TRAPAÇA (NOS TEMPOS DA PANDEMIA…)

“Já o verme — este operário das ruínas —

Que o sangue podre das carnificinas

Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,

E há-de deixar-me apenas os cabelos,

Na frialdade inorgânica da terra!”

Augusto dos Anjos em Psicologia de um vencido

TRAPAÇA (NOS TEMPOS DA PANDEMIA…)

Eu que súbito me pego indo a Anjos...

Pela má influência desses dias,

de compulsória e vil paraplegia,

já ouço a marcha fúnebre dos arcanjos.

O vírus me cozinha em fogo brando,

segredo da melhor gastronomia...,

convidando os vermes, em euforia,

para o festim que vai se anunciando!

A rebeldia em mim segue insepulta,

companheira da infância à vida adulta,

imã de vexames e desmazelos.

Torpe, reservo uma última trapaça:

elevarei-me aos céus como fumaça…

Aos vermes, não sirvo nem os cabelos!

Fonseca da Rocha
Enviado por Fonseca da Rocha em 22/12/2024
Código do texto: T8224700
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