*TRILHA ABSC 12 - DIÁLOGO COM ÁLVARES DE AZEVEDO*
*O PREÇO*
"Sem ele não há cova - quem enterra
Assim, grátis, a Deo? O batizado
Também custa dinheiro. (...)"
(Trecho: "DINHEIRO", de Álvares de Azevedo)
Ao menos, meus vocábulos gratuitos
Promovem luz e o singular recreio
Nos interlúdios naturais, fortuitos,
Em face do recôndito receio!
Distante dos cifrões, comércios muitos,
O verso, por autônomo floreio,
Não custa-me vinténs, mas só intuitos
De libertar meu próprio devaneio!
Não há quem tema os rumos da miséria
Dentro do longo túnel da matéria
Que vai até o dia derradeiro...
Pois vêm dos intercâmbios ancestrais
A troca e o lucro nas prisões carnais
Que criam a doença do dinheiro!
Ricardo Camacho
*DESIGUALDADE*
"Fora a canalha de vazios bolsos!
O mundo é para todos... Certamente.
Alma Romana, se não tem dinheiro?
Houve um erro de imprensa no evangelho."
(Trecho: DINHEIRO, de Álvares de Azevedo)
Até na morte vê-se a diferença
Entre os que tudo têm e os desditados...
Em mausoléus, autênticos sobrados,
Repousam os fidalgos com avença.
Enquanto em covas rasas, na descrença,
Os pobres têm os ossos profanados...
Perdidos no desleixo ou permutados
Sem endereço fixo... Vil sentença.
Nos dias atuais, os cemitérios,
São diferenciados e excludentes
Conforme a posição nos necrotérios...
Somente os muito ricos são aceitos,
Não há espaço para os indigentes:
Chegamos ao pior dos preconceitos.
José Rodrigues Filho
*FATALIDADE*
“Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto…
E minh’alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.”
(Do poema "ADEUS MEUS SONHOS", de Álvares de Azevedo. Trecho: MORTE).
Cenário triste ronda o pensamento
que vem e evoca o drama da partida.
Incólume, gravado o vil momento
daquele adeus… Bloqueio de uma vida!
Refém do próprio amor, real tormento,
saudade e sonho impelem à saída:
– “No meu futuro o fim do desalento
e, em minha sorte, a volta pretendida!?…”
Mas o destino impõe-se e, sorrateiro
– os seus desígnios cumpre por inteiro –,
bate o martelo expondo o veredito…
Profunda angústia invade o peito e aflora:
– a despedida dói bem mais, agora,
ao ver nas mãos da morte esse interdito!
Lucília A. T. Decarli
*SONETO DA SUPERAÇÃO*
“De minhas faces os mortais palores,
Minha febre noturna delirando,
Meus ais, meus tristes ais vão revelando
Que peno e morro de amorosas dores...”
(Trecho do SONETO DA DOR, de Álvares de Azevedo).
A palidez sombria, em minha face,
revela o quão intensa a minha dor,
mas mesmo que o destino ingrato trace
cruéis injúrias, seja como for,
eu hei de superar o desenlace
e a vida colorir com nova cor…
(Que as mangas do futuro eu arregace,
vestindo de esperança o desamor!)
Coragem dá poder, restaura o fraco,
e a força do desejo, aqui destaco,
induz o tênue “efeito borboleta”…
Se exibe sete cores, nosso céu,
por certo, a mão de Deus descerra o véu
e aponta-nos o encanto da paleta!
Elvira Drummond
*SE EU MORRESSE AMANHÃ*
"Se eu morresse amanhã", TRECHO DO SONETO DE MESMO NOME DE ÁLVARES DE AZEVEDO.
Se eu morresse amanhã, que sorte a minha!
Morreria feliz no teu regaço,
na certeza que o amor que me acarinha
consegue melhorar tudo o que eu faço.
Na força desse amor eu me refaço
e a minha pobre vida se encaminha
para um nivel melhor, num passo a passo,
rumo ao céu, cuja imagem se adivinha.
Se eu morresse convicto desse amor
eu não me importaria de morrer
pois deve se sentir um vencedor
quem se sentiu amado por um dia,
deixando se enredar e se envolver.
Se eu morresse amanhã, que bom seria!
Arlindo Tadeu Hagen
*MEU DESEJO*
" Meu desejo? era ser a luva branca
Que essa tua gentil mãozinha aperta."
ÁLVARES DE AZEVEDO.
Meu desejo era ser o doce vento
Que beija, ao fim da tarde, teus cabelos,
Eriçando-te de leve os tênues pelos
Do corpo em gracioso movimento.
Meu desejo era, Amor, que aos meus apelos,
Atendesses mitigando o sofrimento,
A dor que me maltrata no momento
De desencontro e tantos atropelos.
Meu desejo era estar, na noite mansa,
Enlaçado pela seda desta trança,
E beijar-te os lábios puros, virginais.
Meu desejo, Querida, enfim, seria,
Nos braços teus, amanhecer o dia
E em teus encantos esquecer meus ais!
Fernando Antônio Belino
*ENTRE O SONHO E O PESADELO*
“[...] Nos lábios dela suspirei tremendo.
Foi-se minha visão. E resta agora
Aquela vaga sombra na parede
Fantasma de carvão e pó cerúleo,
Tão vaga, tão extinta e fumarenta
Como de um sonho o recordar incerto.”
TRECHO: IDEIAS ÍNTIMAS (Álvares de Azevedo)
Flutuam junto às nuvens, no meu sonho,
“doiradas noites”, cálidas de amor,
nas quais o teu perfume, Rosa em flor,
encanta em mim a fé de que disponho.
E aquela morbidez, perfil medonho,
fantasma com seu lúgubre estertor,
desfaz-se no teu beijo com vigor,
no riso que esvazia o que é tristonho.
Mas eis que se desfaz minha visão
“e resta agora aquela vaga sombra”,
reflexo de um idílio em colisão,
prelúdio de uma aurora que me assombra
e faz do que brilhou mero carvão,
qual pó que, fumarento, mancha a alfombra.
Carlos Alberto Cavalcanti
*DESCAMINHOS*
"_Se uma lágrima as pálpebras me inunda,_
_Se um suspiro nos seios treme ainda,_
_É pela virgem que sonhei… que nunca_
_Aos lábios me encostou a face linda!_"
(TRECHO DE: "LEMBRANÇA DE MORRER", DE ÁLVARES DE AZEVEDO)
Encantadora e divinal morena
De pele delicada e linda face...
Se desse certo, um dia, o nosso enlace
A minha vida ficaria plena.
Sozinho, fico a imaginar a cena...
Ah, se, por um instante, eu te abraçasse!
Meu coração talvez acelerasse...
Este que, por amor, agora pena.
No peito trago a autêntica ferida
Gerada pelos golpes - que não saram –
Como se fossem de aguçadas lanças.
Devido aos descaminhos desta vida,
Os nossos lábios nunca se tocaram
E agora já perdi as esperanças.
Gilliard Santos
*O FANTASMA*
"Quando dei acordo de mim, estava num lugar escuro: as estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o. Era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal-apertados... Era uma defunta! E aqueles traços todos me lembraram uma idéia perdida... Era o anjo do cemitério! Cerrei as portas da igreja que, ignoro porque, eu achara abertas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como chumbo...
Sabeis a história de Maria Stuart degolada e do algoz, "do cadáver sem cabeça e do homem sem coração", como a conta Brantôme? - Foi uma idéia singular, a que eu tive. Tomei-a no colo. Preguei-lhe mil beijos nos lábios. Ela era bela assim. Rasguei-lhe o sudário, despi-lhe o véu e a capela, como o noivo os despe à noiva. Era mesmo uma estátua: tão branca era ela. A luz dos tocheiros dava-lhe aquela palidez de âmbar que lustra os mármores antigos. O gozo foi fervoroso - cevei-lhe em perdição aquela vigília."
(TRECHO DE "NOITE NA TAVERNA", DE ÁLVARES DE AZEVEDO)
Naquela noite dada a vinho e fumo,
— À luz da lua lúgubre e funesta —
Enquanto o vento uivava em cada aresta,
Eu vinha, em passo trôpego, sem rumo...
Até que vi, mantendo-me no prumo,
De súbito, uma moça bem modesta,
(E eu juro pela vida que me resta!)
Que tinha a face mórbida, em resumo.
Porém, as suas vestes transparentes,
Encheram-me de ideias indecentes;
E amamo-nos ao céu de negros cúmulos...
Ah! Quando eu acordei, eis o mistério:
Achei-me nos umbrais do cemitério,
Deitado sobre a campa de um dos túmulos!
Rafael Ferreira
*MIGALHAS DE ACALANTO*
"Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando…
Cheio de amores! E dormir solteiro!"
(Trecho do SONETO DA VIRGEM, de Álvares de Azevedo)
De tanta castidade não consigo
despir o pensamento e, inconsolado,
entrego à lua os olhos, do castigo
confesso marcas, não reprimo o brado.
No devaneio ainda te persigo,
enlaço aquele aroma delicado,
revivo o enlevo, encontro meu abrigo
na mansidão do riso imaculado.
Na tua companhia outrora pude
servir as emoções de plenitude
e toda a perfeição me inspira o canto.
Se minha angústia grita, delineio
a tua imagem cândida, no anseio
de receber migalhas de acalanto...
Jerson Brito
*DESAPONTO*
"As minhas veias inda ardentes correm,
E na febre da vida agonizando
Eu me sinto morrer!"
(Trecho do poema 'Hinos do Profeta', de Álvares de Azevedo)
Persisto, tonto ainda pela dor,
Vacila o anseio vivo deste peito,
Parece fraco e errado o meu direito,
Eu levo angústia e medo aonde eu for.
Debalde, clamo ao céu o seu favor,
O sonho que carrego para o leito,
A própria cama em que cansado deito,
Testigos são do meu banal clamor...
Em nada vejo brilho, em nada creio,
Não posso mais pensar em quem não veio
Deixando só tristeza aqui ao lado...
A pena desta vida eu já cumpri,
E se inda sou notado por aqui,
Eu sei que em breve nem serei lembrado...
Maurilo Rezende