TRAPAÇA (NOS TEMPOS DA PANDEMIA…)
“Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!”
Augusto dos Anjos em Psicologia de um vencido
TRAPAÇA (NOS TEMPOS DA PANDEMIA…)
Eu que súbito me pego indo a Anjos...
Pela má influência desses dias,
de compulsória e vil paraplegia,
já ouço a marcha fúnebre dos arcanjos.
O vírus me cozinha em fogo brando,
segredo da melhor gastronomia...,
convidando os vermes, em euforia,
para o festim que vai se anunciando!
A rebeldia em mim segue insepulta,
companheira da infância à vida adulta,
imã de vexames e desmazelos.
Torpe, reservo uma última trapaça:
elevarei-me aos céus como fumaça…
Aos vermes, não sirvo nem os cabelos!