*TRILHA ABSC 13 - DIÁLOGO COM CECÍLIA MEIRELES*
*IMO*
"Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo..."
(Estrofe da obra "SONETO ANTIGO", de Cecília Meireles)
Não cessam sobre mim questionamentos...
E quanto mais respostas tenho, mais
Perguntas nascem nos segundos lentos
Das inquietações emocionais.
A multiplicação dos pensamentos
Condensa reações sentimentais
E, logo, lanço versos pelos ventos
Que lembram pétalas dos roseirais.
No peito aberto, corre a inquietude
Tal como o fluxo d'água de um açude
Desimpedido, sem final, sem freio...
Neste processo meu que não termina,
Transformo toda angústia na doutrina
Particular de um lírico recreio.
Ricardo Camacho
*HUMORES DO VENTO*
Dialogando com
"Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento".
(Soneto Antigo, de Cecília Meirelles)
"Se somos todos pura flor do vento,"
explico meu viés de tempestade.
A vida que tem muito de tormento,
também costuma ter suavidade.
Vivi a minha vida na ansiedade,
buscando paz na calma de um momento
e sempre desfrutei tranquilidade
através da poesia, em doce alento.
Assim segui, de forma displicente,
entre as manhas sutis da inspiração
e o olho assustador do furacão.
Se a tempestade sempre foi presente
em minha vida, eu tive na poesia
a mais amena paz da calmaria.
Arlindo Tadeu Hagen
*INSTANTES…*
" Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento".
(Trecho de SONETO ANTIGO, de Cecília Meireles).
Instantes… um rosário de momentos…
A rosa ajunta as pétalas da vida,
e a mão do tempo a torna colorida
com tintas que matizam sentimentos.
Os tons escurecidos, se cinzentos,
partilham do jardim… e a cor sombria
convive e até ressalta a sincronia
de vívidos e alegres movimentos…
Instantes são retalhos… e a costura
é feita com a linha que sutura
lembranças de uma página virada…
Que importa meus lampejos mais tocantes,
se somos mera soma dos instantes,
e, num instante, já não somos nada…
Elvira Drummond
*DOPPELGÄNGER*
“PERGUNTEI quem era. Mas não respondia. Sumiam-se as falas. Cruzava por muros de sombra e desgosto, por salas e salas de melancolia. Perguntei: ‘Quem és?’ Mas não respondia”.
(Fragmento de poema: CEClLIA MEIRELES / OBRA POÉTICA ALUCINAÇÃO (p. 210)
RIO DE JANEIRO, EDITORA NOVA AGUILAR S.A., 1983)
Aperta os olhos, mira, da janela
se vê andando a esmo pela rua...
De fato, o surpreende ser aquela
anônima figura a cópia sua.
Refeito desse assombro, ele insinua
fazer algum aceno para ela.
Contudo, a criatura espia a lua
que brilha no horizonte e se revela.
Refém do seu destino nesse Hospício,
morada que o detém em reclusão,
conclui que o seu aceno foi em vão.
E agora, entre a visão e o forte indício,
sozinho chora a dor do seu suplício
enquanto monologa em solidão.
Carlos Alberto Cavalcanti
*NEGATIVO*
"Eu não tinha esse rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem esse lábio tão amargo ".
ESTROFE DO POEMA "RETRATO", DE CECILIA MEIRELES.
Essa expressão amarga e fatigada
Não se notava em meu semblante altivo...
Essas profundas linhas são o ativo
Do que restou da cara bem formada.
A sobranceira face, em cor rosada,
Dava ao espelho um foco positivo:
Meu id em gozo... e tudo foi motivo
Para sorrir sem me ligar em nada.
As peripécias que me inflaram o ego
Roeram-me as feições... não as renego!
Pois foram testemunhas de meus sonhos.
Embora preferindo a tez de outrora
Devo entender que estou na fase, agora,
De apreciar meus traços enfadonhos.
José Rodrigues Filho
*DOS TRAIDORES*
"Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:*
há os grandes sonhos dos homens,
e a surda força dos vermes."
CECÍLIA MEIRELES, ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA.
Da pátria e dos amigos, traidores,
Desde sempre, espreitando no caminho!
Espíritos sem Luz, de agir mesquinho,
Que atacam feito lobos salteadores.
Desde sempre, Senhoras e Senhores,
Entre as rosas, se esconde o agudo espinho
E um ovo de serpente, em outro ninho,
Dá vida, no silêncio, a seus horrores.
Há sempre, os grandes pântanos do mundo,
Em que o Mal busca, o solo mais fecundo,
Para os vermes forjarem seu veneno.
Mas é mais forte a impávida corrente
Dos que sonham o bem de toda a gente,
Conquanto seja o número pequeno!
Fernando Antônio
*EFÊMERA EXISTÊNCIA*
Interação com o mote:
“Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.”
"SONETO ANTIGO", DE CECÍLIA MEIRELES.
De noite, um vácuo imponho às exaustas retinas
e, em fuga subsequente, adentro o meu deserto…
Nesse apagar, esqueço o meu futuro incerto,
quiçá, liberta estou do estresse das rotinas!?
A rútila manhã retorna… o quarto aberto.
Ao transpassar, aqui, vidraças e cortinas,
portando a luz solar, desperta-me e, traquinas,
intenta pôr o meu segredo a descoberto.
A contragosto, eu ergo as pálpebras cerradas;
de pronto, as ilusões recentes, anuladas…
Ereta, enfrento o embate, após discernimento:
– fadada ao fim, a minha efêmera existência,
mas cuida da alma eterna um Anjo… da indulgência.
Perece o corpo, esvai-se a frágil “flor de vento!…”
Lucília A. T. Decarli
*AOS CURIOSOS DE PLANTÃO*
"Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo."
(Trecho de "SONETO ANTIGO", de Cecília Meireles)
A quem quiser saber de minha vida,
Com toda paciência, eu esclareço:
Meus dias não merecem tal apreço,
Pois eles são a história resumida.
De um lado, sigo preso em minha lida;
E do outro, revirando-me do avesso,
Transformo a poesia no adereço
De minha frágil alma entristecida.
Se houvesse alguma coisa interessante,
Eu mesmo encontraria. Não obstante,
Encontro apenas medos vis e adversos,
Além dos pensamentos sempre tredos;
Mas quem quiser dispor de tais segredos,
Terá que procurá-los nos meus versos!
Rafael Ferreira
*PETRICOR*
“A chuva chove mansamente... como um sono
que tranquilize, pacifique, resserene...
A chuva chove mansamente... Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine...”
ESTROFE DO SONETO “A CHUVA CHOVE...”, DE CECÍLIA MEIRELES.
Dorme a cidade. Sob a noite imensa,
A voz da viração volteia os muros...
Chamando a chuva, nos quintais escuros,
Murmuram galhos de maneira tensa...
O aroma térreo que no solo adensa,
Perfuma os ares com eflúvios puros...
Dorme a cidade. Longos dias, duros,
São encobertos de sutil presença...
Verte a chuva, caindo contra a terra,
E a comoção que a natureza encerra
Encontra a essência no momento escasso...
Até que a luz irrompe na alvorada;
Eis que a cidade seguirá, cansada,
As longas horas de um mordaz mormaço...
Guilherme de Freitas
*TRAVESSO PASSARINHO*
"Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta."
(Trecho do poema MOTIVO, de Cecília Meireles)
Alheio às flores secas do caminho
e à rútila alvorada prometida,
diviso o sol presente e nesta vida
enlaço meu travesso passarinho.
Conhecedor do fel da despedida
e do furor daquele torvelinho
trazido pelo tempo, logo alinho
o pensamento ao céu que me convida.
Adejo e, livre, expando sobre os ares
o grito carregado nos cantares
de quem precisa estar em plenitude.
Se choro ou se sorrio, não importa
porque demora pouco e vejo morta
a verve fugidia que me ilude...
Jerson Brito
"INTERLÚDIO
As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.
Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.
Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.
Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.
Fico ao teu lado.
(Cecília Meireles)
...
*NOSSO MOMENTO*
Cercado pelos cantos orquestrais
Da natureza, longe da cidade,
No meu castelo de simplicidade
Seguimos da paixão os rituais.
Guiado por instintos naturais,
Um visceral desejo nos invade
E nos amamos, sem necessidade
De publicar nas redes sociais.
Em meio à conexão sentimental
O tempo para, enfim, de modo tal
Que já não há nem antes, nem depois.
E, assim, ficamos, sob a lua e o vento,
Curtindo o nosso mágico momento,
Longe de tudo... A sós, aqui, nós dois.
Gilliard Santos