VIDA - SONHO
I
Sempre o desejo de querer-te mais,
Ao meu lado sentir-te eternamente!
Amar contigo, padecer contente,
Sobre eras vindas - seres imortais!
Sempre a esperança de viveres tais,
Que se repetem pura e simplesmente,
Nas gerações que vão nascer da gente,
E às nossas vidas hão de ser iguais.
A expectativa de viver milênios
Eternizando a espécie em mil proscênios,
Atores da existência sem ter fim.
Viver em ti e a ti sempre abraçado,
A repetir-te, eterno namorado
- Abre os braços um pouco mais; assim!
II
Abre os braços um pouco mais; assim,
No abraço aconchegados, rindo, à vida,
Iremos partilhando, alma querida,
Na vida o riso e o pranto, o bom, o ruim.
Nunca eu te negue o riso que há em mim
Nem te recuse a lágrima sofrida.
Não deixes nunca de me dar guarida,
Em noites perfumadas de jasmim.
Eu não me canse de chorar contigo,
Tu não te enfades de sorrir comigo,
Não se resfrie jamais o nosso ardor.
Por não perder-nos na existência eterna,
Pelos milênios todos, sempiterna,
Aperta-me ao teu seio, por favor!
III
Aperta-me ao teu seio, por favor,
Que eu tenho medo de perder-te o braço!
Conserva-me cativo neste laço
Quente de afago, terno de calor!
Quando eu fizer, partilha do que faço;
Quando eu sofrer, reparte a minha dor.
Se a um erro meu, sentires o rubor,
Não sintas nunca, meu amor, cansaço!
Põe-me a viver no rubro dos teus lábios,
Sem lívidos temores, sem ressábios,
Sem tédio, sem frieza, o sim por sim.
E prende-me, não soltes prende bem!
Deixa que eu morra no teu seio, amém!
Abre-me os braços, santa, querubim!
IV
Abre-me os braços, santa, querubim,
Para que eu viva eterno no teu seio;
Para que eu sinta este sublime enleio
De mais querer-te, se a querer-te vim!
Quando a rosa nascer no meu jardim,
Hei de multiplicá-la no floreio;
Depois colhê-la em mil, por algum meio.
Que o cuidado permita, o amor enfim!
E a rosa é tua ninguém mais teria
Por mil multiplicada assim, Maria,
A flor do meu jardim, encanto e olor!
Em troca, abre-me os braços, dá a ilusão,
De possuir-te inteiro o coração,
E farta-me de amor! Meu Deus, que amor!
V
... E farta-me de amor, meu Deus, que amor,
Em ser a perfeição, a eterna glória;
Em ser perpetuação de espécie e história,
É uma razão de vida a se compor.
O amor põe e dispõe; no recompor,
É que se glorifica da memória
E se repete, e expunge-se da escória,
A aprimorar-se límpido, incolor.
No amor eu sou, no amor tu és meu Deus,
Jesus crucificado dos judeus,
No amor memorizado até o sem fim.
O amor é a força, a inspiração divina,
Na encarnação, a reclamar supina:
- Agora o beijo, unido o corpo a mim!
VI
- Agora o beijo, unido o corpo a mim!
Que ela conceba o sangue do meu sangue;
Fecunde-o no seu ventre; o corpo langue,
Funda e refunda em si o meu delfim.
Abra a alvorada da existência afim,
A mais uma ilusão de haxixe e bangüe!
E embora exausta, suarenta, exangue,
Seja o gemido um sopro de clarim.
E o novo ser que sai de mim e dela,
Abra à vida a mesmíssima cancela
Que a vida perpetua albor a albor!
Cuide o filho do filho, o filho e o filho,
De parecer-se a nós, seja no brilho,
No rosto, no pescoço ou onde for.
VII
No rosto, no pescoço ou onde for,
Há sempre o traço, a marca do ancestral.
Não sei se vimos nós de um canibal,
Ou se de um deus, do escravo ou do senhor.
Sei que existimos e que iremos por
Essa existência, para o bem e o mal,
Na alma de santo e corpo de animal,
De um menestrel, de um rei... Ou de bolor.
A inteligência cresce de era em era
e a estupidez a segue como fera
- Perpetuação de gênio e de saguim.
E na seqüência milenar de templos,
O amor construindo exemplos mais exemplos,
Roça os lábios de leve, sim, oh sim!
VIII
Roça os lábios de leve, sim, oh sim!
Na pétala macia de uma rosa.
Que suavidade, sensação gostosa,
E que prazer nesse contato assim!
Aspira-lhe o perfume, vê o carmim.
Oh que beleza, que impressão grandiosa!
Sente-se a vida um encanto relva/rosa,
Vendo e beijando a rosa num jardim.
Colhe-se a rosa, agora, ela emurchece,
Comparando-se à gente que envelhece,
Num lamentar de rugas e amargor!
- Antes que murchem rosa e mocidade,
Desbotadas do tempo sem piedade,
Cola os lábios nos meus, meu doce amor!
IX
Cola os lábios nos meus, meu doce amor
- Ela dizia assim, entre dois beijos.
Sufoca-me a ansiedade, os meus desejos,
E leva-me contigo, ao teu sabor.
Não me abandones não, à minha dor,
À insegurança, aos múltiplos ensejos
Da solidão e augúrios malfazejos,
Queimada, destroçada, sem fulgor!
Não deixes que a desgraça me sepulte,
Que eu caia pela estrada e alguém me insulte:
- É a amante do poeta, essa mendaz.
Vê que te quero! Que te adoro tanto!
Bebe-me a lágrima, alivia o pranto,
Oh! eu desmaio! Que suplício de ais!
x
Oh! eu desmaio! Que suplício de ais!
- Ele responde, e à própria dor resiste.
A sorte nos recusa, tu bem viste,
Que eu quis mudar a sorte e fui incapaz.
Minha fortuna insólita me traz
Preso a um passado de honra que persiste.
Fora cruel quebrá-lo! Fora triste!
Embora ele nos negue o bem e a paz!
Grito, soluço intermitentemente,
Sem forças de levar a sorte à frente,
Nesses desvãos da estrada que trilhamos.
Mas guardo ainda a rútila esperança
De a sorte ver mudada... - Ó vem, descansa!
O leito nos espera. Vamos! Vamos!
XI
O leito nos espera. Vamos! Vamos!
A noite é fria, o temporal refeito.
Se reclinas o corpo no meu leito,
Hás de sonhar o amor dos gaturamos.
O pássaro constrói nos altos ramos
O ninho mais cuidado e mais perfeito.
Recolhe aí a companheira ao peito,
Sonham os dois, tal qual nós dois sonhamos...
Se a vida realidade nos tortura,
Temos a vida sonho de ternura,
Para viver o amor que idealizamos.
O sonho é curto, minha doce amiga,
E o leito nos espera. Vamos! Diga:
- Não nos tardemos mais, se tanto amamos!
XII
Não nos tardemos mais, se tanto amamos!
Há flores decorando a primavera,
Caminha pelo espaço um ar de recamos,
No multicor da luz que reverbera.
Não nos tardemos mais, que se tardamos,
Conspira o tempo, corre, não espera;
Põe-nos no rosto, rugas e reclamos,
Esfria o peito, estraga, degenera.
Não nos tardemos mais, porque a saudade,
Essa distância triste, a ansiedade,
Põe nevrose na gente, dor, gemido!
Não nos tardemos mais, por mim, por ti!
E pelos filhos, pela jura em si,
- Realização do amor, paz do sentido!
XIII
Realização do amor, paz do sentido,
Roupagem de ilusão em meu consciente!...
Envolve-me o espírito, embebido
Numa alucinação sem precedente.
- Quando falas de amor ao meu ouvido,
Num sussurro de lábios, indolente,
Eu me enterneço e aspiro comovido
O perfume que espalhas no ambiente.
É a doçura do beijo que negaste
E eu vou colhendo no ar que respiraste,
Por não perder-te nunca, um só gemido!
- Sonho, ilusão, quimérica ventura,
Fantasia divina que afigura
Saciedade da carne, o bem fruído!
XIV
Saciedade de carne, o bem fruído,
Gozo que espero, terno, em minha amada!
Sonho-o, imagino, anseio na escalada
De ardor crescente, estúrdio, desabrido.
Eu quero a ardência de um amor perdido,
Que se ofereça todo, ao tudo e ao nada!
Que me abra a vida, qual numa alvorada
De eternidade... - Que me faça ungido!
- Ó vem! Eu sofro, eu amo, eu desespero!
Não te retardes não, vem, que te quero,
A refazer-me a vida, o bem, a paz.
Toma a coroa, é tua só Maria,
E a vida sonho, a vida fantasia,
E este desejo de querer-te mais!
SÍNTESE
Abre os braços. Um pouco mais! Assim!
Aperta-me ao teu seio! Por favor!
Abre-me os braços, santa! Querubim!
E farta-me de amor! Meu Deus, que amor!
Agora o beijo! Unido o corpo a mim...
No rosto, no pescoço... Ou onde for,
Roça os lábios de leve, sim, oh sim!
Cola os lábios nos meus, meu doce amor!
Oh! eu desmaio! Que suplício de ais!
O leito nos espera. Vamos! Vamos!
Não nos tardemos mais, se tanto amamos!
... Realização do amor, paz do sentido,
Saciedade da carne, o bem fruído,
E este desejo de querer-te mais!