiser. Ao domingo, ou se estiver chovendo, ou na roça, em qualquer ocasião de lazer, pode tentar ver se o soneto sai. Tudo é dar-lhe uma idéia e encher o centro que falta.”