Ingratidão

Quem com desprezo fere, Dama ingrata,

Há de ser ferido e desprezado!

Pois me tenho tanto ao mal costumado

Que a vossa ingratidão não mais me mata!

E sim as lágrimas que em penhor desata

Por ver por quem tenho tanto cuidado

Sem me ter afeto, e sim me magoado:

Que quem mais vos quer, vos mais distrata.

Mas tanto pôde tal tormento

De estranhar o costumado mesmo

Que foi por vós num tempo em vão atado,

Pois vedes demudado o pensamento

De quem vos amou, Dama, senão à esmo,

Que com desprezo paga o desprezado.